Governo reitera o seu não à renegociação dos contratos
Por Emídio Beúla
O que há mais de cinco anos era assunto de académicos enclausurados na universidade e/ou ligados 1 instituições de pesquisa científica, hoje tomou-se num apaixonante debate que arrasta
políticos, governantes e instituições financeiras internacionais: a questão da renegociação dos contractos com os mega projectos. A recente aparição pública do governador do Banco de Moçambique a reivindicar a necessidade efe se aumentar a tributação dos mega projectos para o bem da economia nacional parecia ensaiar um novo posicionamento do executivo. Debalde. Em declarações esta segunda-feira ao SAVANA , o ministro da Planificação e Desenvolvimento afastou qualquer possibilidade de renegociação dos contratos firmados pelo Governo e os mega projectos em sede da anterior legislação que tornava Moçambique num apetecível paraíso fiscal para o grande capital estrangeiro.
O quadro legal que regula as contribuições fiscais das empresas dos sectores mineiro e petrolífero foi revisto e actualizado em 2007 tendo se eliminado um conjunto de benefícios fiscais. Trata-se das leis 12 e 13/2007, respectivamente a lei de minas e a de petróleos. Volvidos dois anos, o executivo procedeu à actualização do Código dos Benefícios Fiscais (lei 4/2009) com o mesmo objectivo de diminuir as facilidades fiscais previstas para as multinacionais com projectos de exploração de recursos minerais e petrolíferos no país.
Porém, grande parte dos contratos em vigor foram assinados antes de 2007, isto é, à luz da anterior legislação. São disso exemplos os contratos assinados com a Mozal, a Sasol, a Kenmare e a Vale Moçambique, multinacionais que gozam de largas concessões fiscais. É sobre este grupo de firmas que incidem as críticas de académicos e alguns políticos no sentido de aumentarem a sua contribuição para o tesouro.
Dados divulgados pelo Governo em 2010 indicam que os mega projectos licenciados em Moçambique já mobilizaram para o país cerca de 9,82 biliões de dólares norte-americanos (USD). Maior parte desse montante provê de investimentos e das exportações realizadas até finais de ano passado. Devido á desarticulação da base produtiva nacional aliada à incapacidade de substituir importações de bens de consumo e extremas facilidades capita estrangeiro de grande escala, a economia moçambicana não consegue reter essa riqueza que ela mesma gera.
Do contexto ao medo de nervosismos
A explicação oficial para a concessão de benefícios fiscais é o contexto de pós-conftito armado em que Moçambique se encontrava, o que tornava necessário anexar ao país uma imagem de "bom destino de grandes investimentos internacionais”.
- 0 que temos vindo a dizer é que a Mozal, por exemplo, entrou num contexto completamente diferente das outras empresas e encontrou uma lei também diferente da actual", disse ao SAVANA Aiuba Cuereneia, ministro da Planificação e Desenvolvimento.
A actual legislação sobre recursos minerais e petrolíferos deixa tão descansado o ministro Cuereneia que nem pensa em renegociar os contractos decididos em sede da anterior legislação.
O Governo não pode a todo o momento estar a fazer a revisão da legislação dos contratos que tem com as empresas, porque isso pode criar outros problemas de nervosismo e stress em relação aos outros investidores', explicou os receios.
Acrescentou ainda que "a nova lei prevê entradas mais substanciais de impostos destas empresas para o tesouro do Estado".
A mineradora australiana Riversdale é o exemplo recorrente de Aiuba Cuereneia de multinacionais que entraram no mercado nacional depois da revisão do quadro legal do sector.
Esta multinacional não beneficia das mesmas facilidades fiscais aplicadas às outras cujos contratos são anteriores a 2007. A actual lei è sustentável, pois traz benefícios ao país e julgamos que ela também beneficia os moçambicanos”, disse.
Renegociações nas renovações e/ou expansão
Havendo situações em que nós achamos que estamos numa posição de injustiça tem de se negociar. Mas são negociações e não podemos obrigar nada. Nós somos um Estado sério e se fizéssemos o contrário ninguém mais acreditava em nós”, respondia Manuel Chang, Ministro das Finanças, em entrevista ao SAVANA em 2010 (edição de 21 de Maio).
Depois de explicar que o Governo reviu a legislação sobre os petróleos e minas por ter concluído que tinha chegado o momento de reduzir os benéficos fiscais para os mega projectos. Chang deixou claro que não era de interesse do executivo revisitar os contratos assinados antes da actualização da legislação.
'Quanto aos mega projectos que apanharam mais benefícios, de facto sé podemos negociar ou rever as condições quando há renovações ou quando há expansões. Havendo uma expansão das actividades, aí temos que rever as condições porque, já alterou a legislação. É isso que está estabelecido"; explicou.
O ministro das Finanças disse ainda que não eram todos os mega projectos que estavam "numa situação de não apoio (ao orçamento)”. Citou o caso da HCB, como exemplo de megaprojecto com enorme contribuição. 'Ela tem 10% de taxa de concessão sobre o volume de vendas brutos, e depois paga todos os outros impostos”.
“Não podemos continuar toda a vida a repetir as coisas por causa de uma situação que, em termos políticos, já passou”, disse a fechar o debate.
Que dizem os académicos
Em longa entrevista a este semanário (edições de 3 e 10 de Setembro de 2010), o economista e docente universitário Dipac Jaintilal explicava que os acordos foram assinados num contexto muito particular do País em que no pós-guerra era necessário atrair investimentos de vulto. Contudo, defende que seria 'moralizante' que em função dos problemáticos défices orçamentais e dos efeitos da crise internacional, que o Governo tomasse a iniciativa de encetar um diálogo com alguns dos mega-projectos como a Mozal, Sasol, Kenmare e a Vale Moçambique com o fim de se acordar uma maior contribuição desses nas receitas públicas. "Até porque a estabilidade social e económica do país é do interesse directo destas empresas”, acrescentou, indicando que isso se faz em todo o mundo, como aconteceu há pouco na América Latina nos acordos sobre o gás que é exportado para o Brasil.
Carlos Nuno Castel-Branco, outro economista e docente universitáro explicava a posição do Governo em não renegociar os contratos com os mega projectos do ponto de vista de compreensão política do processo de acumulação de capital. Primeiro porque “os governantes, eles próprios, estavam envolvidos como accionistas nestas empresas".
Segundo porque “no nosso Governo, infelizmente, e ao nível mais alto, há enorme incompetência que gera medo de tomar decisões. Alguns destes (governantes) mesmo honestamente, pensam que não è possível fazer estas coisas E aqueles que sabem que é possível não querem".
Na entrevista ao SAVANA (edição de 8 de Outubro de 2010), o economista fez referência da existência de cláusulas que prevêem a renegociação dos contratos e "que levantam encargos para o Estado se os contratos forem modificados em prejuízo da empresa".
Castel-Branco defendia ainda a criação de uma base técnica e política que permitisse a modificação dos contratos. Para ele, Moçambique não seria o primeiro caso. Citou como exemplos a Libéria, Zâmbia, Gana e Costa de Marfim, países onde houve um reconhecimento oficial de que os contratos com multinacionais eram altamente negativos para as economias nacionais.
"Será que a Mozal, a Sasol, a Kenmare e o Vale, vão prosperar num ambiente de instabilidade, de descontentamento de greves, de manifestações?”, questionou, para depois acrescentar elas devem contribuir para a estabilidade política e económica do país, assumindo responsabilidade fiscal.
SAVANA – 18.02.2011