PASSAM hoje 37 anos depois da assinatura do Acordo de Lusaka, entre Portugal e a Frelimo. O pacto pôs termo a dez longos anos de luta armada pela conquista da independência de Moçambique.
Este ano a passagem do 7 de Setembro tem a particularidade de coincidir com as celebrações dedicadas a Samora Machel figura que, em representação da então Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), rubricou com o Estado Português o referido acordo.
Importa lembrar que de 5 a 7 de Setembro de 1974 decorreram em Lusaka, capital da Zâmbia, conversações tendentes a preparar o processo de descolonização e fixação da independência em 25 de Junho de 1975. Durante este período a então cidade de Lourenço Marques, hoje Maputo, era palco de diversas manifestações de apoio ao movimento nacionalista. Mas também haviam sectores, sobretudo militares portugueses, que se agrupavam em movimento denominado Moçambique Livre, hostis às conversações e, consequentemente, à proclamação da independência. É assim que inicia um confronto entre as duas partes que se saldou na morte de centenas de pessoas, destruição de importantes infra-estruturas económicas e sociais, assalto à então Rádio Clube de Moçambique, hoje Rádio Moçambique, libertação de presos nas cadeias, num balanço que se resumiu em simplesmente trágico. Enquanto isso, em Lusaka, as delegações da FRELIMO e de Portugal mantinham as conversações e assinavam o acordo. Em causa estava afinal, o entendimento para o fim das hostilidades e a inevitável proclamação da independência nacional a 25 de Junho de 1975. É por isso que o 7 de Setembro foi proclamado Dia da Vitória.
O que preconiza o pacto?
Neste acordo, o Estado Português reconheceu formalmente, o direito do povo de Moçambique à independência e, em consequência, acordou com a FRELIMO o princípio da transferência de poderes, ou seja, transferência da soberania que detinha sobre o território de Moçambique (Cláusula 1). No âmbito dos mesmos acordos foi igualmente estabelecido que a independência completa de Moçambique seria solenemente proclamada no dia 25 de Junho de 1975, data que coincidiria, propositadamente, com o aniversário da fundação da FRELIMO (Cláusula 2).
Para além destes princípios (o da independência e o da transferência de poderes), o Acordo de Lusaka estabeleceu, relativamente ao território de Moçambique, o regime jurídico que vigoraria durante o período de transição para a independência (período a iniciar com a assinatura dos acordos e a terminar com a proclamação da independência de Moçambique, Cláusula 3). Tal regime consistiu, essencialmente, numa bipartição de poderes sobre o território, tendo-se confiado a soberania ao Estado português, representado por um alto-comissário (Cláusula 4) e o Governo ou administração à FRELIMO, a quem foi reconhecida a prerrogativa de designar não só o Primeiro-Ministro como também dois terços dos ministros do Governo de Transição
Assim, reunidas em Lusaka, Zâmbia, de 5 a 7 de Setembro de 1974, as delegações da Frente de Libertação de Moçambique e do Estado Português, com vista ao estabelecimento do acordo conducente à independência de Moçambique, acordaram nos seguintes pontos:
1. O Estado Português, tendo reconhecido o direito do povo de Moçambique à independência, aceita por acordo com a FRELIMO a transferência progressiva dos poderes que detém sobre o território nos termos a seguir enunciados.
2. A independência completa de Moçambique será solenemente proclamada em 25 de Junho de 1975, dia do aniversário da fundação da FRELIMO.
3. Com vista a assegurar a referida transferência de poderes são criadas as seguintes estruturas governativas, que funcionarão durante o período de transição que se inicia com a assinatura do presente Acordo:
a) Um alto-comissário de nomeação do Presidente da República Portuguesa;
b) Um Governo de Transição nomeado por acordo entre a Frente de Libertação de Moçambique e o Estado português;
c) Uma Comissão Militar Mista nomeada por acordo entre o Estado português e a Frente de Libertação de Moçambique.
4. Ao alto-comissário, em representação da soberania portuguesa, compete:
a) Representar o Presidente da República Portuguesa e o Governo Português;
b) Assegurar a integridade territorial de Moçambique;
c) Promulgar os decretos-leis aprovados pelo Governo de Transição e ratificar aos actos que envolvam responsabilidade directa para o Estado Português;
d) Assegurar o cumprimento dos acordos celebrados entre o Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique e o respeito das garantias mutuamente dadas, nomeadamente as consignadas na Declaração Universal dos Direitos do Homem;
e) Dinamizar o processo de descolonização.
5. Ao Governo de Transição caberá promover a transferência progressiva de poderes a todos os níveis e a preparação da independência de Moçambique. Compete-lhe, nomeadamente:
a) O exercício das funções legislativa e executiva relativas ao território de Moçambique. A função legislativa será exercida por meio de decretos-leis;
b) A administração geral do território até à proclamação da independência e a reestruturação dos respectivos quadros;
c) A defesa e salvaguarda da ordem pública e da segurança das pessoas e bens;
d) A execução dos acordos entre a Frente de Libertação de Moçambique e o Estado Português;
e) A gestão económica e financeira do território, estabelecendo nomeadamente as estruturas e os mecanismos de controlo que contribuam para o desenvolvimento de uma economia moçambicana independente;
f) A garantia do princípio da não discriminação racial, étnica, religiosa ou com base no sexo;
g) A reestruturação da organização judiciária do território.
6. O Governo de Transição será constituído por:
a) Um Primeiro-Ministro nomeado pela Frente de Libertação de Moçambique, a quem compete coordenar a acção do governo e representá-lo.
b) Nove ministros, repartidos pelas seguintes pastas: Administração Interna; Justiça; Coordenação Económica; Informação; Educação e Cultura; Comunicações e Transportes; Saúde e Assuntos Sociais; Trabalho; Obras Públicas e Habitação;
c) Secretários e subsecretários a criar e nomear sob proposta do Primeiro-Ministro, por deliberação do Governo de Transição, ratificada pelo Alto-Comissário;
d) O Governo de Transição definirá a repartição da respectiva competência pelos ministros, secretários e subsecretários.
7. Tendo em conta o carácter transitório desta fase da acção governativa os ministros serão nomeados pela Frente de Libertação de Moçambique e pelo Alto-Comissário na proporção de dois terços e um terço respectivamente.
8. A Comissão Militar Mista será constituída por igual número de representantes das Forças Armadas do Estado Português e da Frente de Libertação de Moçambique e terá como missão principal o controlo da execução do acordo de cessar-fogo.
9. A Frente de Libertação de Moçambique e o Estado Português pelo presente instrumento acordam em cessar-fogo a zero hora do dia 8 de Setembro de 1974 (hora de Moçambique) nos termos do protocolo anexo.
10. Em caso de grave perturbação da ordem pública, que requeira a intervenção das Forças Armadas, o comando e coordenação serão assegurados pelo Alto-Comissário, assistido pelo Primeiro-Ministro, de quem dependem directamente as Forças Armadas da Frente de Libertação de Moçambique.
11. O Governo de Transição criará um corpo de polícia encarregado de assegurar a manutenção da ordem e a segurança das pessoas. Até à entrada em funcionamento desse corpo o comando das forças policiais actualmente existentes dependerá do Alto-Comissário de acordo com a orientação geral definida pelo Governo de Transição.
12. O Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique comprometem-se a agir conjuntamente em defesa da integridade do território de Moçambique contra qualquer agressão.
13. A Frente de Libertação de Moçambique e o Estado Português afirmam solenemente o seu propósito de estabelecer e desenvolver laços de amizade e cooperação construtiva entre os respectivos povos, nomeadamente nos domínios cultural, técnico, económico e financeiro, numa base de independência, igualdade, comunhão de interesses e respeito da personalidade de cada povo. Para o efeito serão constituídas durante o período de transição comissões especializadas mistas e ulteriormente celebrados os pertinentes acordos.
14. A Frente de Libertação de Moçambique declara-se disposta a aceitar a responsabilidade decorrente dos compromissos financeiros assumidos pelo Estado Português em nome de Moçambique desde que tenham sido assumidos no efectivo interesse deste território.
15. O Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique comprometem-se a agir concertadamente para eliminar todas as sequelas de colonialismo e criar uma verdadeira harmonia racial. A este propósito, a Frente de Libertação de Moçambique reafirma a sua política de não discriminação, segundo a qual a qualidade de Moçambicano não se define pela cor da pele, mas pela identificação voluntária com as aspirações da Nação Moçambicana. Por outro lado, acordos especiais regularão numa base de reciprocidade o estatuto dos cidadãos portugueses residentes em Moçambique e dos cidadãos moçambicanos residentes em Portugal.
16. A fim de assegurar ao Governo de Transição meios de realizar uma política financeira independente será criado em Moçambique um Banco Central, que terá também funções de banco emissor. Para a realização desse objectivo o Estado Português compromete-se a transferir para aquele banco as atribuições, o activo e o passivo do departamento de Moçambique do Banco Nacional Ultramarino. Uma comissão mista entrará imediatamente em funções, a fim de estudar as condições dessa transferência.
17. O Governo de Transição procurará obter junto de organizações internacionais ou no quadro de relações bilaterais a ajuda necessária ao desenvolvimento de Moçambique, nomeadamente a solução dos seus problemas urgentes.
18. O Estado Moçambicano independente exercerá integralmente a soberania plena e completa no plano interior e exterior, estabelecendo as instituições políticas e escolhendo livremente o regime político e social que considerar mais adequado aos interesses do seu povo.
19. O Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique felicitam-se pela conclusão do presente Acordo, que, com o fim da guerra e o restabelecimento da paz com vista à independência de Moçambique, abre uma nova página na história das relações entre os dois países e povos. A Frente de Libertação de Moçambique, que no seu combate sempre soube distinguir o deposto regime colonialista do povo português, e o Estado Português desenvolverão os seus esforços a fim de lançar as bases de uma cooperação fecunda, fraterna e harmoniosa entre Portugal e Moçambique.
Veja http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/acordo_lusaca_e_reaces_07091974/