“A arte de escrever ou dialogar connosco próprios e, às vezes, com os outros não é fantasia (...). Mais ainda, não é para todos. Ai de nós se todos fôssemos escritores. O mundo seria uma catástrofe”
O anfiteatro da Universidade A Politécnica foi pequeno para acolher centenas de pessoas que se deslocaram àquela universidade para testemunharem o lançamento do primeiro volume - de um total de três - do livro de memórias do antigo chefe do estado moçambicano, Joaquim Chissano. O acto contou com a presença do Presidente da República, Armando Guebuza, membros do governo, deputados, antigos governantes, religiosos, entre outras personalidades oriundas de todas as forças vivas da sociedade moçambicana.
A apresentação do livro esteve a cargo do antigo primeiro-ministro e amigo pessoal do autor da obra, Pascoal Mocumbi. Fugindo ao ritual deste tipo de eventos, Mocumbi preferiu não falar de Chissano, justificando que todos o “conheciam”.
Preferiu, sim, fazer uma espécie de “digressão sobre a arte de escrever”, e, diga-se de passagem, não decepcionou a plateia numerosa que ali se encontrava.
Mocumbi elogiou a coragem de Joaquim Chissano, que decidiu aventurar-se no mundo da escrita, na medida em que a arte de escrever ou dialogar connosco próprios e, às vezes, com os outros não é fantasia; também não é esconderijo. Mais ainda, não é para todos. Ai de nós se todos fôssemos escritores. O mundo seria uma catástrofe...”, disse Mocumbi, para num outro desenvolvimento lançar um repto para os nossos criadores: “A criatividade tem um poderosíssimo inimigo: a fama. Ela destrói toda a criatividade. Quem sobe ao patamar da fama tem de escolher entre permanecer pelo resto da vida nesse nível ou descer e continuar a ser criativo.
Um indivíduo famoso torna-se objecto ou boneco articulado dos que lhe atribuem tal fama. Ele tem de passar a fazer o que os outros quiserem. Se ele se portar de forma diferente, será destronado e cairá em desgraça (...) um indivíduo famoso vive num permanente estado de medo e deixa de criar, para não errar. Receia o novo e acomoda-se no velho. Fica à sombra da fama e, como criador, morre...”, disse, citando na ocasião o académico francês Jean-Paul Sartre, que recusou o prémio nobel da literatura, alegando que “um prémio nobel nada me pode acrescentar, pelo contrário, faz-me decair. É bom para os amadores que procuram reconhecimento”.
Como na óptica de Mocumbi, Chissano não precisa de provar nada a ninguém. afirmou que, na obra ora apresentada, “Joaquim Chissano usa as suas habilidades literárias para nos revelar a sua origem e o caminho trilhado.
Relata a sua vida, ao mesmo tempo que descreve o ambiente, identifica as pessoas com quem interage e fala das actividades em que se envolve, analisado o que se passa à sua volta. O autor fá-lo com recurso a uma abordagem tal que cativa o leitor, levando-o a prosseguir a leitura com evidente dificuldade de a intorromper”.
“Chissano dá-nos a conhecer o facto de ter nascido num ambiente de pobreza, como foi e é o caso da maioria das crianças moçambicanas.
Não só conseguiu sobreviver às doenças, como o paludismo, que ceifaram e continuam a matar milhões de crianças na primeira idade, isto é, com menos de cinco anos de idade, mas também se destacou do resto da família, para emergir como um líder reconhecido a nível nacional e internacional”, disse.
“Não sou um mito”
Intervindo na ocasião, o autor da obra, Joaquim Chissano, pediu para que as pessoas não o vejam muito menos o tratem como uma personalidade mitológica.
“Tentei, neste livro, repelir qualquer tentativa de mistificação da pessoa de Joaquim Chissano, porque não é um mito e não quer ser um mito”, disse Joaquim Chissano, que revelou ainda que os próximos dois volumes poderão “levar algum tempo para sair”, em face das investigações em curso.
O PAÍS – 30.03.2011