MARCO DO CORREIO
Por Machado da Graça
Olá amigo Filipe
Como vai a tua saúde e a da tua família? Do meu lado tudo bem, felizmente.
Queria hoje falar-te de alguns aspectos ligados à questão da violência, tema de que se está a falar agora bastante. Constantemente estamos a ser bombardeados com declarações das mais variadas entidades a defenderem a paz e a ausência da violência na resolução de todo o tipo de conflitos.
Os dirigentes do governo e da FRELIMO, a começar ao mais alto nível, em todos os seus discursos gabam as vantagens da não violência na resolução de todos os conflitos.
E isto é completamente normal. Em todos os tempos e em todos os lugares é quem está no poder que defende a paz e o sossego. A sua paz e o seu sossego.
Porque, não podemos esquecer, os mesmos dirigentes da FRELIMO, antes da independência, quando o governo colonial-fascista português se recusou a negociar, recorreram, é claro, à violência, à Luta Armada de Libertação Nacional.
E, nessa altura, quem defendia a paz era o Governo de Lisboa, enquanto classificava a FRELIMO de "terroristas".
Dizia Bertolt Brecht que todos condenam a violência do rio, que tudo arrasta, mas ninguém condena a violência das margens, que o oprimem.
Tudo isto para te dizer que esta coisa da paz e da não violência é mais complexa do que parece nestas declarações a que estamos agora a assistir.
Sendo eu uma pessoa totalmente pacífica, não consigo ser, no entanto, um pacifista.
Se uma pessoa oprime outra, a insulta, a humilha, a explora sem piedade e esta se revolta e dá uma sova à primeira, eu não a posso condenar em nome da paz e da não violência.
O papa João … disse, um dia, que desenvolvimento é o novo nome da paz. O que, traduzido por outras palavras, quer dizer que, se as pessoas não assistirem ao desenvolvimento, à melhoria das suas vidas, dificilmente ficarão em paz, E isto, principalmente, se assistirem, a seu lado, ao enriquecimento constante e obsceno daqueles mesmos que tanto apelam à paz e não violência. E se assistirem, por outro lado, ao uso e abuso da violência por parte de quem está no poder.
Em Setembro do ano passado a Força de Intervenção Rápida matou, a tiro, um número elevado de manifestantes desarmados, num estendal de violência criminosa.
Mas não ouvimos estes apelos de agora.
Há pouco tempo a mesma FIR actuou novamente, com violência criminosa, sobre os trabalhadores de uma empresa de segurança.
E também não ouvimos esses apelos, pelo contrário, tudo dá a ideia de que se está a tentar varrer toda a história para baixo do tapete à espera que nos esqueçamos do assunto.
Na própria Assembleia da República a bancada da FRELIMO impossibilitou que os deputados exigissem contas ao Governo sobre este assunto. Entre outros argumentos porque, disse o deputado Carlos Cilia, a FRELIMO respeita a separação dos poderes e acha que este assunto pertence ao poder Judicial.
Mas será que a acção da FIR não é um acto do Executivo? Não é a FIR um braço do Estado, comandado pelo Governo do dia? E não é função da Assembleia da República fiscalizar os actos do Governo?
Por que será, então, que se faz toda esta ofensiva contra uma violência que ainda se não desencadeou, e se procura esconder aquela de que já temos exemplos concretos?
Na minha opinião, se queremos manter esta paz e não violência, e eu quero isso tanto como qualquer outro, o caminho é a mudança de politicas no país. É diminuir o fosso entre os muito ricos e os muito pobres, é alterar profundamente a distribuição das riquezas que o país produz.
A fome e a miséria têm, normalmente, o efeito de tomar as pessoas surdas aos apelos pacifistas.
E a situação actual do país, sem uma oposição forte, credível e responsável, torna praticamente impossíveis manifestações pacíficas, como as que se fazem em muitos países.
No norte de África e Médio Oriente, muitos dirigentes, vendo as barbas dos vizinhos a arder, começaram a meter as suas dentro de água, através de reformas aos respectivos sistemas políticos.
Entre nós não estou a ver nenhum esforço nesse sentido.
Vamos ver o que acontece...
Um abraço para ti do
Machado da Graça
CORREIO DA MANHÃ - 22.04.2011