DIALOGANDO
Por João CRAVEIRINHA
Ainda a questão do Zimbabué (e outros temas): MBEKI, CHISSANO, TUTU versus
BOIGNY, MACHEL, JOSÉ CRAVEIRINHA
(Por ser actual em 2011, eis de volta a crónica, mas no Autarca)
A actual questão do Zimbabué (que se arrasta) e as posições políticas dos presidentes Thabo Mbeki da África do Sul e a do então, Joaquim Chissano de Moçambique (padrinho de Robert Mugabe) contemporizando pela aproximação ao regime zimbabueano e não pelo isolamento, provocou nos finais de 2003 (15 Dezembro),uma forte reacção do bispo Desmond Mpilo Tutu, prémio Nobel da Paz (1984). Tutu criticaria duramente essas posições.
Esta situação de isolamento a um regime político remete-nos mais uma vez para a História, para o passado, em busca de respostas.
Nos anos 1960/70, Félix Houphout Boigny Presidente da Costa do Marfim preconizava como estratégia uma aproximação ao regime do apartheid da África do Sul condenado internacionalmente. Talvez pelo facto de somente os países africanos, e pouco mais, terem relações diplomáticas cortadas com a RSA (bóer). No entanto, as relações comerciais continuavam com o regime minoritário sul
-africano (pela cor da pele). Falando em regime minoritário será que não haverá regimes políticos minoritários no mundo e em particular em África, dentro da mesma cor da pele?
Zimbabué poderá ser um desses países!
Mas voltando à História. Nesse período, a posição do veterano francófono, Boigny, levantaria uma onda de “outcry” – protestos nos meios mais nacionalistas de então considerando, pelo contrário, que deveriam ser reforçados os apoios aos freedom fighters dos movimentos de libertação para derrubarem os regimes dos “apartheides” da Rodésia e África do Sul. “No caminho” estavam incluídas as colónias portuguesas africanas.
Apesar de “moderado” também era essa a posição, em 1967, do Professor Eduardo Mondlane, presidente do Movimento Frelimo. Recém-chegado a Zâmbia – “Lussaca”, o jovem idealista e artista plástico João Craveirinha (Junho 1967) entrega ao presidente Mondlane a mensagem – sugestão do tio – poeta José Craveirinha (1922-2003) então chefe da célula clandestina de LM (cidade Lço Marques) da 4ª região político-militar da Frelimo –, detido pela polícia política portuguesa – Pide, em 1967). Era uma mensagem sobre um eventual contacto da Frelimo com o regime sul-africano do apartheid para um tácito acordo de não ingerência bóer em apoio a Portugal. Entre outros argumentos seria invocado o passado histórico de resistência “africaner– bóer” contra o colonialismo inglês séculos XIX/XX.
Nesse ano (Agosto 1967), a mesma sugestão seria também encaminhada pessoalmente ao vice-presidente da Frelimo, Uria Timóteo Simango, em Mbeya (sul Tanzânia).
Posteriormente transmitida ao chefe de Defesa (DD), Samora Machel em “Nachingueia”, sede do campo de treino da guerrilha anti-colonial da mesma Frente de Libertação.
As reacções seriam as mais possíveis de rejeição…”nem por mera hipótese, nunca” (Samora Machel, Setembro 1967) e em extremo aventando a possibilidade do poeta e jornalista José Craveirinha …” devido à prisão e à pressão psicológica se encontrar enfraquecido na sua firmeza de combatente revolucionário” (idem)….
No actual caso do Zimbabué/ Mugabe (2003), “saltamos” para trás da História de Mbeki, Chissano, Tutu de 2003 para 1960/70 com Boigny, Machel e José Craveirinha. No caso da mensagem de José Craveirinha à direcção da Frelimo em Setembro de 1967, “damos um pulo pra frente”; de 1967 para 1984 – Acordo de Incomáti, na fronteira, em que o presidente de Moçambique e da Frelimo, Samora Moisés Machel e o presidente da África do Sul do apartheid, Pieter W. Botha assinam um Acordo tácito de não-agressão e de cooperação comercial, na imigração, segurança, etc…visando isolar a Renamo e o ANC, respectivamente.
Um “acordo anti-natura” entre a Repúlica Popular de Moçambique revolucionária e leninizante e a República bóer da África do Sul de características neo-nazis. Os “comrades” sul-africanos do African National Congress – ANC, seriam positivamente “entalados” no meio do Acordo mais do que a Renamo.
É ao analisar-se com muita calma os factos através da história recente de Moçambique e de África que nos admiramos da antevisão do poeta – filósofo José Craveirinha merecendo o nosso maior respeito, não por ser tio, mas pela análise distanciada se verificar o quanto avançado se encontrava (o poeta José) no seu tempo e em todos os tempos e campos que viveu e trilhou. O texto de hoje rebuscado da memória, grosso modo, é uma pequena homenagem à sua capacidade intelectual de vaticinador e de premonição exacta ao que viria acontecer em Moçambique – de bom e de mau!
Sei que muitos não gostam do poeta José Craveirinha. Muitos que até lhe devem favores de promoção nos meios literários ao contrário do meu percurso a solo.
Mas que importa, no fundo ainda haverá os incrédulos que se questionam para que serve a História, se já passou. Para quê estudá-la nas Universidades?
Ah…diabólica ignorância.
A História deveria servir, sobretudo, para os políticos no poder e na oposição aprenderem a não repetirem os mesmos erros do passado…invariavelmente com o mesmo desfecho, e o ZIMBABUÉ com ROBERT MUGABE NÃO SERÁ EXCEPÇÃO! Têm dúvidas? Perguntem ao pensador Francis Fukuyama sobre o FIM DA HISTÓRIA! (Retirado da colecção do autor. Primeira edição em Jornal Vertical, Maputo, 16 janeiro 2004).
O AUTARCA – 17.06.2011