O primeiro artigo desta secção foi compilado por Wim Neeleman na véspera da partida da delegação governamental moçambicana com destino a Paris. O segundo, contem as reflexões de Yussuf Adam após o regresso da mesma delegação.
GOVERNO VAI A PARIS PEDIR MIL MILHOES DE DOLARES
De 17 a 19 de Abril decorrerá o Grupo Consultivo de Paris. A posição dos doadores jah eh conhecida. Em Janeiro entregaram ao Governo um documento que se le como as "directivas" do tempo socialista e que servirá de agenda em Paris. Aponta cinco áreas como sendo basilares para a estabilização da situação socioeconómica: reforma aduaneira, reforma financeira, desenvolvimento do sector privado, combate à corrupção e democratização. Os doadores querem a privatização da gestão das Alfandegas antes do fim do primeiro trimestre, e um plano de reformas fiscais até o fim do ano; defendem uma pauta aduaneira de taxa única de 10%. O Banco Comercial de Moçambique deve ser privatizado até Junho, o Banco Popular de Desenvolvimento até o fim do ano. Alem disso, os doadores querem o fim do monopólio de importação de combustíveis pela Petromoc até o fim do primeiro trimestre, e a privatização da rede de distribuição até o fim do ano. Os CFM ou a sua gestão devem ser privatizados. As LAM também.
Os doadores querem a Alta Autoridade de Combate à Corrupção estabelecida antes do fim do primeiro trimestre e uma informação pública regular sobre as medidas tomadas sobre casos de corrupção. Exigem do Governo um calendário sobre a descentralização, eleições autárquicas e reforma judicial. E os subsídios do Governo para alguns órgãos de informação devem ser reorientados para o reforço do sistema judicial e da Assembleia da Republica. (Savana 22/03)
O governo apresentará em Paris um documento que prevê um programa económico "altamente restritivo" e que "provocará uma contracção da actividade económica". Em 1995 a despesa publica diminuiu 12% em relação a 1994 (cf. "O NUMERO" neste NotMoc). As maiores reduções ocorreram na Defesa e Segurança, Bens e Serviços, Salários e Despesas Sociais. Os cortes não afectarão a Saúde ou a Educação. A inflação foi de 54,5%, muito alem da meta revista em Setembro de 34%. Apesar do aumento real das receitas em 1995, a colheita dos direitos aduaneiros foi de apenas 77% do programado. No respeitante aos contravalores houve uma redução de 32 milhões de USD em relação ao projectado e um declínio marcante na utilização dos fundos de "import support": dos 140 milhões de USD colocados à disposição da economia, apenas foram utilizados 79 milhões.
Para 1996, o Governo prevê: um crescimento económico de 4%, uma inflação de 22%, um aumento de 2% nas receitas, apesar duma redução de 6% nas importações, aumento dos impostos sobre os combustíveis e uma quebra de 2% do PIB no investimento público. O objectivo central de uma poupança de 2,4% do PIB, o dobro do ano anterior, eh um aumento nominal de 22% no credito à economia.
As exportações deverão atingir um valor (FOB) de 194,7 milhões de USD e as importações um valor (CIF) de 735,5 milhões, resultando num défice (antes dos donativos) de 540,8 milhões, 67 milhões a menos que o ano passado. Espera-se uma redução de 90 milhões de USD nos donativos. (mediaFAX 4/04)
CAPACIDADE NEGOCIAL EXALTADA: OS RESULTADOS ALCANÇADOS E OS "RECADOS"
881 milhões de dólares para o programa económico e social de 1996 e 314 milhões de dólares para o alivio da divida foram os resultados da 9a reunião do Grupo Consultivo de Paris que decorreu nos dias 18 e 19 de Abril na capital francesa. No dia 20, sábado, vinte e quatro horas depois da conclusão da reunião de Paris, o Noticias titulava: Bancadas Parlamentares felicitam o executivo pelos sucessos de Paris.
Três declarações davam corpo a noticias: as de Edgar Cossa, porta-voz da bancada parlamentar da FRELIMO; as de David Alone, vice-chefe da bancada da RENAMO, e as de Tarcissio Gemusse, porta-voz da bancada da União Democrática. Consenso entre os tres: Parabéns, Governo, pela capacidade e sucesso negocial. Discordancias quanto ao uso do dinheiro e resultados dos projectos. Edgar Cossa vê nos resultados de Paris "uma possibilidade de concretizar projectos e planos contidos no plano quinquenal do governo aprovado pelo Parlamento". Áreas há onde Cossa acha que o governo necessita de encorajamento (ou será um eufemismo para apresentar uma critica?): Alívio da pobreza extrema e redução dos níveis da inflação. D. Alone saudou a perícia do executivo e a generosidade dos doadores mas dúvida da transparência na utilização dos montantes doados, porque "se todas as doações fossem geridas com a necessária transparência e pertinência, Moçambique por estas alturas teria resolvido muitos dos seus problemas". Duvidas também sobre as privatizações da TTA, LAM, BPD... T. Gemusse salientou a disparidade entre o que nos dão e o que conseguimos fazer. "Dinheiro que devia ser aplicado para o bem do país eh introduzido nos bolsos de não sei quem e o resultado é só dividas para o pais".
Para o porta-voz da UD, quem devia negociar valores era o parlamento que por sua vez concederia os fundos ao governo para executar os programas. Insistiu num ponto seu: a delegação de Moçambique a Paris deveria ter parlamentares da AR.
Se as apreciações dos representantes dos partidos políticos com assento no parlamento moçambicano são do tipo "foi bom, mas..." o mesmo se pode dizer do que aconteceu em Paris. Os montantes acordados cobrem o que o governo pediu e de certa forma mostram um acordo e uma aprovação do relatório de actividades do governo, enquanto que as criticas feitas pelos doadores mostram desacordo em relação ao mesmo. O Savana (19.04.1996) salientava as críticas - as mesmas que Luísa Digo, a vice-ministra do plano e finanças designava de "preocupações dos doadores" - sendo: resultados pouco claros, corrupção florescente, reforma do sector público, boa governação, inflação...
O discurso de Tomas Salomão, o ministro do Plano e Finanças em Paris publicado no Noticias (Not.18.04.1996) intitulado "Passos para o desenvolvimento económico e social de Moçambique" apresentou o trabalho realizado pelo governo em 1995 contrapondo-o às promessas e acordos alcançados na última reunião do CG. Conclusão a tirar: as coisas estão a andar, o acordado foi cumprido e há muito a fazer e será feito pois há um programa de governo para os próximos cinco anos.
Os doadores lá fizeram o seu papel. Doaram, criticaram e exigiram. A Holanda, visto como um parceiro do governo e da FRELIMO desde o tempo da luta armada, disse através de Van den Wiel, que "a contribuição do governo à reunião de Paris e um desapontamento" e que era "particularmente triste para um velho amigo ver a corrupção a florescer".
Katherine Marshall do BM na sua ironia fina e ao mesmo tempo incisiva deixou clara a sua apreciação dos relatórios do governo em Paris comparando-os com musica barroca: "lenta, certamente repetitiva, com refrões claros e habituais".
A procura da documentação para este artigo na semana passada foi difícil. Nos escritórios do Banco Mundial: não havia. No Ministério do Plano e Finanças: próxima semana depois de voltarem de Paris. Uma fonte possível: recebemos tarde e a ma horas. Logo que encontrarmos mandamos.
Uma estratégia de barganha baseada no segredo (interno pelo menos) ou pura e simplesmente atraso na preparação?
Notícias de Moçambique – 21.04.1996