Milhares de metros cúbicos de madeira são anualmente extraídos e exportados ilegalmente do país, fazendo com que o Estado perca elevadas somas de dinheiro referentes às taxas de exploração e de venda daquele recurso florestal.
A situação, que resulta de graves fragilidades de fiscalização por parte das autoridades da Agricultura, Polícia, Alfândegas, entre outros sectores do Estado, se reflecte de forma dramática nas origens da madeira. Contra todas as expectativas, falta quase tudo nas comunidades donde aquele recurso sai e inunda os bolsos dos operadores de rios de dinheiro.
Um dos exemplos deste cenário é o povoado de Mataia, no distrito de Mocuba, na Zambézia. Apontado como palco das maiores extracções furtivas de madeira diversa nos últimos tempos, os 273 alunos da escola primária local nunca se sentaram numa carteira ou banquinho. Aliás, nunca viram aquilo na unidade de ensino. O uniforme escolar não faz parte do vocabulário daquelas crianças. A construção de um centro de saúde está ainda em negociações e ao que soubemos, caso se efective, será com ajuda da Visão Mundial, uma organização-não governamental que nada tem a ver com a exploração madeireira.
A Reportagem do “Notícias”, que há dias andou por aquelas bandas, se deparou com sinais de extrema pobreza, contrastando com os rendimentos certamente obtidos pelos madeireiros furtivos que devastaram as florestas de Mataia.
As crianças aprendem sentadas em paus ou até mesmo no chão de terra vermelha, numa cabana de três divisões minúsculas cobertas de capim e que bastará uma ventania para ruir tudo.
Designada Escola Primária de Dagaragane, aquela unidade de ensino, na qual as crianças aprendem expostas à imundície e ao frio, merecia melhores condições infraestruturais, considerando que se localiza num paraíso madeireiro.
Constantino Agostinho, director pedagógico adjunto da EP de Dagaragane, disse que o processo de ensino e aprendizagem decorre com sérias dificuldades face às condições actuais da escola, havendo casos em que as crianças não conseguem escrever devido à combinação entre a forma de sentar e o frio.
O docente responsabilizou as lideranças locais de nada fazerem para travar o cenário, pois em suas palavras, eles é que permitem a entrada dos madeireiros furtivos, que não deixam nenhum benefício para a zona.
CRIANÇAS MADEIREIRAS
O NEGÓCIO do abate e venda clandestina de madeira na Zambézia, particularmente em Mataia, mostra-se aliciante na medida em que até crianças abandonam as aulas para se dedicarem àquela actividade.
De acordo com Constantino Agostinho, alguns dos alunos trocam as precárias salas de aula pelas matas do povoado, onde com os mais velhos abatem árvores, cujos toros são vendidos a intermediários por uma quantia simbólica de 100 meticais a unidade.
Até ao início do segundo trimestre, pelo menos 15 alunos na sua maioria com idades entre os 14 e 15 anos já haviam desaparecido da escola de Dagaragane e o director pedagógico adjunto aventa a hipótese de alguns estarem nas matas a derrubar árvores.
Algumas pessoas envolvidas no processo, tais como Alves Ricardo e Horácio Franque, operadores de moto-serra encontrados nas matas de Mataia, garantiram que dependendo da pressão do contratante podem derrubar cerca de 30 arvores por dia, que posteriormente é transportada de noite em lotes de 40 ou 60 toros para fora daquele povoado.
Maria Isabel Sebastião, chefe da localidade de Munhiba, onde se insere o povoado de Mataia, disse que a conivência dos nativos, incluindo líderes locais, na devastação florestal deve-se à falta de conhecimento, havendo já palestras a serem proferidas para que as pessoas tomem consciência dos seus actos.
Contudo, acrescentou que residentes daquela zona, principalmente jovens, justificam o seu fácil aliciamento por compradores da madeira com o desemprego que se regista na zona.
Até árvores ainda pequenas se abatem (C. Bernardo)
FUGA DAS AUTORIDADES
MARIA Isabel Sebastião foi a única representante do Estado que aceitou falar sobre a devastação florestal, provavelmente por ver a cada dia os seus efeitos nefastos.
O chefe das Actividades Económicas de Mocuba, Esmael Oria, evitou a Imprensa, mas no seu contacto anterior com uma equipa de pesquisadores do Instituto Panos, mostrou-se a par do abate e comercialização furtiva de madeira. Justificou a inactividade do seu sector com a falta de meios circulantes para a movimentação de fiscais.
A indisponibilidade das autoridades em abordar a problemática verificou-se igualmente na cidade de Quelimane. O chefe dos Serviços Provinciais de Florestas e Fauna Bravia, quando contacto na quinta-feira 23 de Junho, mostrou-se interessado em abordar a questão no dia seguinte.
Já com o grupo de jornalistas no seu gabinete, aquele quadro disse que precisava da anuência do director provincial da Agricultura, Ilídio Bande, que saíra horas antes numa comitiva do governador da Zambézia, Itae Meque, para zonas sem rede de telefonia móvel.
Entretanto, Dinis Lissave, director nacional de Terras e Florestas, reconheceu publicamente há dias que o Estado está actualmente fragilizado para desmantelar os esquemas cada vez mais sofisticados de madeireiros ilegais.
Ao que prometeu em entrevista ao semanário Domingo, o cenário poderá melhorar após o Fórum de Florestas e Fauna Bravia, órgão do qual fazem parte todos operadores do sector, marcado para 7 de Julho próximo na cidade de Quelimane.
- José Chissano