ASSIM se resume o que aconteceu, quinta-feira última, no posto administrativo de Chilembene, distrito do Chókwè, em Gaza, terra natal do falecido Presidente Samora Machel.
Dia quente. Mas quente demais. Com a temperatura a roçar os 40 graus centígrados. Mas nem com isso a população deixou de acorrer à Casa Machel para participar activamente na homenagem ao primeiro Presidente de Moçambique independente, Samora Moisés Machel. O Governo esteve representado ao mais alto nível pelo Presidente da República, Armando Emílio Guebuza, que se fazia acompanhar, entre outros, por dois convidados especiais: os Presidentes do Congo-Brazzavile, Denis Sassou Nguesso, e do Botswana, Ian Khama Setretse Khama, cujos países são “velhos amigos” de Moçambique. As igrejas católica, islâmica, hindu e as filiadas no Conselho Cristão de Moçambique (CCM) também estiveram representadas. Em orações, pediram bênçãos à família Machel e a todo o povo moçambicano. Os partidos políticos, incluindo a oposição, também disseram “presente” e evocaram Samora Machel como figura aglutinadora de todas as sensibilidades e, por via disso, Homem do Povo, “Pai da Nação”. Ninguém quis ficar de lado nesta cerimónia.
O canto e dança lembraram os momentos áureos da revolução moçambicana. Foi de facto uma cerimónia prenhe de emoções e que serviu para eternizar, com a inauguração de um momento, o fundador do Estado moçambicano por ocasião do seu 78º aniversário natalício, no quadro das celebrações do Ano Samora Machel. Na data da sua homenagem – 29 de Setembro – Samora Machel, assassinado pelo regime do “apartheid” há precisamente 25 anos, completaria 78 anos de idade.
Escritor da sua biografia
Samora foi escritor da sua biografia. Senão vejamos: Nasceu no meio rural tendo como horizonte de realização pessoal uma vida de pastor de gado e de agricultor de subsistência. Até porque, conforme disse o Presidente Armando Guebuza, Samora não se contentou com esse horizonte e, consequentemente, transcendeu-o formando-se e notabilizando-se como jovem com potencial.
Com a terceira classe rudimentar e mais tarde com a quarta classe, no contexto de um sistema de dominação colonial que franzia tudo à sua volta, o seu horizonte potenciava-o para passar o resto da sua vida como um empregado subalterno numa dessas instituições coloniais públicas ou privadas que funcionavam no meio rural.
De acordo com Armando Guebuza, Samora Machel não se contentou com esse horizonte e, consequentemente, transcendeu-o, acrescentando à sua escolarização uma formação vocacional.
Tal formação transformou-o num enfermeiro, mas que apesar do prestígio que a enfermagem lhe garantia Samora não se contentou. Ou seja, Samora Machel nunca foi homem para aceitar as limitações impostas pelo tempo.
Armando Guebuza anotou que o trabalho como enfermeiro, a vida urbana, o contacto com outros moçambicanos e cidadãos de outros quadrantes do mundo trouxeram-lhe novos elementos para aprofundar os pilares em que assentavam os obstáculos que, no seu tempo, prescreviam o destino subalterno do moçambicano.
"Graças a esta análise, ele tomou maior consciência de que o obstáculo ao seu progresso e ao progresso dos outros moçambicanos era o sistema de dominação estrangeira e a posição para a qual esse sistema empurrava e confinava os moçambicanos”, explicou Armando Guebuza, acrescentando que Samora decidiu assim fazer a sua parte lutando contra esse sistema que pré-determinava não só o seu horizonte como também os horizontes de todos os moçambicanos.
Segundo Guebuza, foi persistindo em ser escritor da sua própria biografia que Samora Machel juntou-se a outras figuras nobres do panteão nacional e a outros grandes heróis desta pátria para escancarar a porta que servia de obstáculo à realização do potencial como indivíduos dignos e capazes, imbuídos de auto-estima, como nação e como um povo.
Oposição chora Samora
João Massango, em sua representação, gritou bem alto: “A oposição chora Samora”. E porquê chora? Porque, segundo Massango, o Presidente Samora, numa altura em que o país atravessava uma grave crise económica, sabia partilhar o pouco com todos os moçambicanos. A sua morte, segundo disse, abriu uma página para a concorrência desleal pela vida entre os moçambicanos. Os que têm aguçam os seus apetites para terem muito mais ainda, em prejuízo daqueles que nada têm.
João Massango descreve Samora como aglutinador de todas as sensibilidades. Samora conversava com os operários e camponeses, com os intelectuais, amigo das crianças, as tais flores que nunca marcham e era frontal e carismático.
“Samora mostrava os seus discursos, a sua visão estratégica do futuro. Samora queria um Moçambique para todos. E alguns dos seus discursos continuam hoje actuais. São fonte de inspiração para muitos dos nossos anseios”, disse João Massango.
Repetindo que “a oposição chora Samora”, o representante dos partidos políticos da oposição pediu ao Governo moçambicano para que, 25 anos após a tragédia de Mbuzini, que vitimou Samora e outros 35 membros da sua comitiva presidencial, reabra o inquérito com vista não só ao apuramento dos autores morais e materiais do assassinato, mas, acima de tudo, para os responsabilizar perante as instâncias judiciais.
Massango disse, por outro lado, que Samora era amigo da paz; uma paz que deve ser preservada em Moçambique. Afastou qualquer espectro dos tentáculos da chamada “revolução árabe”, afirmando que os moçambicanos têm um legado que Samora deixou: a paz.
"Mas uma paz acompanhada de um diálogo inclusivo sobre os diversos temas da actualidade política e económica e social do país”, disse.
Educação como herança
A família Machel destaca a educação como legado deixado por Samora.
Em mensagem apresentada na ocasião, Samora Machel Júnior, em representação de toda a família Machel, disse que tal herança baseia-se na educação e na humildade. Disse que todos, com trabalho honesto e digno, devem levar avante os ideais que Samora deixou. E uma das iniciativas nesse sentido é a criação do Centro de Conhecimento e Desenvolvimento Samora Machel, criado recentemente por um Decreto do Conselho de Ministros.
Trata-se da criação de uma simbiose entre o saber científico, tecnológico, sociocultural e inovador das comunidades com vista à promoção do desenvolvimento científico, cultural e socioeconómico do local histórico de Chilembene.
O Centro de Conhecimento e Desenvolvimento Samora Machel é implementado através de unidades de desenvolvimento. Numa primeira fase as unidades de desenvolvimento compreendem: sociocultural, Ciência e Tecnologia, Pescas, Agricultura, Indústria e Comércio, Turismo, Energia, Mulher e Acção Social, Ambiente, dos Combatentes, Obras Públicas e Habitação, Planificação e Desenvolvimento e Finanças.
"Não estamos sós neste projecto. O Governo tem dado o seu apoio”, disse Samora Machel Júnior.