O MEMBRO da Comissão Política do partido Frelimo e combatente da luta de libertação nacional Raimundo Pachinuapa apelou, quinta-feira, à juventude para que reflicta sobre a sua missão na sociedade, inspirando-se nos ideais de Samora Machel.
Orador da palestra subordinada ao tema “Samora Machel e o percurso até a assinatura dos Acordos de Lusaka”, promovida pela Organização da Juventude Moçambicana (OJM) a nível do Distrito Municipal KaMpfumu no âmbito da comemoração do ano dedicado ao falecido Presidente, Raimundo Pachinuapa disse que os jovens devem permanentemente conhecer o pensamento e a obra de Samora Machel para entenderem a sua tarefa.
“Samora falou para os jovens, definiu claramente a missão dos jovens e de cada moçambicano”, afirmou, acrescentando que o falecido Chefe do Estado tinha a pátria no seu coração, amava o seu povo e resgatou a identidade dos moçambicanos.
Raimundo Pachinuapa disse ser importante falar-se da vida e obra de Samora Machel e de outros heróis nacionais para sabermos de onde viemos e para onde vamos. Afirmou que Moçambique não era pátria durante a dominação colonial, mas sim uma província ultramarina portuguesa.
“Durante 500 anos, quem geria as nossas vidas era o sistema colonial português. A Europa invadiu África e coube a Portugal dominar Moçambique”, disse. O fim da II Guerra Mundial teve repercussões importantes para a descolonização. Com efeito, as Nações Unidas declararam que todos os países colonizados deviam ser livres, passando os seus povos a definir os seus próprios destinos.
Foi nesse quadro que o Ghana, cuja resistência colonial foi liderada por N´Kwame Krumah, se tornou no primeiro país africano independente, em 1959. Em Portugal, António de Oliveira Salazar, na época Chefe do Estado português, recusava terminantemente aceitar que Moçambique fosse uma colónia portuguesa. Salazar dizia aos quatro cantos do mundo que Moçambique era uma província de Portugal, onde o seu povo tinha direitos iguais.
A independência do Ghana terá inspirado outros povos africanos para a independência, num movimento que se desencadeou e se generalizou a partir dos anos 60. Foi assim que a década 60 ficou conhecida como a década africana.
Terão sido esses acontecimentos (independências) que também inspiraram Samora Machel, jovem nascido a 29 de Setembro de 1933 em Madragoa, hoje Xilembene, para se engajar na luta de libertação do seu país. Ele acompanhava as lutas que se travavam em África contra a dominação colonial estrangeira sobretudo através de rádio. Soube da formação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), em 1962, em Dar-es-Salaam, Tanzania, daí ter decidido abandonar a profissão de enfermagem que havia abraçado após formação nesta área na então cidade de Lourenço Marques, hoje Maputo. Para se juntar à FRELIMO, Samora Machel atravessou a Catembe (hoje Ka Tembe) rumando para a Suazilândia. Foi acolhido por uma família local e depois dirigiu-se ao Botswana, onde tomou avião que transportava cidadãos sul-africanos do ANC que também seguiam a Dar-es-Salaam.
Raimundo Pachinuapa e outros jovens nacionalistas moçambicanos de Cabo Delgado, sua terra natal, atravessaram, em 1963, o Rovuma com destino a Dar-es-Salaam, para também se juntarem à Frente de Libertação de Moçambique. Conta Pachinuapa que quando Samora Machel chegou a Dar-es-Salaam foi por ele recebido.
“Recebemos Samora e conversámos sobre o que se passava em Moçambique. Ele contava toda a sua trajectória e gostava muito de jogar damas”, contou.
Havia a necessidade de os nacionalistas treinarem militarmente para enfrentar o colonialismo português por via armada, uma vez que todas as vias pacíficas para a conquista da independência haviam sido esgotadas. Portugal recusava-se a conceder a independência aos moçambicanos. O massacre de Mueda, em 1960, foi a expressão cruel e violenta com que os colonialistas portugueses responderam ao pedido dos moçambicanos para a sua liberdade.
Um primeiro grupo de jovens da FRELIMO foi enviado à Argélia para treinos militares. Um segundo grupo, do qual faziam parte Samora Machel e Raimundo Pachinuapa, também seria enviado à Argélia. Samora Machel era o chefe do grupo de 70 jovens. “Ele chefiou o grupo de uma forma responsável. O treino foi muito duro. Samora Machel foi o atirador número 1, de elite. Tinha uma boa pontaria”, disse.
Durante uma conversa em plenos treinos militares, Samora Machel terá perguntado aos outros jovens por que razão estavam a ser treinados. Muitos responderam afirmando que era para, uma vez em Moçambique, matar todo aquele que era branco. Machel terá dito que esse não era o objectivo. O objectivo da guerra que iriam travar era derrubar o colonialismo e não contra quem quer que fosse o branco.
Findados os treinos, regressaram a Dar-es-Salaam e coube a Samora Machel abrir o centro de treinos de Khóngwa, para preparar militarmente os jovens que fugiam de Moçambique. Indigitou alguns jovens guerrilheiros para fazerem o reconhecimento no interior de Moçambique. A direcção da FRELIMO encarregou Samora Machel de escolher o grupo que iria iniciar a luta a 25 de Setembro de 1964.
Conta Raimundo Pachinuapa que a guerra não foi fácil, mas os jovens de 25 de Setembro assumiram a tarefa e estavam determinados a libertar o país do jugo colonial. Samora Machel esteve envolvido em várias frentes da luta. Em 1966, Samora Machel propôs à direcção da FRELIMO que o centro de Khóngwa fosse transferido para um lugar perto da fronteira com Moçambique. Foi assim que, a pedido da direcção da Frente, a Tanzania autorizou a abertura do campo de Nachingweia.

Estudantes da Francisco Manyanga
Machel instrutor número 1
Raimundo Pachinuapa afirmou que em todo o processo de formação e treino de guerrilheiros da Frente de Libertação de Moçambique, Samora Machel foi instrutor número 1.
“A vida de Samora era a revolução. A guerra ia-se desenvolvendo e surgiram as zonas libertadas. A educação foi implantada nessas zonas. Aliás, a nossa missão era lutar, estudar e produzir. Samora educou o soldado a combater e produzir. A guerra desenvolveu-se, mas alguns de nós foram infiltrados com a missão de travar a frente. Apareceram traidores e confusos”, explicou.
Em 1968-69, começam a surgir problemas no seio da FRELIMO. Na sequência desses problemas, Eduardo Mondlane é assassinado. Raimundo Pachinuapa afirmou que esses infiltrados aliaram-se à PIDE (polícia secreta portuguesa) e esta encomendou um livro a Eduardo Mondlane, contendo uma bomba. Eduardo Mondlane abriu o livro na manhã de 3 de Fevereiro de 1969 e morreu na sequência da explosão da bomba.
Após o assassinato de Mondlane, a direcção da Frente reuniu-se e decidiu que Samora Machel devia liderar os seus destinos. Machel enfrentou, com sucesso, a ofensiva Nó Górdio, dirigida pelo general português Kaúlza de Arriaga. A ofensiva tinha como objectivo acabar com a FRELIMO durante seis meses. Ela teve lugar em 1970.
Usando uma estratégia de sucesso, Samora Machel abriu a frente de Tete e de Manica e Sofala. Atónitos com a situação no terreno, as chefias militares portuguesas decidem rebelar-se do regime que vigorava em Portugal, a 25 de Abril de 1974. Não mais queriam a guerra.
Samora Machel reúne a direcção da FRELIMO para estudar a situação e toma-se a decisão de se saudar a queda do fascismo em Portugal. Segundo Raimundo Pachinuapa, a declaração de saudação à queda do regime foi lida por Jorge Rebelo. Para além de saudar o fim do fascismo, a Frente de Libertação de Moçambique reafirmava, na declaração, a sua determinação em conquistar a independência por via armada.
Os golpistas organizaram-se e encetaram contactos com a FRELIMO, propondo negociações. Foi nesse processo que foi apontado Lusaka, a capital da Zâmbia, como local onde deveriam decorrer as negociações. Samora Machel chefiou a delegação da Frente de Libertação de Moçambique à mesa de negociações e Mário Soares do lado português.
Mário Soares terá reafirmado o fim da guerra e proposto que fosse levado a cabo um referendo em Moçambique. O objectivo do referendo era saber se os moçambicanos queriam ou não a independência. Samora Machel respondeu afirmando que não se pergunta a um escravo se quer liberdade.
Enquanto decorriam as negociações, grupos fantoches foram criados em Moçambique, particularmente em Lourenço Marques. Esses grupos eram favoráveis a Portugal, estavam contra a independência de Moçambique. Dados os desentendimentos entre as partes, foi iniciado um processo diplomático que levou a que, do lado da Frente, Samora Machel enviasse o jornalista Aquino de Bragança, falecido em Mbuzini, a Portugal, com o objectivo de identificar quem eram, de facto, as pessoas que tinham o comando da situação em Moçambique.
Segundo Raimundo Pachinuapa, em Portugal as chefias militares e outros dirigentes envolvidos no golpe de 25 de Abril reafirmaram que a guerra havia acabado em Moçambique e que a FRELIMO era o único representante legítimo do povo moçambicano.
“É assim que aparece o dia da vitória, o 7 de Setembro de 1974. Foi nessa data que foram assinados os acordos de Lusaka, por decisão do comité central. Foi, então, formado o Governo de Transição, cujo Primeiro-Ministro foi Joaquim Chissano”, disse, acrescentando que esse Governo tinha a missão de preparar as condições para a proclamação da independência de Moçambique, a 25 de Junho de 1975.