Por Viriato Caetano Dias
“Nenhuma mentira pode viver para sempre.
A verdade, mesmo esmagada, volta a nascer.”
Carlos Cruz, escritor português
“A mentira pode correr um ano. A verdade apanha-a num dia”. Assim reza o rifão popular africano.
Sou por natureza um ser insatisfeito. Um homem, diga-se de passagem, atormentado pela dúvida. Foi assim que, cedo decidi trilhar os caminhos do meu coração e optei por fazer o curso de História, instigado pelo facto desta ciência ser a única no ninho das ciências sociais e humanas que têm como hipótese de trabalho o pessimismo, querendo perspectivar o futuro. Posso estar equivocado, é claro, mas fico com a impressão de que há dissimulação política, talvez propositada e intencional, ante o propalado “Acordos de Lusaka” entre o Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), movimento nacionalista que desencadeou a Luta Armada de Libertação Nacional, com o objectivo de conquistar a independência de Moçambique. Que fique claro logo à partida que a FRELIMO - FRENTE DE LIBERTAÇÃO DE MOÇAMBIQUE, perverteu-se com o advento da Frelimo como partido político e não só, tal veio a suceder-se à luz do seu IIIº congresso, realizado em 1977. Lá falaremos adiante.
Permitam-me que debite da minha alma um testemunho, talvez pouco comum no início de uma reflexão pelo seu tom pessoal e directo, mas que me é necessário e mesmo imperativo dar: O meu processo de formação em História teve início na Universidade Pedagógica (UP), em Nampula e Maputo, respectivamente. A UP que é uma instituição pública de ensino superior concebida, exclusivamente, para a formação de professores mas, actualmente, tem vindo a acomodar os interesses do “Sistema”. Há muito que a UP abdicou dos seus princípios básicos de orientação profissional – vocacionados na formação de professores – servindo, desta feita, de bóia de salvação para os aventureiros e excluídos das outras universidades, públicas e privadas, conferindo a estes, muitas das vezes, os graus de licenciado e mestres. Dai a razão da febre constante da falta de professores um pouco por todo o país e não só, as dificuldades que o sector da educação enfrenta, quando o assunto é a qualidade de ensino no país.
Depois houve a necessidade de partir para outros cantos do mundo em busca de mais saberes, sobretudo em busca dos conhecimentos que me faltavam e me faltarão sempre (porque o Homem, esse animal político morre aprendendo, sempre!), foi então que aconteceu o meu encontro (literalmente) com alguns escritores de proa; para alguns trata-se de estreia no ofício, para outros, nem por isso, mas todos eles convergem num aspecto, diga-se de passagem, são verdadeiros colossos incontornáveis na arte de “ser e estar” e com uma larga experiência de vida, nomeadamente: António Guterres, Carlos Cruz, Carlos Fino, Cárcere Monteiro, João Guerra, Iaian Christie, Hersh Seymour, Mário Soares, Christine Garnier, Cláudia Furiati, David Aloni (já falecido), este último meu eterno mestre. A conversa recitada com estes escritores foi uma oportunidade soberba para o esclarecimento de algumas dúvidas, ainda que na vida não há verdades absolutas, mas também para tirar ilações para o futuro. Uma visita literária a estes escritores, para além de ser um conhecimento grátis que se adquiri, é também uma forma de compartilhar ideias, afinal de contas ninguém é detentor absoluto da verdade.
Foi com Mário Soares, na sua obra “Memória Viva” (2003), que veio a minha estupefacção, motivo para a reflexão de hoje. Não queria acreditar e nem quero, porque me custa acreditar. Sabia por imposição da dúvida que a nossa “História Oficial” carece de muletas, pois nem todos os processos históricos revelados até agora são para levar à letra (consideração). É preciso rescrever a nossa História. Mais não foram escritos em função dos apetites e estrabismos político da época. O que não esperava era, depois de 35 anos da assinatura (?) dos “Acordos de Lusaka”, vir saber que um dos seus signatários, afinal, não assinou o referido acordo com a FRELIMO, por responsabilidade desta. Está lá escrito, com letras douradas, cito: “não assinei os Acordos de Lusaka”. Contrariamente a informação publicada nos nossos manuais de ensino (ainda em uso nas nossas escolas) Mário Soares, esta figura lendária e meticulosa de gabarito internacional, deixou claro que, de facto, houve um encontro em Lusaka, mas nega ter assinado os “Acordos de Lusaka” com a FRELIMO.
O mesmo autor, na sua supramencionada obra, “Memória Viva”, enfatiza o seguinte, cito na integra (sic): “Encetámos então as negociações. Mas estás vieram a verificar-se mais difíceis, porque Chissano, o numero dois de Samora, e actual presidente, avisara-nos que o cessar fogo só seria respeitado uma vez obtidas garantias solenes da nossa parte quanto ao reconhecimento da FRELIMO como representante legítimo do povo Moçambicano. Houve um acordo verbal, abraços e novos aplausos, mas quando nos sentámos à mesa das negociações, eles recusaram-se a assinar.” (pp. 100).
Mário Soares acrescenta, o seguinte: “Em contrapartida não assinei os acordos com Moçambique, mas apenas assisti, após os acordos, ao acto de independência de Moçambique, no Maputo, assim como também não negociei, uma vez que já não era ministro dos Negócios Estrangeiros, a independência de Cabo Verde e de São Tome (pp.102). O sublinhado no texto é meu.
Se uma das partes signatárias do “pacto” escreve no seu aludido livro que não assinou os “Acordos de Lusaka” com a FRELIMO, a menos que esse “acordo” se traduza em abraços e aplausos, festa e dança, o que era de esperar, porquanto tratava-se do primeiro encontro “oficial” em que o Estado Português reconhecia, pública e internacionalmente a derrota militar e ideologicamente ante a invencibilidade do povo moçambicano. Convenhamo-nos, modesta à parte, o Estado Português só e só aceitou sentar-se à mesa das negociações com a FRELIMO devido as baixas nas suas fileiras militares, apesar de não ignorar os factores internos precedidos da revolução de 25 de Abril de 1974. “É preciso dar ao César o que é de César, e a FRELIMO o que é da FRELIMO!”.
O tal “Acordos de Lusaka” ganha perplexidade, na minha maneira de ver, quando o governo moçambicano ESCUSA-SE de revelar ao seu povo os seus contornos. Não revelando o que se especula (tomemos como especulações as declarações de Mário Soares) o governo moçambicano não só perde como o seu povo fica, duma ou doutra maneira, condenada à preconceitos e meias verdades. É curioso, abrindo parêntesis, saber que o assunto Anibalzinho é, para o governo moçambicano, mais restritivo e secreto que divulgar as clausulas dos “Acordos de Lusaka”. Não será este criminoso mais importante que o próprio Estado? É caso para dizer que os ditos “Segredos do Estado” estão, muita das vezes, à mercê de quem os queira ter. Anibalzinho goza deste privilegio. Teimo que se consuma as palavras do actual Procurador Geral da República, Dr. Juiz Paulino pronunciadas em pleno julgamento na ´Cadeia da Machava`, cito de memória: “Anibalzinho pode enganar a todos mas não ao Estado. Ninguém está acima da lei”. Palavras idênticas foram proferidas pelo actual Presidente da Assembleia da República, Dr. Eduardo Mulémbuè, também cito de memória “num país de direito como o nosso pode falhar tudo, menos a justiça.”
Voltando às vacas frias, como sóis dizer-se. Não é preciso ser historiador nem compreender muito de direito internacional para perceber o alcance das palavras de Mário Soares ante o “silencio mortal” mas incomodo - da Frelimo - em NÃO revelar, na integra, as potenciais clausulas do propalado “Acordos de Lusaka” que, na verdade, foi o primeiro passo conducente à independência nacional. Tal imposição, por um lado, vem anuir àqueles que abonam que os “Acordos de Lusaka” mais não foram uma impostura política, por outro lado, duvidar do governo moçambicano pela sonsice no assunto. Podemos dizer, na pior das hipóteses, que estamos perante três tipos de acordos: o verbal e o escrito. Um terceiro seria o somatório dos dois. Ou seja, na prática o somatório levaria-nos à inexistência de tal acordo, pelo menos à mesa das negociações, não obstante a efectivação do encontro, como disse anteriormente, aconteceu em Lusaka, a 7 de Setembro de 1974. Havendo a possibilidade do acordo ser verbal como, aliás, admitiu Mário Soares, então, há que suprimir as informações gratuita que pousam na Internet e nos manuais de ensino que desinformam “à seiva da nação”, pois crispa a verdade dos factos. Sempre defendi uma história de consenso, porque não há verdades absolutas onde a maioria das pessoas comungam os mesmos ideias, sem hipocrisia nem impostura, seja qual for a pretensão. Porque os tempos que correm são de paz, de concórdia, de progresso, de tecnologias, do saber, de reconciliação com o passado, que o futuro a construir seja risonho, sem mácula e nem meias verdades. Que seja, enfim, auspicioso!!!
Ao terminar esta reflexão, gostaria de deixar claro o seguinte: esta reflexão não põe em causa o dia da vitória - o 7 de Setembro de 1974 -, longe de mim quem assim ousar pensar e verbalizar. Pelo contrário, concebo o 7 de Setembro como o culminar de um processo de luta hercúlea para a descolonização do país das garras do colonialismo português, e fizemo-lo com êxito. Mas sim de espevitar o Governo a equilibrar a balança, trazendo ao de cima os processos históricos de interesse nacional à nação, porque há muito que estes “deixaram” de ser segredos do ESTADO. Boas festas e viva o 7 de Setembro.
PS: Até ao fecho desta reflexão aguardo a disponibilidade do Dr. Mário Soares para um encontro de cortesia, que será uma grande honra para mim. Peripécias dos “Acordos de Lusaka” como não podia deixar de ser, vai ser o pano de fundo do encontro.
06.09.2009
Adenda, 06.09.2009: Agradeço bastante ao amigo e compatriota Viriato Dias pela contribuição ao Reflectindo para uma celebração consciente do dia 7 de Setembro. É verdade que o questionamento sobre os que chamamos de "Acordos de Lusaka" não é para pôr em causa a independência nacional, mas apenas se questiona a forma, procurando ver se não podia ter havido a melhor e quais foram as consequências indesejáveis. Se viajarmos para todos os países ex-colónias portuguesas detectaremos algumas consequências de uma descolonização. No caso de Moçambique, ainda me interrogo se uma outra forma, a do tipo Zimbabwe e Namíbia não teria evitado o êxodo da mão de obra qualificada e a guerra civil que durou 16 anos com quase de dois milhões de vítimas mortais. Assisti a humilhação a missionários combonianos, pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), os que a apoiaram e foram vítimas do regime colonial. Também assisti o abandono infeliz de quadros válidos e pacíficos como foi do director da escola secundária de Nacala-Porto, o Vieira.
In http://comunidademocambicana.blogspot.com/2009/09/afinal-os-acordos-de-lusaka-foram-uma.html
NOTA:
Soares é um mentiroso compulsivo. Vejam a sua assinatura no documento apenso(Click para ampliar).
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE