É PRECISO clarificar os princípios de organização e funcionamento dos Tribunais Comunitários, órgãos reconhecidos como tendo um importante papel na resolução de conflitos a nível das comunidades. Quem assim o defende é a bancada parlamentar da Frelimo, numa intervenção feita ontem pela deputada Conceita Xavier Sortane, por ocasião da informação anual do Procurador-Geral da República sobre o estado da justiça no país.
Esta posição da bancada parlamentar da Frelimo surge na sequência do desafio lançado pelo Procurador-Geral da República, Augusto Paulino, para os órgãos do Estado, muito em particular a Assembleia da República, no que se refere à necessidade que se impõe de revisão, actualização e aperfeiçoamento da legislação moçambicana em determinadas matérias, como, por exemplo, os crimes económicos e não só.
Na sua intervenção, Conceita Sortane afirmou que a Assembleia da República deveria acolher as preocupações apresentadas pelo Procurador-Geral e, num futuro próximo, trabalhar com os demais órgãos do Estado intervenientes, incluindo o próprio Ministério Público e o Governo, para se concretizar a revisão ou aperfeiçoamento da legislação ora pretendida.
Realçou o trabalho que tem sido desenvolvido pelo gabinete do Procurador-Geral da República, ao colaborar com o Gabinete da Mulher Parlamentar no sentido de apoiá-lo com pessoal técnico na divulgação das leis da Família, Violência Doméstica, Tráfico de Pessoas, entre outros instrumentos.
A deputada da bancada parlamentar da Frelimo afirmou que através da informação do Procurador-Geral da República constata-se que os órgãos de administração da justiça em Moçambique têm se empenhado afincadamente na contenção dos índices dos diversos tipos de criminalidade. Destacou os esforços do Estado visando aproximar cada vez mais os serviços de justiça ao cidadão, através do recrutamento, formação e colocação de procuradores e juízes nos níveis central, provincial e distrital.
Segundo afirmou, os esforços de recrutamento, formação e colocação de juízes e procuradores têm sido acompanhados com grandes investimentos na construção de infra-estruturas de raiz ou na reabilitação das já existentes desde o nível central, provincial até aos distritos.
Apesar destas melhorias, observou, ainda permanecem desafios, dentre os quais a necessidade de completar a cobertura dos serviços de justiça aos restantes distritos, assegurando a colocação dos respectivos juízes e procuradores; continuar a investir na construção de tribunais, procuradorias, residências, comandos da PRM e cadeias, para garantir que estas infra-estruturas estejam presentes em todos os distritos e dotar o sector da justiça, em especial nos distritos, com meios de trabalho adequados, principalmente meios de transporte, como forma de assegurar que todos os magistrados colocados nos distritos possam residir nas áreas de sua jurisdição e não nas capitais provinciais como actualmente acontece em certos casos.
Conceita Sortane afirmou que a justiça, tal como a educação, saúde, agricultura, é um sector-chave, condição importante para a estabilidade política, económica e social do país e um dos pilares fundamentais na garantia dos direitos humanos e na consolidação da democracia.
No domínio da criminalidade disse ser preocupação o registo de homicídios, roubos por vezes com recurso a armas de fogo e brancas, violações, raptos de crianças, ofensas corporais, corrupção, desvio de fundos do Estado, imigração ilegal, entre outros.
Sobre o aumento da população prisional destacou o trabalho que tem sido realizado pelo Ministério da Justiça no sentido de descongestionar as cadeias. Todavia, manifestou preocupação da Frelimo em relação à superlotação das cadeias e apelou aos órgãos competentes no sentido de agirem de forma célere e firme na implementação da estratégia definida para se resolver o problema.

Henrique Mandava
INFORME RICO EM CONTEÚDO
Solicitados pelo “Notícias” a fazer uma apreciação ao informe do Procurador-Geral da República, deputados da bancada parlamentar da Frelimo afirmaram que o mesmo foi positivo e rico no seu conteúdo, espelhando a situação real do país no que se refere ao sistema de administração da justiça.
O deputado Henrique Mandava deixou claro que do ponto de vista de evolução e aos aspectos de fundo que reflecte, o informe espelha o sentido do desenvolvimento da área da administração da justiça no país.
“O Procurador-Geral da República prestou uma informação esclarecedora sobre os aspectos que sustentam a defesa dos direitos dos moçambicanos, tais como a questão do acesso à justiça e a celeridade processual. Há, portanto, razão para bastante satisfação. Saudamos a Procuradoria-Geral da República, na pessoa do Procurador-Geral. Há razão para que os moçambicanos, efectivamente, dêem cada vez mais confiança para que esta instituição continue a trabalhar no sentido de melhorar cada vez mais o seu trabalho”, disse.
Acrescentou que mais do que uma análise, o importante é que os moçambicanos estejam informados sobre o que as instituições da administração da justiça estão a fazer, bem como os resultados da sua acção. Henrique Mandava afirmou, entretanto, que existem ainda muitos desafios a enfrentar no quadro da administração da justiça, acentuando, porém, que a par dos mesmos deve-se aceitar que há uma evolução enorme, quer na formação de quadros, provisão de infra-estruturas e, em geral, na organização do próprio sector.
“Eu penso que a questão da celeridade processual, acesso à justiça e a questão da justiça no momento em que deve ser feita é todo um exercício que cabe não só à Procuradoria mas também aos tribunais e, acima de tudo, àqueles que directamente ou indirectamente envolvidos neste sector”, defendeu.
Para o deputado Jaime Neto, o informe do Procurador-Geral da República espelhou o estado da justiça no país.
“Abordou vários aspectos, desde o nível central até os distritos. Falou das actividades que estão a ser desenvolvidas não só no âmbito das construções dos palácios de justiça, mas também a intervenção do sistema de justiça na protecção dos interesses dos cidadãos. O Procurador cumpriu o seu mandato perante os deputados, perante o povo moçambicano. A Renamo levantou questões que não estão discutidas neste informe do Procurador porque também não estão no seu tempo”, disse, acrescentando que o informe aborda questões como os roubos que se estão a verificar tanto no Estado assim como fora do Estado, linchamentos, tráfico de drogas, entre outros assuntos que têm sido preocupação do dia-a-dia da Assembleia da República.
Aquele parlamentar da bancada da Frelimo afirmou que no que se refere ao acesso do cidadão à justiça registam-se melhorias consideráveis, a julgar pelo aumento do número de procuradores e juízes nos distritos, o que significa que a preocupação do Estado é que ela esteja cada vez mais próxima do cidadão.
“É certo que ainda precisamos muito mais, porque, para além de termos, por exemplo, um juiz e um procurador num distrito, poderíamos ter um pouco mais. Mas conhecemos a conjuntura nacional, não é fácil de um momento ao outro termos juízes e procuradores em número elevado nos distritos. Também debatemo-nos com o problema de infra-estruturas, para além do aspecto logístico. É preciso criar todo o aparato necessário para que, de facto, o juiz ou o procurador estando no distrito possa trabalhar ou exercer a sua actividade com dignidade”, afiançou.
O deputado disse não ser verdade que o sistema de administração de justiça em Moçambique sofra interferências políticas por parte do partido no poder, porque os membros da Frelimo também são condenados quando cometem crimes. Citou, a título de exemplo, os casos do ex-ministro do Interior, Almeirinho Manhenje, e o ex-titular dos Transportes e Comunicações, António Munguambe, que, sendo membros do partido Frelimo, foram levados à barra da justiça.
“Eu nunca senti que alguém, tendo cometido crime, pelo facto de ser membro da Frelimo, nunca foi levado à barra da justiça”, sublinhou.

Saimone Macuiane
APONTA SITUAÇÕES CONHECIDAS
Entretanto, o deputado Saimone Macuiane, da bancada parlamentar da Renamo, afirmou que o informe do PGR não se difere de muitos outros já apresentados à Assembleia da República, que se limitaram apenas a apontar situações já conhecidas sem, no entanto, prever soluções.
“Nós estávamos à espera que o Procurador-Geral da República falasse não só do caso Luís Mondlane, como também deveria ter falado da questão que tem a ver com o caso MBS. Ou o Procurador quer respeitar a lei, ou quer respeitar aquilo que o partido que lhe designou para o cargo quer. Ele devia ter aprofundado algumas questões que achamos de interesse nacional”, disse.
O deputado da bancada parlamentar da Renamo apontou situações de superlotação das cadeias, prisões arbitrárias e sem obedecer a critérios legais, dualidade na aplicação de penas, entre outras que, segundo afirmou, mancham o sistema de administração da justiça no país e em relação às quais o Procurador-Geral da República, alegadamente, a elas não se terá referido.
“Temos aqui situações em que até por dívida um cidadão é levado à cadeia, mas que na lei não está previsto. Há aqui casos de pessoas que poderiam até agora a aguardar julgamento na cadeia, mas não. Temos o caso da G4S, em que trabalhadores foram espancados, maltratados, alguns até mortos, mas não houve nenhuma acção rápida contra os autores”, disse.