O novo pacote de medidas mostra que os preços vão obedecer às regras do mercado, devendo ser apoiadas as pessoas consideradas mais vulneráveis
O Governo não aguenta mais com a escalada de preços do petróleo, cereais e outros produtos alimentares básicos no mercado internacional. Por isso, vai deixar o mercado auto-regular-se. O novo pacote de medidas mostra que os preços vão obedecer às regras do mercado, devendo ser apoiadas as pessoas consideradas mais vulneráveis. O economista João Mosca critica as decisões, considerando-as socialmente injustas e contrárias às tomadas em Setembro último. Diz ainda que se está diante de um Governo sem ideologia.
O economista João Mosca afirma que as medida tomadas, esta semana, pelo Executivo, em Conselho de Ministros, são, no geral, de curto prazo, exclusivistas (viradas apenas para as cidades), de difícil implementação e completamente diferentes das que foram tomadas em Setembro último (após as manifestações dos dias um e dois de do mesmo mês), pertencendo inclusive a escolas de pensamento opostas. O académico sustenta a sua posição, dizendo que enquanto nas medidas de Setembro o Governo quis controlar os preços de produtos através de subsídios, agora diz que os preços dos combustíveis, pão e dos transportes vão subir em obediência a regras do mercado.
Trata-se, segundo Mosca, de medidas que pertencem a diferentes formas de pensamento do desenvolvimento económico, o que leva a concluir que o Governo não tem uma linha de pensamento e nem ideologia de governação do país. “Por um lado (nas medidas de Setembro de 2010), existe o controlo da administração do Estado dos preços de produtos e por outro lado (Março de 2011), existe uma completa liberalização dos preços. O que quanto a mim não funciona, porque não se sabe como é que serão apoiados os desempregados que são, na verdade, os mais vulneráveis”, comparou.
A seguir, “O País Económico” traz a análise segmentada do economista João Mosca, sobre as principais medidas tomadas pelo Governo na última terça feira.
Como é que os passes vão funcionar nos transportes?
O Executivo vai introduzir a partir de Agosto próximo, o subsídio aos transportados na forma de passe, para os trabalhadores e estudantes, sendo que na mesma altura cessará o subsídio actual aos transportadores. Aqui, João Mosca questiona se esta medida inclui os trabalhadores da função pública, das empresas públicas e privadas e como é que ela será implementada. “Será que os passes serão entregues aos TPM, ‘Chapas’ ou às camionetas”, interrogou-se o economista, que não entende que entidade vai emitir e controlar os ditos passes para os transportados.
Mais, a medida não diz se os trabalhadores informais estão inclusos nestes passes, tomando em consideração que são a maioria e os mais vulneráveis à volatilidade dos preços de bens e serviços. Portanto, a medida dos passes é em si socialmente limitada e não abrange sequer 10% da população, segundo o académico.
Uma cesta básica indefinida
A grande inovação no novo pacote de medidas do Governo está na introdução de uma cesta básica para os que auferem rendimentos iguais ou inferiores a 2 000 meticais por mês. A cesta básica será composta por cereais, pão, peixe de segunda, óleo alimentar, açúcar e feijão. Sendo que com a introdução desta cesta básica cessará o subsídio às panificadoras e ao arroz de terceira qualidade. Quanto à cesta básica, o economista questiona como é que se define a cesta básica e como é que será distribuída aos beneficiários. “Se esta cesta básica é somente para os trabalhadores que recebem até dois mil meticais, e os desempregados não vão beneficiar?”, questionou.
Por outro lado, João Mosca teme que hajam famílias que beneficiem de mais de uma cesta básica, devido à falta de mecanismos de controlo de distribuição das senhas. “Isto aconteceu em Chókwè (província de Gaza), quando era para distribuir terras, tendo membros de mesma família beneficiado mais de uma vez da distribuição dos hectares”, apontou.
Acresce-se o facto da cesta básica para uma família composta por cinco membros, calculada pela Organização dos Trabalhadores Moçambicanos – Central Sindical (OTM-CS) custar pouco mais de sete mil meticais, num cenário em que os que recebem três, quatro, cinco até seis mil meticais não conseguem adquirir uma cesta básica para sobreviverem durante um mês. E, o Governo não prevê nada para este grupo de trabalhadores.
Manutenção dos salários de funcionários superiores não é suficiente
Para o economista João Mosca, a medida de retenção do aumento dos salários e outras remunerações dos dirigentes superiores do Estado e dos órgãos sociais das empresas maioritariamente participadas pelo Estado não são suficientes para fazer face ao custo de vida no país. Mosca entende que seriam necessários cortes nos salários e outras remunerações para que a medida fosse impactante.
“Muitos países da Europa estão a cortar os salários dos funcionários públicos para ver se conseguem resistir à crise, o que não está a acontecer em Moçambique”, segundo o economista. “Nunca ouvi falar que um governante deixou de andar na executiva. pelo contrário, registam-se sucessivos casos de corrupção grave, que têm vindo ao público”, constatou.
João Mosca questiona ainda se há medidas de austeridade de facto em Moçambique, tomando em consideração que “o Orçamento do Estado para 2011 é bastante mais alto que o de 2010”. E, por isso, o Governo anuncia uma medida e não faz nada, ou faz uma coisa completamente diferente.
Repetem-se os problemas na agricultura
O novo pacote de medidas inclui incentivo à produção agrícola, onde se pretende melhorar a distribuição de culturas alimentares básicas, intensificar a produção nacional de sementes e de hortícolas nas zonas peri-urbanas. O economista João Mosca diz que este discurso é o mesmo há mais de 35 anos, sendo que depois não se faz nada de concreto.
O PAÍS – 31.03.2011