CORRESPONDÊNCI@
Por: Gento Roque Chaleca Jr., em Bruxelas
“'Thaz' não conquistou a sua fama em 'Nachingwea', muito menos em 'Maríngué', dois temerosos palcos de guerra, onde a 'maternidade militar' forjou e continua forjando heróis de colocar interrogações. A heroicidade de ‘Thaz’ fez-se nos palcos de todo o país e as suas músicas ainda hoje continuam a derreter corações dos seus fãs. É pena que no nosso país gente assim, como 'Thaz', que arrasta multidões com obras de beleza perpétua, não seja devidamente homenageado e valorizado pelas autoridades de cultura”. Extracto da palestra com os meus sobrinhos.
Ainda vivo na ignorância de não saber ao certo quando é que nasceu e faleceu o músico beirense, 'Thaz', aquele que em vida, à semelhança excepcionalmente de John Chibadura (o fenómeno zimbabueano que também tem uma costela moçambicana), faziam calar as armas da guerra fratrícida que opôs as forças governamentais e a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo). Na coluna onde seguisse a caravana de 'Thaz', na trajectória entre Beira e Tete (percurso difícil de percorrer sem que, naquele tempo, causasse vítimas mortais, era possível viajar sem ouvir um único tiro). 'Thaz' não era um músico qualquer, daqueles que se “medem aos palmos”, embora a sua estatura física (baixa) fosse tão evidente, o que não era compatível com as suas músicas, com a sua fama. Há quem recomende, inclusive, entre os mais experimentados, como o autor destas linhas, que se cante, dance e vibre 'Thaz', para espantar os maus espíritos!
'Thaz' quando entrasse em palco, como certa vez o vi cantar e dançar no então Cine Esplanada Kudeka, 'na capital do calor', em Tete, parecia um “homem mola”, que se dobrava em quatro. A sua voz (meiga voz) é antídoto certo contra as perturbações mentais da vida. Quantos casais que eu conheço são exemplos vivos de “ninho” construído graças ao som das músicas de 'Thaz'. Outrossim, quantas almas não foram curadas da depressão aguda ouvindo as músicas deste jovem músico?
Nas maternidades dos dias de hoje, já não nascem músicos do condão de 'Thaz'. Basta ver, in louco, a proliferação de músicos “pimbas” que pululam pelo país inteiro e até exportam ao estrangeiro a mediocridade das suas artes, alguns deles de tanto escovar o sistema, andam na gandaia à espera que algum dia a fertilidade do tempo eleitoral os traga de volta à ribalta.
'Thaz' não só cantava como também dançava. A sua habilidade de dançarino era uma autêntica escultura de arte em palco.
Ele foi, na minha modéstia opinião, uma espécie de “homem conjunto”, em que se podia encontrar, num só corpo, naquele corpo franzino, todos os instrumentos dum conjunto musical. Em outras palavras, 'Thaz' era a música. A morte de
'Thaz' continua a ser um caso de sociólogos dada a sua imortalidade.
Mas, não é da sua morte que quero falar hoje, aqui nesta crónica, porquanto um verdadeiro artista – como 'Thaz' – nunca morre. Morre o homem fica a obra. As obras de ‘Thaz’ não deixam dúvidas: ele era o maior. Quem não se lembra da célebre música “Macaliranga”, ou seja, “minha triste vida”.
Nela, ‘Thaz’ lamentava o facto de a vida dele ser um labirinto de dificuldades. Dizia ele, “A minha vida é difícil / vou à tropa mas as coisas me correm mal / procuro emprego e sou preso / faço filho, filho morre. Eu não sei o que fazer com esta vida / pego isto e pego aquilo para tentar dar um jeito à minha vida, mas as coisas também me correm mal porque os meus amigos que estão na fila da frente, dado o tráfico de influências que eles gozam na sociedade, enchem-se de si e inviabilizam a minha vez / as minhas nádegas estão todas moídas de tanto apanhar / os meus ouvidos já não ouvem bem de tanta sova / as minhas costelas também estão inchadas. A minha vida é de cão: quem vai a caça sou eu (cão, 'Thaz'), mas quem come carne é gato / e como agradecimento recebo um pontapé no traseiro. O que é que eu faço?”.
'Thaz' cantava a sua vivência diária. Foi muitas vezes mal compreendido pelo sistema. A vida lhe corria mal, porque era um “alvo constante a abater” por certos “xiconhocas” do poder. Denunciava e condenava os males que ainda hoje são bandeiras deste governo: a corrupção, a negligência, a prostituição, o desvio dos fundos do Estado, o nepotismo, etc.
Quando 'Thaz' cantou a música “cabrito come onde está amarrado” o ódio já crescente contra ele, agigantou-se. Nesta música, 'Thaz' lamentava o facto dos donativos destinados às populações carenciadas (de Mutarara) eram desviados pelas autoridades administrativas locais.
Dizia: “cabrito come onde está amarrado / os ‘cabritos’ que comem aqui, em Mutarara, não têm bons hábitos / quando chegam donativos de alimentos vindo dos países estrangeiros são eles, os chefes, que ficam com os produtos e só depois de saciados, em pequenos minguados, dão ao povo comer / e o produto do roubo é posteriormente comercializado no mercado de 'txunga-moyo', enquanto os verdadeiros destinatários do donativo morrem a fome”. Esta situação era frequentemente reportada em todo o país. O presidente Samora Machel inclusive já antes havia condenado esta situação, mas, infelizmente, sem sucesso como se pode ver ainda nos dias de hoje.
‘Thaz’ que “os ladrões têm uma barriga característica, peculiar (gorda e insaciável), pois roubam de forma desmedida e escandalosa em prejuízo do povo / os contabilistas expropriam-se em um, dois e três meses de salários dos trabalhadores para comprarem 'mini-bus', lojas. Pela manhã cedinho, esses mesmos contabilistas são vistos nas suas residências a tomarem café como se nada tivesse acontecido, enquanto os trabalhadores morrem a fome / os lares desses trabalhadores são destruídos devido a estiagem”. Adiante o músico suplica: “por favor, senhores, ao roubarem procurem também olhar pelo sofrimento do povo, porque o comedor de carne hoje pode muito bem comer capim amanhã”. De facto, as coisas da vida mudam repentina e vertiginosamente. “Todos nós, heróis como não, os gingões, os ladrões, os humildes, os vaidosos, etc., acabaremos no cemitério [da Cerâmica]. Lá, no cemitério da Cerâmica, não há grandeza de coisa nenhuma, não há adamastores de nada, todos os que lá forem sepultados comerão a mesma areia”.
Na Beira, naquele tempo, não havia empresário que não apostasse em 'Thaz' e no seu agrupamento musical.
‘Mussa Cara’, ‘Faruk, Banú’, a Transcarga, cidadãos anónimos, etc., (como se puxassem a água do autoclismo sem ver o produto ali depositado), sacavam da carteira somas avultadas de dinheiro em apoio ao jovem músico. São, de factos, outros tempos, tempos em que os empresários apostavam em músicos com arcabouço musical. Foi então, no âmbito do patrocínios dessas empresas que 'Thaz', por volta de 1994, escalou a cidade de Tete, e, graças a minha habilidade de garoto, consegui, sem saber explicar como, “enfiar-me” naquela multidão de gente, no KudeKa, para ver in louco, o meu ídolo tocar, cantar e dançar, mas quando fui descoberto pela organização do evento (e porque naquele tempo a questão de idade era um valor a respeitar) levei com um pontapé no traseiro para nunca mais lá voltei a colocar os pés. 'Thaz' era mesmo assim, “levava as pessoas à loucura”. Confesso se em Tete tivesse algum hospital de manicómio, como o de Infulene, em Maputo, com certeza teria eu sido encaminhado para lá, porquanto as músicas de 'Thaz' punham-me (ainda põem-me) louco de encanto.
Lembro-me como se ainda fosse hoje, ali no Cine Esplanada Kudeka (agora é chão transformado em betão para receber um hotel de luxo), que ouvi, pela primeira vez, a música “Ndicali mumthumbo ine” ou seja, “Já fui gente”.
A guerra destruíra a vida de 'Thaz' e este, tristonho, lamentava: “afinal o que foi que eu fiz? De facto, a guerra que hoje pare heróis como cogumelos em tempo chuvoso não poupou vidas humanas. Senhoras grávidas, crianças, velhos, etc., serviram de carne para canhão. Enfim, são imposições da vida que, para esta crónica, não é aqui chamada.
Já fui gente, dizia ‘Thaz’ mas, “foi a guerra que me deixou assim desgraçado”. Tinha de tudo: casa, carro, loja, tractor, cabeças de gado, todos estes bens tive de os deixar por causa da guerra”. Adiante, ‘Thaz’ pergunta: “agora o que é que eu faço? Mas duma coisa, porém, eu estou certo: nada nesta vida dura para sempre”.
A guerra deixou 'Thaz' órfão de mãe. E como é sabido, o órfão está neste mundo só e só. 'Thaz' cresceu com esta dor, pois a sua mãe “Maria” teria sido vítima de uma bala, supostamente perdida, “ejaculada” de uma daquelas mortíferas armas de AKM. E, acrescenta: “onde é que tu andas, Maria? / procuro por ti todos os dias / choro por ti todas as noites / venha me ver mamã Maria / os meus pés estão inchados de tanto te procurar / a minha boca doida de tanto te chamar, os meus olhos lacrimosos de tanto te chorar/ vinde por favor arrefecer o meu coração.”
Morreu o homem, mas ficou a obra. Penso que é altura da edilidade da cidade da Beira homenagear os seus heróis. O nome de 'Thaz' ainda não foi atribuído a nenhuma rua ou avenida da chamada 'capital do Centro'. Nas últimas linhas desta crónica, carregada de tão profunda emoção, peço o favor para que o Concelho Municipal da cidade da Beira tenha bom senso e atribua, nesta bela cidade da Beira, numa rua ou numa avenida, ou numa praça pública, o nome do jovem músico 'Thaz', que bem merece. Oxalá que estas linhas sejam lidas pelas “excelências” que mandam nas coisas públicas. Em todo caso, se ainda assim este meu apelo cair em orelhas moucas, não faz mal, fica aqui a minha singela homenagem ao internacionalmente conhecido músico moçambicano (Thaz').
«Kochikuro» (Obrigado)
O AUTARCA – 16.02.2011