MARCO DO CORREIO
Por Machado da Graça
Olá Arnaldo
Como vais, meu amigo? Do meu lado tudo bem.
Há dias perguntavas a minha opinião sobre esta questão da renegociação dos grandes projectos e eu não soube bem o que te responder. São assuntos complexos e não é fácil dar uma opinião que seja ao mesmo tempo, clara e rigorosa.
Pelo menos não é fácil para mim. Mas há gente, com outra muito melhor preparação, que nos explica a coisa de forma muito simples.
É o caso, por exemplo, do economista Carlos Nuno Castel-Branco.
Estou a ler um livro dele chamado Economia Extractiva e Desafios de Industrialização em Moçambique . Nesse livro ele aborda a questão dos mega projectos com bastante clareza. Acho que também o fez numa palestra, há poucos dias, mas as horas dessa série de palestras não facilitam a minha presença.
Mas deixa-me tentar explicar-te o que ele diz sobre essa questão do renegociar, ou não, os contratos com os mega projectos:
Em principio um estado normal precisa de receita; para poder fornecer serviços e infra-estruturas à sua população. Se não o fizer, perde a sua legitimidade junto dessa população.
Portanto, seria lógico que o nosso Estado aplicasse impostos sobre os mega projectos, empresas geradoras de lucros fabulosos.
Com esse dinheiro poderia prestar mais e melhores serviços aos moçambicanos, de uma forma geral.
Porque não o fez então?
Segundo Castel-Branco não o fez porque não precisa. Os serviços que presta à população são pagos pela ajuda externa e pelo endividamento externo. E essas duas fontes são suficientes para manter um nível de serviços aceitável.
E, por outro lado, isso permite-lhe acelerar o enriquecimento da burguesia nacional.
Como?
É muito simples: Sempre que o nosso Estado fez um contrato com uma dessas grandes empresas multinacionais põe como condição que o investimento seja feito em parceria com empresas do sector privado nacional. E é claro que essas empresas privadas nacionais estão intimamente ligadas ao poder político que aprova, ou não aprova, a concessão da exploração dos recursos.
Na prática as empresas do sector privado nacional não investem coisa nenhuma, mas recebem uma percentagem da empresa de exploração pela sua capacidade de influenciar as decisões políticas. E, muito provavelmente, a fatia que recebem é proporcional aos benefícios que conseguem, nos contratos, para a grande multinacional.
E assim, de mãos dadas, o grande capital internacional e o capital nacional começam a beneficiar da exploração dos nossos recursos sem, praticamente, darem nada ao país Moçambique. Aqui ficam algumas migalhas em edifícios, mâo-de-obra e pouco mais.
O resto, a parte carnuda dos lucros, vai para os accionistas internacionais e nacionais, que vendem os nossos produtos, lá fora, aos preços do mercado internacional.
Castel-Branco dá um exemplo concreto:
O saldo comercial da Mozal e da SasoL em 2007, atingiu USS 1 bilião. Quer dizer, estes dois mega projectos exportaram um bilião de dólares mais do que importaram. (...) Como esses dois mega projectos combinados transferem USS 680 milhões para o exterior, ao saldo comercial é preciso deduzir este valor para determinar o que de facto é absorvido pela economia nacional. Em 2008 apenas US$ 320 milhões (de um saldo comercial de USS 1 bilião) foram retidos na economia, e esse montante é praticamente igual aos custos operacionais correntes combinados dos dois mega projectos (inchando salários e impostos sobre o rendimento individual).
Este texto recorda-nos que, para além de não pagarem impostos, estas empresas estão autorizadas a enviarem para o exterior a maior parte dos seus lucros. Mais uma vez para benefício dos seus accionistas estrangeiros e nacionais.
Espero que, com esta ajuda do Castel-Branco, que eu espero ter reproduzido fielmente, fiques mais esclarecido sobre as razões que justificam as posições do Governo.
Parece-te muito mal estar-se a prejudicar o país inteiro apenas para beneficiar uma pequena camada, sempre os mesmos?
Pois a mim também parece. Mas que fazer?
Um abraço para ti do
Machado da Graça