SR. DIRECTOR!
Contudo, deverá ser sempre entendido o princípio de transitoriedade da abordagem, porquanto as conclusões deverão estar plasmadas em regulamento, o que constitui a resposta final ao problema. Com serenidade, porque afinal, inúmeras são as confissões e manifestações religiosas em Moçambique.
Se um dia aparecer uma corrente religiosa qualquer a proclamar que os seus alunos deverão ir em topless para a sala de aulas, porque assim manda a sua tradição, então isso, de acordo com o que temos lido por aí, deveria ser aceite também. Porque sem eu perceber porquê, algumas mentes brilhantes locais rapidamente correram para estabelecer um paralelismo com os crucifixos encontrados em muitas salas de aula na Europa. Julgo saber que a actual União Europeia funda-se em princípios da fé judaico-cristã publicamente assumidos por seus estados membros.
Aliás, esse é um pormenor que tem barrado a Turquia, a Bósnia e até o Kosovo de pertencerem ao espaço comunitário em igualdade de circunstâncias com os demais estados europeus. Portanto, nesse contexto, parece-me ter sido mais simples dirimir o caso do crucifixo pelos legisladores europeus. Por comparação, o mesmo exercício não seria fácil no reino Saudita porque este funda-se no islamismo. E não é caso único. Temos o Irão, o Brunei, o Sudão, Paquistão e outros estados soberanos que se baseiam na Sharia como lei mãe. E nestes casos, as questões do Estado estão auto-contidas nos fundamentos da fé islâmica. Todavia, mesmo estas, excedem muitas vezes os princípios universalmente aceites nos fóruns internacionais, como sejam os tratados da ONU, dos quais, esses estados são também signatários. Criando uma aparente contradição dialéctica. Aparente, porque como se enuncia nesses tratados, normalmente a sua vigência produz efeitos entre-estados e não intra-estados, salvo nos casos em que assuntos internos configurem crimes contra a humanidade ou ameacem a estabilidade regional. Por isso, quando é necessário dirimir assuntos de confissões religiosas minoritárias face ao que estipula a lei fundamental de um país, nem sempre o peso aplicado é na medida certa. E existem inúmeros exemplos por este mundo fora que eu, por uma questão de espaço, dispenso referência. Mas ainda assim veja-se o caso dos cristãos paquistaneses, dos árabes israelitas. Ou dos judeus iranianos.
Outro aspecto que merece reflexão é a abordagem das questões do Islão. Mesmo os crentes mais fervorosos têm dificuldade de fazê-lo livremente. Quanto mais os não crentes. Há 30 anos atrás, ninguém sabia o que era uma burkha em Moçambique. Se bem que, na Ilha de Moçambique, cruzei-me muitas vezes com negras de rosto coberto. Dizia-se que vinham de Zanzibar e que era um costume influenciado pelo Sultanato que existira até 1970. Sabe-se hoje que o rito era sunita e que muito provavelmente fora um costume herdado das odaliscas que pululavam os muitos haréns que por lá havia.
- Ricardo Santos