EM plenas comemorações do 25 de Setembro, dia do início da luta armada de libertação nacional, Alberto Chipande, general na reserva, autor do primeiro tiro da insurreição geral do povo contra o colonialismo português, esteve no posto administrativo de Chai, distrito de Macomia, em Cabo Delgado, para dissipar certos equívocos sobre a história.
Não há e nem deve haver dúvidas quanto ao local do início da luta: posto administrativo de Chai. E não e nem deve haver dúvidas quanto ao autor do primeiro tiro que deu início à luta armada de libertação nacional: general, na reserva, Alberto Chipande. Isto aconteceu por volta das 19.00 horas do dia 25 de Setembro de 1964.
Eliseu Machava, governador provincial de Cabo Delgado, acompanhou Chipande na sua deslocação a Chai e censurou certos sectores políticos que se esforçam em deturpar os factos da história da luta armada de libertação nacional. Tais sectores, segundo o governante, procuram fazer crer que tudo o que acontece, desde o início da luta, seja produto do acaso. A verdade, porém, é que a história tem os seus actores.
Depois de apresentar as figuras presentes, Eliseu Machava cingiu a sua atenção a duas figuras da história. Alberto Chipande e António Chicapa, ambos integrantes do grupo de 11 elementos destacados para Chai. Chicapa, de 70 anos de idade, reside hoje na sede do distrito de Pemba-Metuge.
A guerra começou às 19.00 horas e não a zero, como tem sido dito. Este depoimento é feito pelo próprio general Chipande o qual considera que “estamos num momento de luta em que precisamos de reconstruir a nossa história, em cumprimento da decisão correcta, do IX Congresso, realizado em Quelimane e que determinou que os principais actores da história da luta de libertação nacional, contem-na para que fique registada, a fim de ser conhecida pelas novas gerações”.
“Hoje celebramos o 47º aniversário do início da luta armada. Isso é um facto histórico. É real. Aconteceu”, disse Alberto Chipande, acrescentando que “eu e o meu colega aqui ao lado, o António Chicapa, participamos no início da luta”.
Chipande conta que, sob o comando de Eduardo Mondlane, primeiro presidente da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e depois de terem regressado da Argélia, onde tinham ido receber os primeiros treinos militares, abriram o centro de Kongwa. Um pouco mais tarde foram instruídos para seguirem a Dar-Es-Salaam, na Tanzania, onde foram seleccionados para “novas tarefas”. O mais engraçado, segundo o general, é que ninguém sabia quais eram as novas tarefas.
Na verdade, segundo Alberto Chipande, a viagem começou em direcção ao bairro Bukurini, algures nos arredores de Dar-Es-Salaam.
À noite, por volta das 20.00 horas, segundo Chipande, apareceram no local, Eduardo Mondlane e Samora Machel, que traziam uma mensagem para cada um de nós e que se resumia no seguinte: vai já para o lugar tal e lá encontrarás alguém que te dirá quais são as tarefas que deves cumprir. “Assim, individualmente, cada um de nós foi seguindo o seu destino. No local e quando cada um dá conta de si já éramos 24 elementos”, conta o general Chipande.
O grupo foi levado num camião em direcção ao porto marítimo de onde embarcou num navio com destino a Mtwara. Aqui, o grupo foi recebido por Lázaro Nkavandame. Neste lugar o grupo permaneceu de Junho a Julho de 1964.
Ao longo deste período juntaram-se ao grupo, jovens vindos de Moçambique, para treinos e assim engrossarem as fileiras.
No dia 1 de Agosto, acompanhados pela Polícia tanzaniana já equipado os componentes do grupo foram levados uns para Miambwe, outros para Maúta e outros ainda para Ncunha, localidades tanzanianas junto à fronteira com Moçambique.
Na verdade, eram grupos que tinham a missão de iniciar a luta armada, a partir de pontos específicos em Moçambique, nomeadamente Mocímboa da Praia, (através de Diaca) Mueda, incluindo o actual distrito de Muidumbe, Porto Amélia (hoje Pemba) e Montepuez.
Já no interior do país, o grupo que se dirigia a Mocímboa da Praia, não teve problemas, tal como o que ia a Mueda. Mas o que se destinava a Montepuez, teve que recuar, pois havia sofrido um ataque, assim como, aquele que ia a Porto Amélia, chefiado por Alberto Chipande, que na zona de Nangololo, em Muidumbe, deparou com o assassinato do padre católico de nome Daniel e não teve como prosseguir com a missão.
“O que aconteceu é que o padre Daniel foi confundido com o nosso grupo. Nós estávamos a menos de 20 quilómetros do local. Quando descobriram que se tratava do padre as tropas coloniais ficaram em estado de alerta em toda a região e não permitiam que nós nos movimentássemos livremente. Escondemo-nos entre as matas de Muidumbe e Chai”, disse Chipande.
A 15 de Setembro, o grupo recebeu uma mensagem através de um enviado, na circunstância, António Chaúma, dando a indicação de que o início da luta armada estava marcado para 25 de Setembro.Dizem que fui medroso
Entretanto, devido a problemas decorrentes da cerrada vigilância da tropa colonial, em resultado da morte do padre Daniel e porque a data do início da luta se mostrava próxima, sem possibilidade de alcançar Porto Amélia, o grupo decidiu começar a guerra em qualquer lugar onde houvesse a presença do colonialismo. Chai apresentava-se como o mais próximo.
“Não sabíamos o que fazer. Chegamos a Chai. Ninguém tinha a mínima informação de como estava organizado o posto de Chai; onde era o quartel; onde ficava o chefe do posto, entre outras informações prévias. “
“Eu disse aos meus camaradas para que nos retirássemos por falta dessa informação. Aí acusaram-me de ser medroso. Disseram-me que a data já estava marcada e não devia ser o nosso grupo a não cumprir a missão”, lembrou o Chipande.
O general diz que lhe chamaram medroso, igualmente, pelo facto de ter recusado o ataque a um camião que vinha de Porto Amélia, acção proposta pelo grupo, mas que o chefe desaconselhou, por não saber exactamente a quem pertencia e o que levava, tendo em conta a orientação do presidente Eduardo Mondlane de que a guerra que iria começar não visava civis, nem o povo português, mas sim, aqueles que estivessem ao serviço do colonialismo, sem distinção de raça, cor, religião ou etnia.
“Aí disseram que eu estava com medo, porque eles queriam ali mesmo começar a luta atacando aquele camião”, explicou Chipande.
Na falta de toda aquela informação, decidiu-se em enviar Bento Bachir, um dos integrantes do grupo, disfarçado com ligaduras e tingido de tintura, como se estivesse ferido e em tais condições fosse ao posto de Chai. Isto era para dar a ideia de que estaria a ir para o hospital local quando na verdade estava à procura de informações e a fazer o reconhecimento da zona.
Depois de se munirem de toda a informação trazida por Bento Bachir, eis que o grupo se abeira do posto de Chai, para dar lugar as operações militares. Passava muito pouco das 19.00 horas.
“Apanhei um sentinela, encostado ao muro com a sua arma e eu queria apanhá-lo vivo. Não consegui, mas fiquei com o seu carregador e a seguir dei-lhe um tiro na cabeça, tendo caído imediatamente e quando o chefe do posto saiu para ver o que se estava a passar, levou outro tiro, na mesma altura em que lá dentro ouviam-se choros”, contou.
Chipande disse que os outros guerrilheiros, tal como estava programado, atacavam as outras direcções, tendo cabido a António Chicapa a administração.
“Depois disso recuamos e assim estava feito o primeiro combate. O mesmo deu-se perto das 19.00 horas do dia 25 de Setembro e não à zero hora, como estava decidido. Soubemos que em Mueda e Muidumbe os nossos camaradas tinham atacado antes da zero hora, em Diaca e Mocímboa da Praia, antes das 19.00 horas”, lembrou.
Por outro lado, segundo a explicação de Alberto Chipande, nas províncias do Niassa e Zambézia, também houve ataques dos guerrilheiros, que davam início à luta de libertação nacional.
- Pedro Nacuo
NOTA:
" “Apanhei um sentinela, encostado ao muro com a sua arma e eu queria apanhá-lo vivo. Não consegui, mas fiquei com o seu carregador e a seguir dei-lhe um tiro na cabeça, tendo caído imediatamente e quando o chefe do posto saiu para ver o que se estava a passar, levou outro tiro, na mesma altura em que lá dentro ouviam-se choros”, contou.
Chipande disse que os outros guerrilheiros, tal como estava programado, atacavam as outras direcções, tendo cabido a António Chicapa a administração."
Mentira! Mentira! Mentira! Nínguém foi morto!
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE