No passado dia 17 de Julho, na primeira volta das eleições presidenciais, era esta a pergunta que ecoava na boca da esmagadora maioria dos eleitores são-tomenses. Nos luchans, nas roças, nas ruas das cidades e vilas de STP e, pasme-se, nos círculos eleitorais da diáspora. Os eleitores elevavam assim à parede do escândalo, um fenómeno que carinhosamente convencionamos apelidar de “banho”. O “banho” que lava de forma efémera a miséria do povo e ainda define os resultados eleitorais em STP. O “banho” que corrompe os nossos princípios éticos e que transformou a nossa democracia numa grande mentira. O “banho” que outrora se caracterizava pela COMPRA de consciência dos eleitores e que hoje evoluiu para a VENDA desalmada da dignidade de um povo.
Nas eleições legislativas de 2010, foi perceptível a vitória do voto de protesto sobre o “banho”, porque o povo, cansado do constante adiar da realização dos seus anseios, decidiu em larga maioria, conceder uma oportunidade ao único grande partido da nossa praça que ainda não havia chefiado um governo (embora seja ponto assente que esse mesmo partido também se tenha esmerado na boca de urna). Os analistas de ocasião precipitaram-se a declarar a morte do “banho” como factor preponderante no resultado de umas eleições e vaticinaram o regresso à normalidade democrática em poucos anos, porque aparentemente, seria insustentável os partidos políticos manterem aquele nível exorbitante de gastos, sem garantias de vitoria. A verdade é que nem um ano se passou para que pudéssemos constatar que afinal, as eleições de 2010 foram a excepção que confirma a regra e que o “banho” contínua de boa saúde e recomenda-se.
O povo são-tomense percebeu que na época das eleições, por alguns dias, ele passa a ser o centro das atenções e os políticos estão dispostos a tudo fazer para angariar o maior número de votos possíveis, por isso, fazem de tudo para tirar o máximo proveito dessa situação de vantagem temporária, já que é a única altura que estão em condições de reclamar uma parte do bolo financeiro que é disponibilizado pelos parceiros internacionais e amenizar por breves momentos, a situação de miséria a que foram votados por esses mesmos políticos. Hoje em dia, nas campanhas eleitorais em STP, quase ninguém está preocupado com os projectos e programas dos partidos, apenas uma minoria liga ao perfil ou ao passado dos candidatos e à quase nenhum eleitor, faz diferença que não haja debates sobre as ideias e as propostas que os candidatos e partidos apresentam ou mesmo que não apresentem nenhumas, porque simplesmente deixaram de acreditar que o país tenha solução e é-lhes indiferente as implicações que os seus votos terão no nosso futuro colectivo, assim, o ginbolo (dinheiro) tornou-se definitivamente a medida de todas as coisas e o critério supremo para definição do sentido do voto, ou melhor, para a definição da própria vontade de votar ou não.
Hoje em dia, as eleições em STP transformaram-se num gigantesco banquete financeiro em que cada um, dirigentes partidários, candidatos e eleitores vendem a alma ao diabo para conseguir garantir o seu quinhão. O eleitor são-tomense profissionalizou-se e transformou-se num verdadeiro perito na arte de extorsão, utilizando artimanhas requintadas para conseguir arrancar o máximo de dinheiro do maior número de candidatos ou partidos, porque se aperceberam que assim que acaba as eleições, as hipóteses de sequer, contactar com os eleitos, desaparece de imediato. Agora, chegamos ao cúmulo de ver pessoas a recusarem exercer o seu dever cívico se ninguém lhes “molhar a mão”, porque encaram esse pressuposto como uma obrigação de todos aqueles que precisam (desesperadamente) do seu voto. Agora, nas campanhas eleitorais em STP, cobra-se para tudo e mais alguma coisa e o eleitor transformou-se em figurante de luxo que exige ser pago a peso de ouro para participar nessa festa popular.
Hoje em dia, ninguém ousa convocar os eleitores para uma reunião de esclarecimento nas zonas de residência ou mesmo atender a um pedido para um reunião, sem “fazer um gesto” no final para agradecer aos presentes (cujo número chega a duplicar nos últimos minutos da reunião) a paciência que tiveram para ouvir as suas propostas. A não concretização “desse gesto”, pode significar a renuncia imediata da mensagem e do candidato, na melhor das hipóteses, ou, insultos e até agressões físicas, na pior das hipóteses.
Ninguém se atreve a fazer uma passeata sem garantir combustível, lanche e “subsídio de participação” a toda gente, inclusive aos motoqueiros e os populares que se juntam à festa, no meio do caminho, sem sequer serem ”convidados” e que depois vão aparecendo na sede de candidatura nos dias seguintes a reclamar o seu pagamento, com ameaças de distúrbios e, nessas alturas, pelos sítios onde passam, só se ouve dizer: “gente quer dinheiro só, gente quer dinheiro só” ou “se não trás dinheiro, nem vale a pena entrar aqui”.
Ninguém arrisca fazer um comício ou qualquer outro tipo de grande evento público, sem antes garantir um subsídio aos participantes e transporte aos que residem nos locais mais distantes, mesmo que se tenha como cabeça de cartaz, cantores de renome, nacionais e estrangeiros, para animar a festa, sob pena da mesma ficar condenada ao fracasso.
Nenhum activista ou dirigente ousa fazer acções de campanha porta a porta, sem ter o ginbolo para deixar aos residentes em forma de lembrança por ter lhes incomodado em suas casas com o “falar von von” de campanha. E em muitos casos, chega-se ao cúmulo de se renunciar brindes de campanha, se esses não se fizerem acompanhar de umas notas de dobra.
Mensagem?! Projectos?! Ideias?! Debates saudáveis?! O povo quer é dinheiro e o resto é tanga. Mas mesmo assim, cumprindo todos esses requisitos, no dia de votação, as pessoas recusam-se a exercer o seu direito cívico se não receberem o chamado “banho” de boca de urna, o derradeiro estímulo para votarem, ou a derradeira hipótese que têm para safar mais uns tostões aos desesperados políticos de ocasião. “Eu vou votar de graça?”, perguntam aos incrédulos "benfeitores", que se vêm forçados a soltar mais umas notas, sob pena de serem castigados na urna por tamanha falta de consideração ou ultrapassados pelos adversários mais abonados.
“Eu vou votar de graça?” É esse o grito de revolta de um povo que foi mal habituado e que agora se revela insaciável no banquete das eleições em STP; é esse o derradeiro acto dos figurantes da vergonhosa peça de teatro em que se transformou os nossos processos eleitorais; “Eu vou votar de graça?” é pois, a expressão máxima da crise de valores e de princípios que hoje graça indiscriminadamente na sociedade são-tomense, de alto a baixo, é a cereja no topo do bolo da indiferença e da descrença com que os são-tomenses olham hoje para o seu futuro colectivo. É, para os pessimistas, a pergunta que simboliza a morte anunciada do estado de direito democrático que sonhamos um dia construir no nosso São Tomé e Príncipe.
Está provado que o dinheiro é a condição necessária para as pessoas saírem de casa para votar. No próximo domingo teremos uma ideia do impacto que esse dinheiro (ainda) tem na definição dos resultados eleitorais em STP. Quem viver, verá.
Wuando Castro