Fiquei profundamente chocado com o caso da Millicent Gaika, que se deu no ano passado em Cape Town, na África do Sul. Ela foi atada, estrangulada, torturada e estuprada durante 5 horas por um homem para “cura-la” do lesbianismo.
A prática do estupro correctivo espalha-se no país vizinho, e no continente africano. O pior para mim é a ausência de uma vontade política para acabar com estes actos desumanos.
A África do Sul é reverenciada globalmente pelos seus esforços pós-apartheid contra a discriminação. Foi o primeiro país africano a proteger constitucionalmente os cidadãos da discriminação baseada na sexualidade e legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2006.
Mas este acto macabro não é classificado como crime de discriminação. Em Janeiro, o Ministro Jeff T. Radebe insistiu que o motivo de crime é irrelevante em casos de “estupro correctivo”.
O estupro correctivo é baseado na noção absurda de que as lésbicas podem se tornarem heterossexuais após a violação, que assim vão aprender a ser mulheres e gostar de homem.
As vítimas geralmente são negras, pobres e marginalizadas, embora podem ser famosas, como no caso do estupro grupal e assassinato da Eudy Simelane, 31, estrela da selecção feminina de futebol da África do Sul, esfaqueada em 2008. (O assassino foi condenado a cadeia perpetua em 2009).
Entre 1998-2008, registaram-se 31 assassinatos homofóbicos de lésbicas na África do Sul. “As lésbicas são percebidas como uma ameaça para uma sociedade dominada por homens”, disse um relatório da Action Aid de 2009 sobre o estupro correctivo.
Uma das medidas para acabar com estes actos passa pela condenação pública do estupro correctivo pelo governo e a criminalização dos crimes de homofobia.
Em Moçambique, não se fala sobre a matéria, talvez não exista. Mas também é difícil saber, porque a sociedade é muito fechada para falar de sexualidade e violência de género.
As lésbicas são discriminadas e não existe nenhuma lei que as protege. Caso acontecesse um estupro correctivo, a situação ficaria provavelmente oculta. Nem existem em Moçambique dados para ter a dimensão real da violação sexual de mulheres, sejam lésbicas ou heterossexuais. As estruturas da saúde, justiça e acção social não possuem um sistema de estatísticas que funcione de forma articulada.
Esta atitude tem a ver com o nível de aceitação e legitimação de normas sociais que colocam a mulher numa posição inferior a do homem, e com a limitada consciência dos direitos humanos, associada à pobreza extrema, baixa educação e o facto da cultura ser vista como imutável.
Resistência masculina
Sempre que procuro falar sobre estes assuntos com a família e amigos, em festas, e falecimentos, sinto a resistência de muitos homens. Justificam dizendo que as mulheres provocam os homens e eles não resistem. Por exemplo: a mulher quando veste roupas sensuais ou saia curta e sai para rua, ela está a pedir para ser violada. Eu acho absurdo esse pensamento. Estamos legitimando os actos violentos perpetrados por alguns homens.
Quem somos nós para julgarmos os vestes das mulheres? O problema está nas vestes ou em nós que não conseguimos dar o devido respeito à mulher? É necessário um trabalho de reflexão colectiva sobre os padrões sociais de masculinidades com uma finalidade transformativa. Temos poder como homens - resultado da construção social dos papeis de homens e mulheres.
Devemos usar este poder para cultivar o respeito pelos direitos humanos, não para corrigir a sexualidade das lésbicas. Tenho vergonha de viver numa sociedade onde acontecem casos como Millicent. Não sei qual é o sentimento de um estuprador. Provavelmente não tenha nenhum, ou é apenas um covarde. Não podemos permitir que estes homens passeiem a sua classe sob olhar indiferente. O lugar destes é na cadeia.
Vamos solidarizar-nos com as vítimas de violência sexual, vamos apoia-las, vamos denunciar casos: o nosso silêncio pode culminar com fatalidades.
SAVANA - 27.04.2011