Khadafi pode ser um dos homens mais diabolizados do momento, mas do líder líbio, o moçambicano João Cule e família receberam sempre “simpatia”, entre beijinhos inesperados em Maputo até ao tratamento médico na Líbia, às expensas do coronel.
Depois de ter sido tratado ao coração num dos melhores hospitais de Tripoli, hospedagem num hotel de quatro estrelas, ir a passeio num boeing 737 apenas com a tripulação e a sua família, até Benghazi, tudo a convite de Muammar Khadafi, o mecânico João Cule aceita a custo que é o seu benfeitor que está sob ataques de uma força multinacional autorizada pelas Nações Unidas.
“É muita pena, como pessoa, porque Muammar Khadafi, sem me conhecer, e do nada, ajudou-me pessoalmente e ajudou muitos países africanos”, lamenta, em entrevista à Lusa, no recato da sua casa no bairro do Alto-Maé, na capital moçambicana.
De fala lenta e acanhado, João Cule, agora com 67 anos, demonstra segurança, quando lembra que foi em 2003, durante uma deslocação oficial do chefe de Estado líbio a Maputo, que ele e a sua família receberam o convite de Muammar Khadafi para tratamento médico aos problemas cardíacos de que vinha padecendo.
“A secretária particular do Presidente (Muammar Khadafi) simpatizou com a minha filha na loja em que ela trabalha. Ela apresentou a minha filha e as irmãs ao Presidente, receberam dois beijinhos cada e tiveram logo o convite do próprio para ir à Líbia”, conta João Cule.
Nas conversas com a secretária particular e com algumas das famosas guarda-costas de Khadafi, falou-se também da doença do pai e o convite incluiu tratamento médico.
“No dia seguinte ao encontro com o Presidente, de manhã, ligou-nos o embaixador da Líbia, na altura era Abdala Anofeli e perguntou-nos se podíamos ir à Líbia, uma vez que o Presidente convidou e vai pagar tudo”, relata Lídia Cule.
Aceitar não foi fácil e diz logo as razões da hesitação: “Temia, porque ouvia isto e aquilo acerca do presidente Khadafi”, recorda João Cule, da reação ao convite do líder, cujas ameaças de esmagar “impiedosamente” a rebelião levaram a ONU a ordenar ataques à Líbia.
Mas o que parecia uma aventura, acabou como uma visita de sonho para João Cule e três dos seus filhos – a mulher não aceitou, porque temia Khadafi pelo que ouvia - e serviu para desmistificar a ideia de “monstro” que se criou à volta do chefe de Estado líbio.
Muammar Khadafi não estava só preocupado com a saúde do mais velho da família Cule, mas também com a felicidade dos três filhos que o acompanhavam.
“Quando as secretárias e as guarda-costas do Presidente quisessem viajar, iam buscar-nos ao hotel e também íamos. No início, fiquei um pouco assustada, porque eu nunca tive o prazer nem de apertar a mão a um dos nossos presidentes, ele é muito protegido, mas sempre nos tratou com muita simpatia, foi muito prazer para mim”, afirma Lídia Cule.
Das conversas com o estadista líbio, “sempre vestido de roupões”, Lídia Cule sublinha a insistência para que ela fizesse o ensino universitário na Líbia, aprendesse árabe (chegou a ter uma professora para o efeito) e se convertesse ao islamismo.
Mas, o calor, a distância da família e as saudades de Moçambique levaram os Cule a pedir o regresso à casa, após cerca de 45 dias passados entre o hotel, hospital e tendas do líder líbio.
LUSA – 26.03.2011