por Wenke Adam
Muitas das praticas da sociedade rural moçambicana foram sistematicamente condenadas no discurso politico do pós-independência e muitas vezes menosprezadas no âmbito da investigação académica. O lobolo e a poligamia foram dois alvos especialmente atacados durante muitos anos como manifestações retrógradas ou obscurantistas que atentavam contra a emancipação da mulher, sem se atender às razões profundas do papel que jogam na lógica socioeconómica dos camponeses.
Dois estudos recentes ilustram a complexidade do fenómeno: Os resultados do Inquérito Agrícola realizado em 30 distritos pelo Ministério da Agricultura em 1993/94, foram comparados com os da Missão de Inquérito Agrícola dos anos sessenta, para determinar a evolução do tamanho das machambas em relação ao número do agregado familiar e o grau de mecanização. (Analise preliminar dos dados do Inquérito Agrícola 93/94, realizada por Chris Hill da Direcção de Economia do Ministério de Agricultura e Pescas, 1995). Chegou-se à conclusão que o tipo de exploração agrícola mais rentável em termos de produção/inputs continua a ser aquela onde trabalha um homem e varias mulheres adultas, usando instrumentos manuais e empregando mão-de-obra ocasional. Isto indicaria que a mulher camponesa de facto pode ter vantagens em participar num casamento polígamo.
No Estudo Participativo sobre a Pobreza em Moçambique, realizado recentemente nas 10 províncias do pais pelo Centro de Estudos da População, UEM, dirigido por Yussuf Adam, os dados recolhidos mostram que:
1. O numero de mulheres com quem um homem esta casado definem o seu estatuto como rico ou pobre. Uma casa onde existem um homem e seis mulheres mas nenhuma delas eh sua esposa, eh uma casa pobre. [Inversamente, considera-se rica uma mulher casada com homem rico].
2. Um homem ou uma mulher só, por viuvez, divorcio ou por não se terem casado, são considerados pobres. O conceito de pobreza não e unicamente aplicado a um individuo mas sim a uma família. Uma pessoa só eh sempre pobre, mesmo que tenha outros indicadores de riqueza material (meios de produção, animais, terra, dinheiro, tractor, carro). Se não é casado não é rico. Um individuo cuja linhagem foi toda morta numa guerra e considerado pobre.
3. Homens e mulheres têm um conceito de pobreza/riqueza diferente: os homens consideram como índices o número de mulheres, a forca física, os meios de produção, o tipo de bens, a quantidade de dinheiro. As mulheres tendem a avaliar a pobreza/riqueza considerando os bens, o dinheiro e o número de empregados.
4. As prioridades de desenvolvimento vistas pelos homens ou pelas mulheres são diferentes variando também de distrito para distrito e de aldeia para aldeia. As mulheres tendem a valorizar a segurança alimentar, a roupa e a saúde. Os homens os meios de produção, o comercio e o transporte. [fim da citação]
Se consideramos que o lobolo eh o acto simbólico que formaliza o casamento, e que através desse casamento quer a mulher quer o homem tem acesso e garantia de uma extensa rede de segurança social, não é de estranhar que essa pratica seja defendida com forca pelas mulheres camponesas apesar de constituir, também, um sistema opressivo em muitos sentidos.
Temos que reconhecer que ainda não surgiu uma alternativa viável ao lobolo: na chamada sociedade moderna - quando funciona a segurança social eh fornecida por uma rede de instituições estatais e privadas de acesso universal: a caixa de previdência, o subsidio de desemprego, o seguro de vida, a creche, o lar de anciãos... Os subsídios de Maastricht compensam os camponeses europeus contra os efeitos das cheias, das secas e do sacrifico das vacas loucas. Mas ai de quem nesses países não possui um numero de registo pessoal e os impostos em dia! Ai de quem não cumpra rigorosamente os rituais exigidos no preenchimento dos impressos!
No Moçambique rural, a rede das famílias interligadas pelo casamento cumpre, bem ou mal, todas essas funções sociais básicas. O sistema irá mudar na medida em que mudem as condições de vida e se abram novas perspectivas consideradas mais desejáveis. Ou como disse a Miss Moçambique: "o que contribuiu para mudar... foi o próprio ritmo da vida em si".
Notícias de Moçambique – 07.04.1996