EDITORIAL
O diferendo que opõe a empresa pública dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) e o consórcio indiano RICON/RITES, a quem há mais de seis anos foi dada uma concessão para reabilitar a linha férrea de Sena, necessite de melhor explicação, para que o assunto não continue prenhe de dúvidas e perguntas sem respostas.
Como se sabe, em 2004 os CFM e a RICON/RITES entraram num acordo de parceria para a formação da Companhia do Caminho de Ferro da Beira (CCFB), tendo como objectivo em parte a reabilitação e exploração, por um período de 25 anos, da linha férrea de Sena, que liga o porto da Beira e a vila carbonífera de Moatize, em Tete, numa extensão de mais de 600 quilómetros.
Na montagem deste consórcio os CFM ficaram com 49 porcento do capital, sendo a restante percentagem detida pelo consórcio indiano, o qual se encarregava igualmente das obras de reabilitação da linha férrea.
Hoje, as obras de reabilitação da linha já vão atrasadas em 15 meses, obrigando o governo moçambicano a ter que cancelar o contrato de concessão.
O cancelamento da concessão, mesmo que esteja previsto no contrato, não podia ser a finalidade para a qual a mesma se destinava. A conclusão da obra e a sua exploração, com o fluir de receitas para os concessionários e para o proprietário da infra-estrutura, é o resultado que mais se desejava.
A reabilitação da linha de Sena era uma resposta a novos desenvolvimentos económicos na região central de Moçambique, para cuja concretização aquele projecto era de capital importância. Um deles está ligado aos vários projectos de extracção de carvão mineral na região de Moatize, carvão esse que necessita de uma alternativa viável para o seu transporte até ao porto da Beira, de onde segue de navio para os principais mercados na Austrália. Brasil, China e Índia.
O primeiro lote deste carvão, que se destina a alimentar a indústria siderúrgica e de produção de energia eléctrica nos países de destino, estava programado para o mês de Setembro deste ano. Esse prazo terá que ser adiado. É um atraso que irá certamente provocar prejuízos às empresas mineiras e ao Estado moçambicano.
Por outro lado, fontes dos CFM têm manifestado as suas reservas quanto à qualidade dos trabalhes até aqui feitos sobre a linha, dando a entender que foi assinado um contrato para um serviço de primeira classe, mas que o produto final está a provar ser muito inferior ao que se esperava.
Será possível encontrar uma quantidade infinita de justificações sobre como se chegou até este ponto, mas muito provavelmente será inaceitável admitir que os CFM, como parte do projecto, não tenham tido a oportunidade de em tempo útil detectar as falhas que estavam a ser cometidas e corrigi-las antes delas se avolumarem até ao ponto em que hoje praticamente tomam a linha inviável para os propostos a que a sua reabilitação se destinava. Com uma capacidade para 6 milhões de toneladas de carga por ano, a linha está muito aquém de manusear as mais de 12 milhões de toneladas anuais que são a previsão das exportações de carvão logo que os complexos mineiros de Moatize estiverem a produzir na sua planificada capacidade.
As perdas que Moçambique deverá arcar com a produção não exportada são enormes para que se tenha permitido uma atitude de complacência perante a incapacidade do concessionário de levar o seu trabalho a bom termo. Não é só a exportação em tempo útil do carvão de Moatize que se vê comprometida com os atrasos que se verificam na reabilitação da linha de Sena, mas também todo um potencial de produção agrícola ao longo do vale do Zambeze que continuará adormecido por mais alguns meses, e até mesmo anos. E oportunidades adiadas são oportunidades perdidas. Quem paga por isso?
SAVANA – 25.03.2011