A talhe de foice
Por Machado da Graça
Há textos que me são agradáveis de escrever e há outros que, por diversas razões, me são desagradáveis. Este pertence ao segundo grupo
Porquê? Porque se refere a uma instituição que deveria ser o mais ato altar da Justiça no nosso país mas, infelizmente, cada vez mais se transforma no seu cemitério. Falo do Tribunal Supremo.
Nos bocados de discursos que a Radio Moçambique tem transmitido, no âmbito do Ano Samora, há um em que ele crítica, severamente, os tribunais que são parciais a favor dos seus parentes e amigos, deixando de julgar os casos que possam incomodar esses amigos e parentes.
Ora a situação continua a mesma só que alargada aos camaradas de partido e/ou membros do Governo.
Almerino Manhenge foi, agora, condenado a dois anos de cadeia. O tempo em que esteve de prisão preventiva não chega aos 2 anos e portanto, ele deveria voltar para a cela para completar o tempo. Mas não voltou Recorreu da sentença para o Supremo e vai aguardar, em liberdade, que o Supremo tome uma decisão. Seja lá quando isso for...
O antigo Ministro dos Transportes foi condenado a mais de 20 anos de cadeia, há muitos meses. Quantos dias passou na cadeia? Nenhum, claro, porque recorreu para o Supremo e este não tem tido tempo de analisar o caso.
Há mais de 10 anos os sócios reconhecidos da COOP meteram em tribunal um processo contra o Governo, representado pelo Ministério das Obras Públicas e Habitação, para que fosse dada posse aos órgãos eleitos em Assembleia Geral legitimamente realizada. O processo, depois de estar a apodrecer alguns anos no Tribunal da Cidade de Maputo, quando este era dirigido pela actual Ministra da Justiça, acabou por ser julgado, quando ela foi substituída no cargo pelo juiz Augusto Paulino. Que, na sua sentença, deu completa razão aos sócios da COOP
Será que os órgãos da COOP tomaram posse? Não, porque o Estado recorreu para o Tribunal Supremo onde está, de novo a apodrecer, há vários anos
E estes são apenas 3 dos muitos casos em que o recurso ao Tribunal Supremo é uma forma de evitar situações incómodas ou desagradáveis para o Poder e seus membros.
Mandam-se os casos para o Supremo e não há mais com que ter preocupações.
Era assim com Mário Mangaze e não estou a ver que haja nenhuma alteração com o seu substituto Ozias Ponja.
O que significa que, no local onde os moçambicanos têm esperança de encontrar a mais correcta Justiça nas questões que, pessoal ou colectivamente, os afligem, só encontram desespero e frustração.
Pode-se falar de falta de juízes, pode-se falar de todo o tipo de dificuldades, mas nada disso justifica os anos e anos sem tomar uma decisão, das mais fáceis em termos jurídicos, como é o caso da COOP.
A única razão para que essa decisão não seja tomada é o facto de ela ser incómoda para o Poder e para todos aqueles que, á sombra desta não-Justiça, vão fazendo as suas negociatas escuras.
Justiça continuamente adiada é o seu oposto, é denegação da Justiça. E é a isso que estamos a assistir nestes e tantos outros casos.
E isso é muito mau para a saúde da nossa sociedade, da nossa democracia tão peculiar.
Ou esta situação se altera ou não adianta falar, falar, falar sobre as grandes ideias. Porque qualquer um se apercebe, na prática, que os discursos não têm qualquer peso perante a realidade dos actos, tantas vezes dos próprios que fizeram os discursos
E isso pode ter pesados custos políticos.
Por aqui não se esperam alterações da ordem pública?
Pois não. Na Tunísia, no Egipto, na Líbia, no Yemen, no Bahrein, na Argélia e noutros países também não...
SAVANA – 25.03.2011