A talhe de foice
Por Machado da Graça
O Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) tem vindo a prestar um verdadeiro serviço público ao divulgar, através das suas publicações, estudos que são feitos sobre o nosso país e que, de outra forma, ficariam sepultados nas gavetas das instituições académicas.
Publicou agora um novo volume da série Desafios Para Moçambique, referente a 2011.
E, de entre os muitos trabalhos de grande qualidade, incluídos no livro, queria falar aqui, hoje, do texto Transformações Sem Mudanças, de Salvador Cadete Forquilha e Aslak Orre. Ou, mais exactamente, do conceito de “partido dominante”, que abordam, porque o artigo vai muito mais longe.
Muitas vezes muitos de nós sentimos que, em Moçambique, o partido Frelimo se apropriou completamente do Estado, mas não o sabemos explicar com clareza de forma a que o conceito seja bem entendido. Pois os dois autores conseguem fazê-lo por si próprios e pelas citações que fazem de outros estudiosos.
Citam, por exemplo, H. Ronning quando diz: “o sistema de partido dominante significa um sistema em que, apesar de haver eleições mais ou menos competitivas, o partido no poder domina e os partidos da oposição tendem a enfraquecer de eleições em eleições e o partido no poder frequentemente comporta-se com um certo grau de auto-suficiência e arrogância, o que contribui para a apatia dos eleitores e a abstenção” e acrescentam: “além disso, o partido no poder tem uma grande influência sobre a comissão eleitoral, o que limita o campo de jogo eleitoral e favorece fraudes eleitorais”.
Mais adiante, os autores afirmam: “O sistema de partido dominante não só sufoca a competição eleitoral como também enfraquece os poderes legislativo e judiciário, como resultado, por um lado, de um forte presidencialismo e, por outro lado, de um controlo do parlamento e dos tribunais através da maioria parlamentar e da nomeação dos juízes. Por conseguinte, o sistema do partido dominante tende a acentuar a intolerância e a exclusão políticas e a manter o funcionamento das instituições refém da agenda política do partido no poder”. E a isso eu acrescento que o facto de o Chefe de Estado ser, quase sempre nesses casos, o comandante em chefe de todas as forças de defesa e segurança reforça esses poderes de forma muito significativa.
Já num artigo anterior mostrei aqui como é que, no caso moçambicano, o Presidente da República, na sua dupla função de Chefe de Estado e de presidente do partido Frelimo (que domina o Parlamento), controla praticamente tudo no país.
Os autores do estudo citam, também, Pérouse de Montclos que diz, sobre este tipo de sistema, que ele é caracterizado pela “concentração e ausência de separação de poderes, corrupção endémica, clientelismo exacerbado, vazio de programas políticos, anemia dos aparelhos administrativos, fraudes eleitorais repetidas, fraca legitimidade das instituições...”
Forquilha e Orre prosseguem mostrando como este tipo de coisas actuam por cá na constituição e funcionamento dos Conselhos Locais, mas eu não vou continuar a segui-los, esperando que este aperitivo aguce a sua curiosidade para a leitura deste e dos outros valiosos textos do Desafios Para Moçambique 2011.
Eu estou a aprender bastante com ele. Aproveite você também.
Savana – 17.06.2011