O desenvolvimento de qualquer país, não pode dispensar a contribuição internacional, pela mais valia que muitas empresas podem emprestar, mas isso não pode significar a omissão na fiscalização e controlo da actuação destas, por parte das autoridades angolanas de direito. Apesar destes argumentos, quase se poderia dizer justificativos, terem que ser de qualquer modo levados em conta, nada nem ninguém justificará o facto de o governo de Angola, tal como acontece nos dias que correm, se abster de velar pelos seus interesses e atribuir tudo quanto seja empreitada de importância à brasileira Odebrecht, renunciando, na maioria das vezes, a todo e qualquer concurso, tal como mandam as boas normas de governação.
Tudo isto talvez tenha uma explicação mais ou menos lógica, mais, por ser realmente lógica, menos, por não ter lógica nenhuma. O que parece ser paradoxal mas não é.
Por exemplo, há mais de 10 anos a Odebrecht recebeu terrenos em Luanda-Sul com o objectivo de poder melhorar os musseques de Luanda graças ao dinheiro arrecadado na venda das realizações aí levadas a cabo. Mas da promessa empresarial e governamental apenas ficou a esperança amarfanhada e desfeita em sonhos, enquanto, paralelamente a esse esquecimento, a empresa brasileira já arrecadou mais de 19 mil milhões de dólares para além dos empreendimentos criados em Luanda Sul, a multiplicarem-se todos os dias. Isto sem contar as “rasteiras” feitas ao nosso Orçamento Geral do Estado (OGE) por via de facturas incompreensivelmente pesadas.
Como exemplos de algumas dessas cambalhotas impostas ao nosso OGE vamos destacar três casos a que se poderiam consagrar sem mais delongas outros tantos e bons inquéritos administrativos, nem que fosse apenas para dar algum brilho à já de si desbotadíssima Lei da Probidade Administrativa, assim como, e ao mesmo tempo, à piada sem piada nenhuma do PR, quando disse que se ia instaurar em Angola um processo de controlo dos destinos dados ao erário público aplicando “uma espécie de tolerância zero”, do qual (do zero), verdade se diga só ficou a sua aplicação e pouco mais.
Se esses três casos forem confirmados como sendo verídicos pelo inquérito que sem dúvida será aberto graças à sugestão supra (sonhar não custa nada), abater-se-á sobre a nossa pobre e infeliz Angola mais uma traiçoeira cacetada dada pelas costas ao seu bom e pacífico povo. Lá se foram mais uma vez uns largos milhões de dólares sem se saber como, para quem, nem para onde foram. Senão vejamos.
No primeiro caso, o busílis da questão está no preço que foi pedido pela Odebrecht e pago pelo Estado para reabilitar e colocar um pequeno jardim ali a seguir à Praia de Banho, na Chicala, à Ilha de Luanda, entre o Jango Veleiro e a Wimpy, a considerada extensão e ampliação da Avenida Murtalla Moamed, na língua da ilha de Luanda. O trabalho feito limitou-se a fazer uma terraplanagem, cimentar e alindar um pouco mais de uns 500 a 1000 metros de via rodoviária transformada assim em belo parque de estacionamento e pequeno espaço de jardim. Por tão simples trabalho, segundo a nossa fonte, a Odebrecht terá cobrado 200 milhões de dólares, o que ultrapassa todos os limites do credível. Porém, como não custa nada investigar, porque é que não se investiga?
No segundo caso, vira o disco e toca o mesmo, o busílis da questão está no preço que foi pedido pela Odebrecht e pago pelo Estado para a sua participação na empreitada faraónica, em curso já avançado, na avenida do Comandante Jika. Para isso, a Odebrecht teria exigido um montante que ronda os 350 milhões de dólares. Onde estavam e onde estão os fiscais?...
No terceiro caso, idem, o busílis da questão está no preço que foi pedido pela Odebrecht e pago pelo Estado para realizar um trabalho de remodelação no aeroporto 4 de Fevereiro, e o problema é que a empreitada foi levada a toque de caixa, sacrificou-se a qualidade à rapidez de execução e a obra ficou uma porcaria que se transforma em lagoa artificial quando chove. E passa daí mais 400 e tal milhões de dólares. Fiscais nem por sombras, a não ser as nuvens de chuva a fazê-la cair na sua inteireza vertical, a reprovar a obra, a alagar tudo e a transformar o espaço remodelado em lagoa artificial.
Tanto dinheiro para tão pouca e, aparentemente, má obra, é muita fruta, possivelmente com cumplicidade superior. Ou talvez não, que não muda nada, o dinheiro já voou.
O fim da picada
Em todo o caso, os contribuintes, os outros cidadãos e restante povo angolano, têm o direito de saber para onde vai o seu dinheiro e se é ou não verdade que ele foi aplicado segundo os princípios de um bom pai de famílias. Para isso há ferramentas que poderão facilmente contribuir para dar uma resposta credível. É só pôr em prática as orientações de JES, mais nada. O problema é que a tal lei da Probidade administrativa morreu de morte matada no papel em que foi tão entusiasticamente lavrada e não há jeito de saber para onde foi.
Com isto tudo, deixamos para o fim deste artigo a parte mais caricata: a Odebrecht, monstruosa empresa, ou melhor, organização brasileira, que presta serviços de Engenharia e Construção na maioria dos países da América do Sul, na América Central, nos Estados Unidos, na África, em Portugal e no Oriente Médio, enfim, no mundo inteiro, que controla a Braskem, maior empresa petroquímica da América Latina, uma das mais importantes do mundo, que exporta para mais de 60 países em todos os continentes, também, está envolvida em negócios menores, como o de jardinagem e limpeza de ruas, não muitas, uma dezena ou pouco mais, e também em serviços de jardinagem.
Será que já não há angolanos no desemprego capazes de fazer isso? Não admirava que um dia a Odebrecht abrisse uma alfaiataria e uma lavandaria para confeccionar e lavar as fardas dos nossos políticos do topo da hierarquia e dos nossos generais. De borla!
O que se passa actualmente começa a ser demais, a Odebrecht mete-se em tudo, não só na capital, Luanda, mas também em províncias como Benguela, Huambo, Malanje, Lunda- Norte, Lunda-Sul, Huíla, Kwanza-Sul, etc.
A construtora participa integralmente na construção de 186 quilómetros de auto-estradas, entre a capital e outras províncias, e de Benguela para diversos destinos. Aí, segundo parece, não por ter ganho concurso algum, mas sim a indicação superior...
E, tal prática geminou, também, na execução das obras do Programa de Desenvolvimento Integrado de Infra-estruturas, na província do Kwanza-Sul, incluindo a reabilitação e construção dos sistemas de abastecimento de água potável, águas residuais, drenagem, iluminação pública e pavimentação das cidades do Sumbe, Porto Amboim e Gabela, no Kwanza-Sul.
Isto sem esquecer a Lunda- Norte onde a Odebrecht participa também no projecto diamantífero de Catoca e na construção do primeiro centro comercial de Angola, em parceria com o grupo angolano HO Gestão., Tudo para o Zé, nada para o Jota (descendentes do cujo) é demais!
Em Luanda, por exemplo, esta empresa “supra-protegida”, lançou cinco empreendimentos imobiliários, todos com estrutura completa de lazer, em Luanda, em terrenos, antes esbulhados a populares, com o beneplácito do governo e a custo zero.
A Organização Odebrecht foi fundada na Bahia, em 1944, por Emílio Odebrecht, que muitos consideram ser um dos poucos amigos internacionais do Presidente da República. São mais de 60 anos de actuação, com obras executadas no mundo inteiro. Instalou-se, é o termo exacto, em Angola em 1984, quando chegou para iniciar a construção da Hidro-eléctrica de Kapanda, seu primeiro empreendimento no país.
Ao realizar obras de infra-estruturas e investir em projetos, a empresa pretende participar na reconstrução do país, gerar riqueza, empregos, tributos, capacitar pessoas para o trabalho e preparar Angola para crescer. Além disso, a sua capacidade de gerir projectos de alta complexidade, buscar e estruturar alternativas inovadoras e relacionar-se com clientes, governos e comunidades, tem feito com que ela seja chamada a participar de empreendimentos e a buscar novos mercados cada vez mais complexos nos 19 países em que está presente. Esses são os seus argumentos avançados pela grande organização brasileira, tudo bem, mas...
Por William Tonet
Fonte: Folha 8