SR. DIRECTOR!
Outro ponto que importa esclarecer aqui é o equívoco que se comete ao confundir-se burkha com nikab. No caso concreto da aluna e das negras de Zanzibar, é do nikab que estamos a falar. Porque a burkha, tem um aspecto diferente. Porque além de cobrir o rosto, cobre os olhos também. E essa é uma manifestação cultural específica dos Pashtun que vivem entre o Paquistão e Afeganistão e não, como alguns nos tentam convencer, uma tradição com 1.500 anos de existência no norte de Moçambique.
Uma vez que temos visto um crescendo de imans e ulemas oriundos daquelas paragens a dirigirem as madrassas e mesquitas de Moçambique, é muito possível que o costume tenha começado também a ser absorvido por nós como um preceito religioso inspirado no Corão, o que é um absurdo. Porque, com esta porosidade cultural, resultado da interpretação errónea do Corão, no dia em que tivermos ulemas e imans Tuaregues, até os homens começarão a ir à Escola de burkha, ainda que, pessoalmente, não me assustem nada as burkhas. Pela simples razão que, caso haja necessidade, pela LEI do nosso Estado laico, a mulher deverá descobrir o rosto para ser identificada pelas autoridades se as circunstâncias assim o exigirem. Inclusive entre os Pashtun esta é uma das excepções à regra. Quanto a insinuação da impossibilidade de se fazer retratos-robot de ladras de automóveis cobertas de burkha, não acho isso mais relevante do que se saber as características da própria viatura, particularmente, o modelo, a cor e a matrícula.
Por fim, é fundamental esclarecer que debater assuntos islâmicos se tornou penoso para qualquer estudioso em Moçambique, porquanto é uma religião cada vez mais cimentada em dogmas. E os dogmas não se discutem. Lembro-me de certa ocasião, ainda na universidade, ter participado num debate moderado pelo Sheik Aminuddin em que me referi aos Sufis, como uma corrente islâmica idolatra os mortos. Aos berberes islamizados que bebem regularmente álcool. E a usura de muitos comerciantes que no entanto construíam mesquitas luxuosas. Responderam-me secamente da assistência: NÃO SÃO MUÇULMANOS!
E eu calei-me, como não poderia deixar de ser.
Moral da história, naquele local houve um debate, supostamente intelectual, sobre o Islão. Mas no final, o único intelecto autorizado a falar era o Sheik Aminuddin. Assim é o Islão.
Por fim, e repisando a questão dos regulamentos, concretamente aqueles que imanam da própria Lei do Estado moçambicano, dizer que os regulamentos religiosos são feitos para religiosos e aplicam-se aos locais sob sua total jurisdição. Neste caso, tratando-se de um estabelecimento islâmico, poderão ser aplicados como tal e como entenderem, dentro das balizas da Lei mãe. Outro exemplo, se alguém se inscrever num Seminário Maior, deverá estar ciente que uma parte da sua formação académica obrigará ao cumprimento de ritos religiosos cristãos que não se aplicam nas escolas públicas. No entanto, poderá ou não adoptar o celibato religioso findo o ciclo de aprendizagem. E isso está muito bem explícito no acto de admissão à ordem ou filiação religiosa. Tratando-se de um estabelecimento público, então vale a regra oficial do Estado laico. Ou seja, o regulamento do uniforme escolar aprovado pelo MINED. E aquele, não preceitua o uso de burkha, nem, segundo sei, nem do cofió e outras vestimentas islâmicas comuns nas salas de aula. No entanto, nunca houve polémicas em relação a isto, inclusivamente na Assembleia da República, onde muitas vezes, até deputados se pavoneiam em trajes impróprios supostamente islâmicos. Como num Estado l(ai)ouco, já se vê...
- Ricardo Santos