O MOMENTO em que se verifica o início de regularidade na actividade literária e, nos moldes ocidentais, cultural na África está intimamente ligado à implantação, ao desenvolvimento e à ampliação do ensino privado ou sancionado pelo Governo da Metrópole.
As primeiras iniciativas governamentais relacionadas com a educação na África datam de 1740, mas só a partir da segunda metade do século XIX foram tomadas as medidas cabíveis para desenvolver o ensino em Cabo Verde, primeira colónia portuguesa a ser beneficiada pelo projecto de “instrução pública no Ultramar”.
Nos documentos oficiais (boletins) de Cabo Verde, verificam-se algumas das providências acerca da instrução pública ultramarina, como: “escolas principais, materiais de ensino, provimento, vencimentos, jubilação e aposentadoria dos professores, criação dos conselhos inspectores de instrução primária, sua composição e deveres” (FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expressão portuguesa. São Paulo:Ática, 1987, p.9). Cabe ressaltar que o prelo foi instalado nas colónias portuguesas nas seguintes datas: Cabo Verde, 1842; Angola, 1845; Moçambique, 1854; São Tomé e Príncipe, 1857; Guiné- Bissau, 1879.
A instalação do prelo em Angola abre espaço para a publicação de Espontaneidades da minha alma (1849), de José da Silva Maia Ferreira, primeira obra impressa na "África Lusófona", mas não a primeira produção literária de autor africano. Segundo Manuel Ferreira, Tratado breve dos reinos (ou rios) da Guiné, de autoria do cabo-verdiano André Álvares de Almanada, foi escrito em 1594.
A produção literária nos países africanos divide-se em duas fases: a da literatura colonial e a das literaturas africanas. A primeira exalta o homem europeu como o herói mítico, desbravador das terras inóspitas, portador de uma cultura superior. A segunda constitui-se inversamente, pois nela o mundo africano passa a ser narrado por outra óptica. O negro é privilegiado e tratado com solidariedade no espaço material e linguístico do texto, embora não sejam excluídas as personagens europeias (de características negativas ou positivas). É o africano que normalmente preenche os apelos da enunciação e é ele quase exclusivamente, enquanto personagem ficcional ou poético, o sujeito do enunciado.
Os cuidados e os esmeros do sujeito enunciador são os de organicamente moldar o enunciado com os ingredientes significativos e representativos da especificidade africana. Se colocados lado a lado dois textos, um de literatura colonial e outro de literatura africana, é como se procedêssemos a uma justaposição de brusco contraste (FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expressão portuguesa. São Paulo: Ática, 1987, p. 13-4).
Diante disso, pode-se dizer que o universo literário e cultural dos naturais da terra, nas literaturas africanas, é valorizado e explorado significativamente, pois, quando os autores negam a legitimidade do colonialismo no discurso literário, fazem da revelação e valorização do mundo africano a raiz primordial tanto na ficção quanto na poesia, que, inicialmente, foram registradas em jornais ou folhetins.
As literaturas africanas de língua portuguesa, do ponto de vista linguístico, contam com numerosos termos, expressões, provérbios oriundos das línguas faladas nos vários grupos étnicos em Angola e Moçambique, enquanto que em Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau se usam duas línguas: a portuguesa e a crioula.
Cabe ressaltar que o crioulo falado em Cabo Verde é muito similar ao da Guiné-Bissau, e denominado crioulo pelo povo da terra; já em São Tomé e Príncipe era e é chamado de forro - denominação dada tanto à língua quanto aos naturais da terra - por ser usado primeiramente pelas camadas mais pobres, e iletradas, já que a língua portuguesa era falada apenas pela burguesia mestiça ou negra que lá se formava. Após a independência, o crioulo adquiriu autonomia e passou a ser valorizado e falado em todas as camadas sociais das ex-colónias cabo-verdiana, guineense e são-tomense.
Em 1846, um ano após a instalação do prelo em Angola, publicaram-se no Boletim Oficial dessa colónia alguns textos literários. Por volta de 1874, verifica-se o aparecimento da Imprensa Livre angolana, publicação de registros de experiências literárias e artigos, e cujo mérito era levantar a bandeira da democracia republicana almejada pelos intelectuais africanos e portugueses engajados na busca de uma imprensa propagadora das realidades africanas.
Os estilos narrativos mais produtivos foram a crónica e o panfleto, este de carácter doutrinário e político. Outro género literário valorizado nessa fase foi o folhetim, que agradava tanto aos africanos como aos portugueses. Eram publicados na colónia e algumas vezes reeditados na Metrópole.
Africanos, portugueses e brasileiros publicavam nos espaços comuns dos almanaques, boletins, jornais, revistas e folhetos. Não tinham surgido ainda as designações de literatura angolana, moçambicana ou são-tomense com carácter de sistema nacional, mas a escrita já deixara de ser espaço de europeidade absoluta para se tornar contaminação relativa de línguas. De facto, poetas portugueses e angolanos intercalavam no texto em português, mais extenso, frases, diálogos, versos, lexemas em língua bantu, quase que exclusivamente o quimbundo. A integração é perfeita, na coerência do sentido e da sonoridade e na coesão dos segmentos e dos ritmos (LARANJEIRA, Pires. De letra em riste. Porto: Afrontamento, 1992, p. 11-2).
Sendo assim, o trabalho literário aproxima os intelectuais que buscavam um caminho para fazer circular seus textos ficcionais, poéticos e de cunho político-ideológico. Destaca-se neste estágio de despertar cultural Alfredo Troni_ escritor, jornalista e advogado _, precursor da prosa moderna angolana com a criação de Nga Mutúri, bem como Pedro Félix Machado, também jornalista, que cultivou a prosa de ficção, publicando em folhetim na Gazeta de Portugal a primeira edição do romance Scenas d´África, reeditado em 1882.
No final do século XIX, floresceram nas colónias africanas de língua portuguesa várias associações recreativas, grémios literários, diversos jornais, alguns de curta duração, mas geradores de motivação criadora bastante significativa. Cabo Verde, por exemplo, viu nascer em Praia, desde 1858 treze associações recreativas e culturais, como a Sociedade de Gabinete de Literatura (1860) e a Associação Literária Grémio Cabo-verdiano (1880). Assinala, ainda, que por essa altura, se cria a imprensa de Angola e Moçambique e que aí se dá um notável surto de jornalismo. Aparecem os primeiros periódicos, como A Aurora (1856), A Civilização da África Portuguesa (1866), O Eco de Angola (1881), O Futuro de Angola (1882), O farol do Povo (1883), O Serão (1886), O Arauto Africano (1889), Ensaios Literários (1891), Luz e Crença (1902 - 1903) ( SANTILLI, Maria Aparecida. Estórias africanas: história e antologia. São Paulo: Ática, 1985, p.10).
Vê-se portanto que surgiram muitos jornais entre o final do século XIX e início do XX, e, apesar da maior parte ter tido curta duração, até o final do século XIX enumeraram-se "46 deles, os quais contaram com a participação de europeus e africanos" (SANTILLI, Maria Aparecida. Estórias africanas: história e antologia. São Paulo: Ática, 1985, p.10). Da mesma forma como ocorreu em Angola e Cabo Verde, a imprensa moçambicana é instalada em 1854, quando nasce o Boletim Oficial.
Em 1869 surge o primeiro periódico moçambicano, O Progresso, e despontam páginas ou secções literárias e de artes na imprensa. Precursores de periodicidade semanal foram O Africano (1877), O Vigilante (1882), Clamor Africano (1892), (SANTILLI, Maria Aparecida. Estórias africanas: história e antologia. São Paulo: Ática, 1985, p.11).
No entanto, é no século XX que a imprensa se estabelece com maior autonomia. Em Angola, o primeiro livro, marco histórico-literário da ficção, foi O segredo da morta, de Assis Junior, uma obra de costumes angolanos publicada nos folhetins do jornal A vanguarda de Luanda em 1929, com reedição datada de 1935 pela tipografia A Lusitana em Luanda. Escrito, então, no período que vai de 1910 a 1940, de 'quase não-literatura' em Angola, como diz Henrique Guerra no prefácio da última edição, O segredo da morta ocupa todo um vazio literário, como ponte entre duas gerações de escritores preocupados com a revitalização angolana, duas gerações que se representam anteriormente por Cordeiro da Mata e posteriormente por Castro Soromenho ( SANTILLI, Maria Aparecida. Estórias africanas: história e antologia. São Paulo: Ática, 1985, p.12-3). Assis Junior inaugura a moderna ficção angolana, e Castro Soromenho dará continuidade a ela com seus contos e romances inspirados própria vivência no sertão angolano, mais precisamente na região da Lunda:
Dessa convivência e aprendizagem no sertão angolano, surgem as primeiras narrações de Castro Soromenho, Lendas negras, Nhári,; O drama da gente negra, Rajada e outras e Calenga. Aos contos e novelas seguem-se os romances, Noite de angústia, Homens sem caminho, Terra morta, Viragem, A chaga, Quem nos percorre atravessa uma terra em transe ( SANTILLI, Maria Aparecida. Estórias africanas: história e antologia. São Paulo: Ática, 1985, p.14).
O projecto de investigação das realidades nacionais foi impulsionado por volta de 1940, quando os escritores africanos de língua portuguesa criaram canais mais regulares de divulgação, como as revistas. A experiência angolana no âmbito cultural contou com dois grupos significativos - o "Movimento dos Jovens Intelectuais" e a geração de autores cujo lema era "Vamos descobrir Angola" - para instituir as novas perspectivas que iriam redimensionar e "mapear [inicialmente] a fisionomia multifacetada do cenário cultural angolano" (CHAVES, Rita de Cássia Natal. A formação do romance angolano. São Paulo: Via Atlântica, 1999, p.21).
Em 1950, surge a Antologia dos novos poetas de Angola e, posteriormente, a revista Mensagem (1951-1952), com a participação de escritores que se tornaram basilares da literatura angolana: Agostinho Neto, Alda Lara, Antero Abreu, António Cardoso, António Jacinto, Mário António, Mário de Andrade, Oscar Ribas, Viriato da Cruz e o moçambicano José Craveirinha. Essa revista, para além da divulgação da produção literária, tinha um perfil pedagógico, pois segundo Santilli:
Os objectivos da revista centravam-se na busca da redefinição e valorização dos dados básicos de caracterização nacional. Os escritores propunham-se à alfabetização e melhoria das condições culturais do operário, as diversificadas actividades no sector da cultura nacional (SANTILLI, Maria Aparecida. Estórias africanas: história e antologia. São Paulo: Ática, 1985, p.15).
- Jurema José De Oliveira - Pós-Doutoral - FAPERJ / UFF