O Cronista Indelicado
A chamada realpolitik é a maneira mais sagaz, astuta, realista e pragmática de gerir as relações internacionais durante 99% do tempo.
Por João Miguel Tavares
Só que depois há aquele desagradável 1% em que as multidões autóctones se vêm intrometer no chá das cinco, e perturbar com as suas deselegantes manifestações, a sua gritaria reivindicativa e a sua insistência numa vida melhor a paz dos salões onde se fazem as negociatas multimilionárias com os ditadores. O povo, de facto, só atrapalha. Não se pode exterminá-lo?
Verdade seja dita: o coronel Muammar Kadhafi anda a tratar disso. Segundo consta, contratou uma turba de mercenários para metralhar à noite os manifestantes de Tripoli e ordenou aos seus aviões que bombardeassem as cidades da Líbia. Coisa pouca. E é realmente uma pena que até ao momento ainda não tenha escutado da parte de José Sócrates uma palavra de apoio ao seu querido coronel. Que ingratidão. Um homem com quem tão pressurosamente andou a promover negócios nos últimos anos. Um beduíno a quem disponibilizou generosos metros quadrados do território português para ele instalar a sua poderosa tenda. Onde estão agora as palmadinhas nas costas do intitulado "líder carismático"? Não haverá pelo menos duas ou três caixas de computadores Magalhães para Kadhafi atirar à multidão, a ver se ela dispersa?
Quando olhamos para a nossa política internacional e vemos esse extraordinário triunvirato composto por Muammar Kadhafi, Hugo Chávez e José Eduardo dos Santos percebemos o quanto desprezamos os direitos humanos, a democracia e a liberdade. Durante 99% do tempo, os protestos contra esta falta de princípios nas relações externas são simples "candura" e "ingenuidade". Durante 1% do tempo, são a voz da razão. E esse 1% é agora. Dentro e fora de Portugal, José Sócrates é uma nódoa que demora a desaparecer.
CORREIO DA MANHÃ(Lisboa) – 25.02.2011
NOTA:
E Armando Guebuza? E Joaquim Chissano? Estarão noutro planeta?
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE