CRÓNICA Por: Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas
“Ninguém de boa moral pode condenar a fuga desses seres humanos, filhos do mesmo Deus”. Madeira Piçarra, director do diário do SUL.
Raramente abro o ‘spam’ do meu correio electrónico com receio de ler frivolidades em detrimento de coisas úteis e briosas, muito menos para aturar os piratas cibernéticos que, inculcados em corretores de bolsas de valores, lançam diariamente engenhosas armadilhas tecnológicas cujas “presas” a estatística é caudalosa em exemplo.
Porém, naquele dia, quarta-feira (20 de Abril corrente), talvez instigado pelo número de mensagens recebidas na caixa ‘spam’, decidi abrir uma excepção à regra. Entre os e-mails recebidos, cinco deles davam-me como vencedor de igual número de LOTARIAS ganhas que, aliás, em toda a minha vida não me lembro de alguma vez ter jogado um ou qualquer outro jogo de sorte, estava um correio amigo que me sugeria a leitura do texto de Madeira Piçarra, publicado na gazeta “diário do SUL”do dia 18/04.
Piçarra começa o texto por dizer o seguinte: “Não surpreende o êxodo dos povos do Norte de África em fuga para lugares pacíficos e onde tenham que comer. Já vem de há muitos anos esse êxodo que fica na História da Humanidade como páginas dolorosas de sofrimento e perda de milhares de vidas em naufrágios nos mares atlânticos e mediterrâneos.
Todas as advertências dos sociólogos e outros pensadores sobre o assunto não foram bastantes e os povos de África ficaram entregues ao atraso civilizacional durante longos anos. Daí que face à penúria e às guerras eles fugissem com os filhos, muitas vezes mortos pelo caminho, em busca dessa paz e do pão que os alimente”.
Ignorando aqui a utilização do termo “atraso civilizacional”, Piçarra diz algo que nenhum governo democrático ou aspirante à democracia bem como as organizações internacionais dos direitos humanos devem, em circunstância alguma, subestimar sob pena deste problema tornar-se das mais mortíferas epidemias mundiais que é a ausência de moral. Este apelo é extensivo às Nações
Unidas que têm colocado tampões nas vistas e nos ouvidos sempre que a questão dos “imigrantes indocumentados” vem à tona. Quanto muito, para não me acusarem de cegueira, quer os governos assim como as organizações internacionais dos direitos humanos, limitam-se a emitir declarações que ficam pintadas nas paredes da História.
O pronunciamento de Piçarra acontece numa altura em que a França e a Itália trocam acusações mútuas sobre o destino a dar a milhares de “imigrantes indocumentados” procedentes do Norte de África, que diariamente chegam às ilhas de Lampedusa e Pantelaria na Itália.
Como não podia deixar de ser, esta avalancha de gente depressa saturou os centros para imigrantes em Lampedusa e em Pantelaria, uma situação dramática que obrigou o Primeiro-ministro italiano, Sílvio Berlusconi, a assinar um decreto que autoriza a concessão de vistos temporários (com validade máxima de 1 ano) a 20 mil imigrantes instalados nesses centros. Uma medida que não agradou as autoridades francesas, já que, legalmente, com os vistos concedidos, esses imigrantes podem circular livremente no espaço Schengen.
O governo francês alega que os “imigrantes indocumentados” precedentes do Norte de África irão facilitar a disseminação desta população que tem em mente outros destinos e não a Itália (com relevo para a França) e, por conseguinte, o governo francês prometeu reencaminhar à fronteira italiana se tal acontecer. Tal como aconteceu de forma brutal e xenófoba a campanha contra a expulsão dos ciganos da França para a Roménia e a Bulgária. Depois de um período de bate-boca entre os dois países, ameaçando uma crise diplomática entre ambos, eis que Nicolas Sarkozy veio anunciar um acordo com a Itália, confirmando assim o carácter xenófobo e racista do seu governo. O acordo, segundo o jornal Económico português de 24 de Abril corrente, pressupõe uma revisão para adaptar “acordo de Schengen” aos tempos actuais. Em outras palavras, o que estes dois governos acabam de concordar é uma sentença xenófoba contra os “imigrantes indocumentados” precedentes do Norte de África onde, curiosamente, aviões da França e da Itália largam diariamente, mas JUSTAMENTE, bombas às tropas do tiranete Kadhafi.
O amigo leitor que me desculpe, mas não compete a mim interpretar o “acordo de Schengen”, tarefa que remeto (fugindo-me à moda Pilatos desta responsabilidade) aos mais entendidos na matéria como é o caso particular do professor Silvério Rocha-Cunha. O que me leva porém a escrever esta crónica são as seguintes questões: Se a França e a Itália são pelos direitos humanos, porquê é que estes dois países que tantas vezes engordam os noticiários com discursos de cidadania e o amor pela vida correm com os “imigrantes indocumentados” do Norte de África (egípcios, tunisinos e líbios), como se fosse vontade daquela gente suportar a cruz dos regimes ditatoriais que vigoram nos seus respectivos países? Porquê não atribuir um estatuto digno e um tratamento condigno àqueles imigrantes, filho do mesmo Deus, ao invés de tratá-los como mercadorias e cadastrados?
Outra questão que muito me preocupa é o silêncio sepulcral das Nações Unidas face a este caso. Se ela foi capaz de aprovar, repito, justamente, as medidas necessárias e indispensáveis para travar as investidas das forças de Kadhafi, diga-se, contra o seu próprio povo, então por que razão não se emitiu, também, em paralelo, uma outra resolução e com o mesmo ímpeto para proteger, por exemplo, os imigrantes líbios em território alheio? Não estará as Nações Unidas a tentar encher um tambor furado? O mesmo se diga da União Europeia e a NATO. É do meu conhecimento que o Parlamento Europeu aprovou um mecanismo de solidariedade que protege temporariamente (no máximo 1 ano) os refugiados que provêm de zonas de conflitos. Contudo, este mecanismo de protecção é-lhes recusado por dois países do Estado-membro da UE e, ainda assim, a União Europeia nada faz senão vomitar apelos rotineiros.
Não hesito, porém, em citar um dos mais influentes pensadores europeus e um dos mais respeitados pedagogistas da actualidade, o francês Edgar Morin, que, na sua obra “O Meu Caminho”, escreveu o seguinte “Este mesmo “dois pesos e duas medidas” faz com que recusemos o acesso à Europa aos africanos dos países que explorámos durante a colonização e que são sobre explorados pelas nossas instalações económicas.” A este propósito Piçarra remata “ninguém de boa moral pode condenar a fuga desses seres humanos, filhos do mesmo Deus. Os povos ricos não se compadecem e em força para que eles tivessem bem-estar nas suas terras de origem. Porque acima de tudo são seres humanos tal como nós. E essa é a questão primordial.” Alguém tem dúvida disto? ‘Kochikuro’ (Obrigado)
WAMPHULA FAX – 28.04.2011