Por Gustavo Mavie
Desde que a Rádio e Televisão Públicas moçambicanas começaram a transmitir postumamente, no início deste ano, os pedagógicos discursos do primeiro presidente moçambicano, Samora Machel, em celebração à passagem do 25/o aniversário da sua morte que se assinalará a 19 de Outubro próximo, tenho me apercebido que muitos dos que escutam agora essas suas pregações políticas, se acham bastante surpreendidos, pelo facto de que colam, por assim dizer, com os problemas com que tanto os moçambicanos da geração samoriana como as dos dias que correm, se confrontam no seu dia a dia, não obstante ele tenha morrido há um quarto de século, ou há 25 anos já.
Pessoalmente, tenho ouvido alguns dos que contam agora com 25 ou mesmo 30 anos, e que mal o conheceram ou não conheceram simplesmente em vida este líder carismático moçambicano de eloqência verbal e retórica metálica só igual a de outros grandes lideres que marcaram igualmente o último século, como são os casos de Martin Luther King, Fidel Castro e Nelson Mandela, a afirmarem espantados: “como é que os seus discursos são tão actuais que é como se ele estivesse ainda vivo e a ver com os seus próprios olhos, o que se está passando ou afecta o seu País”.
Na verdade, os que assim dizem, têm muita razão, pelo menos quanto a esta constatação de que este Samora que nos está sendo, por assim dizer, trazido de volta à vida pela RM e TVM, acaba imprimindo nas mentes dos que o escutam a sensação de quem está ainda na liderança deste País. Outros vão mais longe ainda, dizendo que para quem não sabe que Samora morreu há 25 anos pode pensar que está ouvindo alguém bem vivinho, porque ele está falando mesmo dos problemas de hoje, quando na verdade trata-se de alguém que apenas está liderando os seus compatriotas postumamente, como eu dizia também num artigo que escrevi a 17 de Abril deste ano. O que está a acontecer de facto, é que ele está falando efectivamente de problemas que no seu tempo eram reais e que, infelizmente, ainda o são hoje, e que, por isso mesmo, fazem com que os seus discursos sejam tão actuais quanto as sagradas escrituras ou textos bíblicos que, embora tenham sido escritos há milénios, se mantêm também tão actuais como a própria humanidade.
Na verdade, como dizia Jesus Cristo, uma análise mais cuidada e sistémica dos discursos de Samora leva-nos a concluir que o que é actual não são esses seus discursos, mas sim, a prevalência, muitas vezes em ponto grande já, dos mesmos problemas que em vida ele tentava resolver, e que não foi a tempo de os sanar totalmente, até que a morte trágica ceifou a sua dinâmica vida a 19 de Outubro de 1996.
De facto, tais problemas persistem e, em muitos casos, não só não foram resolvidos ao longo dos últimos 25 anos que se seguiram depois da sua morte, como alguns se agravaram em função dos novos desenvolvimentos que se foram operando neste quarto de Século que somamos após nos ter deixado, como quando criticava os automobilistas que cometiam excessos de 150 quilómetros a hora de velocidade, e que acabavam sendo o que ele chamava então de assassinos do volante, que agora se espera resolver com a entrada em vigor, semana finda, do Novo Código de Estradas com penas mais pesadas.
Como bem se recordam os que viveram esse tempo de Samora, este problema dos assassinos do volante de que ele falava, não só nunca se resolveu desde lá até hoje, como se agravou muito mais agora. Isto porque quando ele fazia esta acusação, os carros que circulavam nas poucas e estreitas estradas que então tínhamos, contavam-se, por assim dizer, aos dedos das duas mãos, mas já hoje por hoje, a nossa frota automóvel começa ser igual à das grandes cidades com um tráfego infernal, como o são as de Nova Iorque, nos EUA, ou de Xangai na China, e agora as de Maputo e Matola em Moçambique.
Como temos reparado, este aumento de carros nas nossas já aumentadas e dilatadas estradas está sendo replicado pelo aumento ou incremento dos que excedem deliberadamente, por causa da falta da aplicação rigorosa das leis de trânsito, os limites da velocidade e, obviamente, dos automobilistas que fazem das suas viaturas verdadeiras armas de matar inocentes, tornando-os assim nos tais assassinos do volante de que Samora falava e fala agora postumamente.
É preciso notar que quando ascendemos à independência em 1975, e até à sua morte e mesmo até começo dos anos 90, a nossa frota automóvel não passava dos 35 mil veículos em todo o País, mas agora estamos acima dos 350 mil. É, pois, este aumento do tráfego e subsequente aumento do número dos assassinos do volante, como é o caso dos infames chapa-100, que faz com que haja este casamento tão perfeito entre os seus discursos e estas excessivas velocidades e matanças nas nossas estradas, daí que as suas alocuções sejam tão actuais porque apontam problemas ou comportamentos criminosos de ontem que continuam sendo de hoje e, creio, o serão ainda amanhã e depois de amanhã e pelos tempos que virão nos tempos, até ao dia em que as leis em Moçambique forem de facto leis, e não letra morta só para Inglês ver como, dum modo geral, o são ainda infelizmente. Serão actuais porque abordam problemas que ainda não morreram com a sua morte. É como quando a gente lê um certo livro de há 300 ou mesmo 1000 anos que descreve certos problemas da época em que foi escrito, mas que continuam a afectar os viventes de hoje.
Assim acontece para as pessoas que estejam a ler livros que falem da fome quando elas próprias passam fome – encontrarão neles uma realidade real, não obstante tenham sido escritos há centenas de anos. Mas se esses mesmos livros forem cair nas mãos de quem está comendo bem, não lhe dirá nada porque estarão a abordar um não-problema. Assim vale dizer que se os problemas de que Samora falava tivessem sido resolvidos, os seus discursos estariam ultrapassados, porque estaria a falar de algo que já não existia mais. Mas quando fala da corrupção no seio das forças da lei e ordem, da falta do aprumo e da proliferação do lixo nas nossas cidades, acusamos o toque porque estes eram problemas no seu tempo que ainda o são no tal ponto grande de que falo já, porque algumas das nossas urbes poderão figurar no Livro de Recordes ou Guiness Book of Records no que diz respeito à acumulação do lixo.
Para dizer a verdade, e citando agora o grande jornalista radiofónico moçambicano dos tempos que correm, o Emílio Manhique da RM, este Samora que agora evocamos foi um verdadeiro Mestre da Pedagogia da governação, porque muitas das frases que agora se retransmitem, pronunciou-as em aulas públicas que na altura se chamavam comícios populares.
Como dizia num dos artigos que publiquei saudando estas retransmissões dos seus discursos, quem os escuta apercebe-se que ele foi um desses homens que, por mérito próprio, se tornou num legendário que se evocará sempre, como se está a fazer hoje 25 anos após a sua morte, graças ao legado humano que ele deixou, e que continuará a ser válido para as gerações vindouras, mais porque a sua visão profética de um mundo melhor continuará a iluminar a humanidade e a guiar todos aqueles que, como ele, nasceram ou irão nascer também predestinados a serem heróis da promoção dos valores humanos.
Como dizia ainda, lendo as obras e o pensamento político de Samora Machel, pode-se descobrir a sua universalidade tão igual ao que está estampado em obras de outros grandes legendários, como o seu compatriota e ídolo Eduardo Mondlane; o sul-africano Nelson Mandela, o norte-americano Martin Luther King Jr., o cubano Fidel Castro ou mesmo o lendário pensador e autor dos 'Condenados da Terra', Francis Fanon, e mesmo de grandes filósofos da antiguidade como Confucius, cujas obras explicam com precisão os problemas que hoje afectam a humanidade.
Na verdade, as retransmissões que têm sido feitas pelas rádios e televisões moçambicanas dos extractos das inúmeras pregações político-humanistícas de Samora voltam a (com)provar, uma vez mais, que este fundador da Nação moçambicana venceu, de facto, a morte tal como o fez também Cristo, cujas obras se apregoam e encantam milhões, passados mais de 2000 anos após a sua morte.
Como dizia num dos artigos que escrevi há três anos aquando das celebrações do que teria sido, caso estivesse vivo fisicamente, o seu 75º aniversário natalício, em 2008, Samora é um dos maiores legendários do Século XX, e que tal como Mandela, Luther King ou mesmo Cristo, será sempre evocado tanto por nós que o conhecemos como pelas gerações futuras que só estudarão as suas obras como o estão fazendo agora neste ano os que nasceram há 25 anos após o seu desaparecimento físico. Tal acontecerá porque Samora foi e continua sendo de facto uma verdadeira força da natureza, que libertava energia e que tinha um carisma que contagiava milhões de seus compatriotas, fazendo com que agissem também por sua conta e risco em busca do que de mais sagrado há para qualquer humano, que é a dignidade e ter uma vida condigna.
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AIM – 26.09.2011