Por Gento Roque Chaleca Jr., em Bruxelas
“E agora, 'camaradas', quem são os anti-patriótas, os apóstolos da desgraça? Se nos tivessem ouvido um bocadinho, nós que não somos mais do que meros telespectadores de uma governação danosa e corrupta, talvez não estariam agora a fazer as contas com as mãos nas bochechas. Nenhuma reforma, nos tempos actuais em que os povos estão em transe e determinados, serviria para extingir o fogo das manifestações com vista à construção de um sistema democrático livre e justo. Este é tempo de partirem, 'malumes', para o asílio, porque as vagas são limitadas”. Extracto da palestra com os meus sobrinhos
O coronel Muamar Kadhafi está quase de partida para o reino de Lúcifer, seu enviado especial à Líbia. Kadhafi é rei absoluto da Líbia há 42 anos. Durante este período, Kadhafi não foi mais do que um caudilho que, depois de fazer da Líbia um protectorado seu e da família, para fins económicos e políticos (basta ver que é o filho dele, o arrogante Seif el Islam, quem aparece nas imagens televisivas a defender o regime do seu pai, ao invés de ser os órgãos de soberania local a fazê-lo, se é que estes realmente existem!), quis também chamar-se a si o título de “Pai de África”, em troca de petróleo que ele próprio oferecia e ainda oferece, de “mahala”, aos regimes similares ao dele (Kadhafi).
O Imperador Kadhafi construiu teias de aranhas com a qual anda quatro décadas a capturar “presas humanas” que pensam de maneira diferente do seu regime. Um sanguinário que esteve envolvido em muitos episódios ligados ao terrorismo e ao atropelo dos direitos humanos. Kadhafi nunca teve ressentimentos de nada, é um homem frio e cobarde que usa a força para derrubar os seus opositores. Não me admira patavina que este bárbaro tenha sido ele próprio a ordenar os seus vassalos para massacrar os manifestantes.Um homem cruel como Kadhafi é capaz de tudo, até de matar o seu próprio povo.Os ditadores não tem receio de nada, até porque não tem nada a perder. A única diferença entre Kadhafi, Saddam e Hitler, reside apenas nos nomes. São todos filhos do mesmo “ventre político”. Segundo os jornalistas Andrew e Patrik Cockurn, ditadores desta natureza tem sempre contra si a desvantagem de nunca ser alertado para os erros que cometem, pois qualquer alerta pode implicar uma suspeita de traição – e uma execução sumária.
Quando o vi em Maputo, em julho de 2003, aquando da Cimeira da União Africana, não tive a menor dúvida sobre o verdadeiro carácter do ditador líbio: aquele homem parecia ele próprio o proprietário da Líbia, petulante e arrogante, quão soberano vitalício de um país que o viu nascer! Custa muito para os ditadores compreenderem que ele não são donos de nada, nem fundadores de coisa nenhuma. São apenas corpúsculos de areia que para nada mais serve que durar algumas dezenas de ano, neste vale de lágrimas, que eles próprios ajudam a construir. Nessa cimeira, fazendo-se acompanhar do nosso diplomata-mor, Joaquim Chissano, Kadhafi exibiu um discurso tristonho que não é digno de nenhum chefe de Estado. Acusou o Ocidente de irradiar a SIDA em África. Para ele, a SIDA é uma doença do Ocidente. Que diabo de discurso, que diabo de figura! Nesse dia do discurso de Kadhafi, muitas palmas de ovação foram ouvidas no interior da sala de conferência Joaquim Chissano, exibidas pelos seus pares, ao líder líbio. É preciso ser “vira-casaca” para defender coisas com as quais não concordamos patavina. É preciso ter “tomates” no lugar para aturar estes tipos de loucura cerebral.
Ainda assim, fomos obrigados – na escola primária e secundária – a decorar o nome deste ditador como se este valesse alguma coisa! Já percebemos que o “partido dos camaradas” adora idolatrar regimes ditatoriais como o de Kadhafi. Fez de Kadhafi um parceiro íntimo de cooperação.Com regimes ditatoriais, sejam eles ricos ou não, é preciso ter cautelas.O investimento gasto, nesses países, dum dia para o outro pode simplesmente desaparecer. Que o diga o governo do engenheiro José Sócrates que, nos últimos dois anos, fez grandes investimentos na Tunísia, no Egipto e na Líbia mas, volta e meia, envia aviões de resgates (os famosos C-130) a esses países, para acudir e retirar os seus de lá. Que ginástica! Que gincana!
Kadhafi só pode queixar-se de si mesmo. O mesmo acontece com o regime da Frelimo. No espaço de dois anos, 2008 a 2010, o governo parou para ver os “vândalos” desfilarem em Maputo, Beira e Chimoio. As medidas de austeridades tomadas logo após os tumultos de 1 e 3 de setembro foram arquivadas. Vozes tem havido, no seio da Frelimo, que tem vindo a lançar avisos à navegação ao governo sobre os problemas da assimétria existente no país. Jorge Rebelo, Marcelino dos Santos e Graça Machel são exemplos de alguns militantes que, à semelhança do povo, deram cartão vermelho ao governo. Mesmo assim, repito, a voz do povo tem sido ignorada. Da Tunísia para Egipto não levou mês e nem foi preciso muito esforço. Agora que as manifestações atingiu Líbia e com a ameaça de chegar a Angola, o regime da Frelimo decidiu (desesperadamente) reforçar os elementos de segurança nas ruas da capital do país (Maputo) com o intuito de conter possíveis focos de manifestações. É tarde demais. São inevitáveis as manifestações na África Austral, porquanto a maior parte dos regimes desta parcela africana – réplicas de kadhafismo – continuam a maltratar os seus povos.
É bom que se diga a todos os ditadores (vou inclusive destacar o aviso para que leiam bem): “O asilo está a esgotar-se para vos. Com uma provável queda de Kadhafi já não restará espaço (nos países humanistas) para receber mais ditadores. É, portanto, o tempo de partirem para o asilo. Sigam já as pegadas de Ben Ali, Mubarak e de outros correligionários vossos que partiram primeiro. Para o orgulho do vosso mandatário (Lúcifer) não desejariam passar pela “sorte” de Nino Vieira, na Guiné-Bissau, ou gostariam? Os tempos actuais são de igualdade, de fraternidade e de justiça. Estes três valores não se adquir em um, dois ou cinco anos de mandatos, levam décadas, por isso, “malumes” são tempos de partirem. Os helicópteros que usam para as “presidencias-abertas” podem ser poucos para aglutinar a todos.”
‘Kochikuro’ (Obrigado) [email protected]
PS: Será que no nosso país o Ministério dos Negócios Estrangeiros não funciona? Se funciona, porque é que se cala perante realidades em que é preciso esclarecer o país à situação dos Moçambicanos que se encontram no centro de furacão, na Tunísia, no Egipto e na Líbia? Para que serve, senhor ministro, ter uma página na Internet se é só para o “inglês ver”? Senhor ministro Oldemiro Baloi, não acha que já seja tempo de prestar mais atenção à situação de Moçambicanos na diáspora? As nossas embaixadas? É melhor parar por aqui!
O AUTARCA – 24.02.2011