Por João Vaz de Almada
As disparidades entre o discurso oficial e a prática nunca foram tão acentuadas como nos últimos tempos. Se por um lado o chefe de Estado, nas suas presidências abertas, fala constantemente ao povo na necessidade de se trabalhar arduamente para se sair do buraco que é a pobreza absoluta, na necessidade de se poupar, na necessidade de se cortar com os subsídios porque o país não pode criar dependentes sine die, já outras figuras deste mesmo Estado optam por uma conduta de ostentação que fere a dignidade do povo, principalmente se esse povo pertence a um dos países mais pobres do mundo, como é o nosso caso.
É certo que as desigualdades socioeconómicas chocam em qualquer parte do mundo. Mas ver um Porche, último modelo, cruzar as ruas de Tóquio, de Nova Iorque ou de Amesterdão, choca muito menos do que ver o mesmo automóvel em Maputo, Luanda ou Malabo. A nossa sensibilidade, por tudo o que nos rodeia, tem, inevitavelmente, de ser diferente. Porque no primeiro conjunto de cidades que referi ninguém vive com um dólar por dia como vivem milhões nas outras três. E este é o grande argumento para a não ostentação num país como Moçambique.
Conheço uma estrangeira que quando vai à padaria compra sempre o dobro dos pães de que necessita porque no caminho não consegue dizer não quando crianças e mulheres lhe imploram, apontando para o estômago, um pedaço de pão, porque desde que acordaram ainda não meteram nada na boca. “Durante muito tempo cheguei a casa com metade dos pães de que precisava. Depois comecei a comprar o dobro”, confessou-me ela com um sorriso misto de resignação e satisfação.
E o que sente este povo a quem os governantes pedem a toda a hora sacrifícios quando lê em grandes parangonas na imprensa que o antigo número dois do Estado, repito número dois do Estado, o agora deputado Eduardo Mulémbwè, recebeu da Assembleia da República, da casa do povo, do dinheiro do povo, um milhão e duzentos mil meticais para, imaginem, mobilar a sua casa pessoal? Tudo feito à revelia da lei porque não cabe à AR mobilar as casas pessoais dos presidentes cessantes.
No processo, ilícito diga-se, a verba foi aprovada por unanimidade na Comissão Permanente e pelo meio tivemos um Pilatos chamado Verónica Macamo, presidente daquele órgão de soberania e a segunda figura na hierarquia do Estado. Verónica que, pela elevada quantia em questão, preferiu passar a batata quente para a Comissão Permanente, de modo a evitar “envolver-se em problemas”, conforme revelou à imprensa.
Dada a unanimidade do voto, só posso inferir que a batata, para esses senhores da Comissão, estava bem fria. Mas qualquer dia poderá ficar mesmo em brasa e queimar muitas mãos quando o povo, aquele dos 2500 meticais ao qual foi dado esta semana umas migalhas com o aumento do salário mínimo, tomar consciência do nível de vida de uns e de outros. Nessa altura, sinceramente, não queria estar na pele dos que agora mandam.
@VERDADE – 28.04.2011
NOTA:
Para mim, Verónica Macamo só tinha uma atitude a tomar: não aceitar e mandar para o cesto dos papéis o pedido, por falta de cobertura legal. Para ”evitar problemas”, afirmou. Tornou-se assim tão culpada quanto os outros.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE