CRÓNICA de: António Nametil Mogovolas de Muatua
A minha muito inteligente, didáctica, competente e lindíssima (1) virginal solteirinha professorinha da Escola Primária Oficial de Muatua, Maria Fernanda Nogueira da Costa Morgado (ficou com este apelido porque deixou, para ciúmes dos seus aluninhos, Muatua, porque rumou para a Cidade de Nampula, aonde se foi casar com o então edil daquela urbe, o Dr. José Miguel da Fonseca Morgado, que substituiu naquele cargo o Sr. Pedro Baessa), ensinou-me, em 1958, e mais tarde, em 1972, o meu professor de filosofia reconfirmou, que nunca devo utilizar um conceito sem, previamente, o definir de modo que os meus interlocutores me entendam.
Assim sendo, soa oportuno perguntar o que é uma Estátua? Uma estátua é o produto final de uma escultura. E a escultura é a arte de tentar representar (eu não disse copiar, nem clonar), com o máximo de fidelidade, semelhança e verosimilhança possíveis, divindades, pessoas e objectos tangíveis e imagináveis em imagens plásticas em relevo total ou parcial. Existem várias técnicas de trabalhar os materiais, como a cinzelação, a fundição, a moldagem e a aglomeração de partículas para a criação de um objecto.
Vários materiais como a pipeta se prestam a esta arte, uns mais perenes como o bronze ou o mármore, outros mais fáceis de trabalhar, como a argila, a cera ou a madeira. Embora possam ser utilizadas para representar qualquer coisa, ou até coisa nenhuma, tradicionalmente o objectivo maior foi sempre representar o corpo humano, ou a divindade antropomórfica. A escultura é considerada a quarta das artes clássicas e é tão antiga quanto o próprio homem, seu cultor.
Mas hoje não vou falar de uma estátua qualquer, vulgar, dessas que se vêm por aí com facilidade. Trata-se da estátua daquele Grande Homem que nos ensinou que a “pobreza não deve ser uma sentença de prisão perpétua” pelo que em ambiente de Unidade, Trabalho e Vigilância deveríamos lutar para trazer o desenvolvimento económico e social para todo o Povo. E este era o foco principal da luta sempre travada pelo Presidente Samora, ora eternizado ou imortalizado ou com perenidade naquela estátua feita de bronze.
Vou falar da estátua daquele jovem camponês que libertou uma vaca das mandíbulas assassinas de um crocodilo e que, em tenra idade, matou com as mãos uma cobra gigante e venenosa.
Escrevo sobre uma estátua rara que já está a provocar romarias de populares que se deslocam à Praça Samora Moisés Machel, perdão, Praça da Independência para ver o nosso sempre Presidente Samora Moisés Machel, muito querido, por isso eternamente chorado por todo o povo. Falo da estátua daquele jovem de Chilembene de corajosa rebeldia ante a ordem católico/governamental/colonial estabelecida.
Ele modificou o mapa da geografia política do mundo. Com a sua voz grave e bem timbrada, foi o primeiro não português a discursar na língua portuguesa na Cimeira dos Chefes de Estados das Nações Unidas no Palácio de Vidro em Nova Iorque e, várias vezes, usou aquele mesmo areópago para exigir a libertação do Povo de Timor-Leste do jugo indonésio. Bateu-se contra um País africano que queria perpetuar um colonialismo continental e regional.
Exigiu, contextualizado pelo seu internacionalismo militante contra o imperialismo, o fim do bloqueio contra um país amigo das Caraíbas. Ainda com um exército regular em formação, não teve medo de dar apoio incondicional à causa do Zimbabwé. Ajudou a estabelecer a ordem constitucional perturbada no Uganda. Bateu-se pela libertação da Namíbia. Não descansou enquanto não viu o apartheid apeado e o outro grande africano, nacionalista como ele, o Presidente Nelson Mandela, fora da Ilha-Prisão de Roben.
Internamente, idealizou as aldeias comunais - os kolkhozes (2) ou kibuzim (3) moçambicanos - forma avançada de organizar o povo disperso para que, de forma eficaz e com custos racionalizados, o Estado providenciasse toda a assistência social às populações ora dispersas umas das outras com largas distâncias entre elas. E alguns de nós, seus compatriotas, sem pretendermos estudar, a fundo, o pensamento económico, político e social de Samora Machel, papagueamos vilipêndios gratuitos contra os méritos das Aldeias Comunais. É por isso que se diz que a ignorância é sempre atrevida!
Não quero ousar proferir a heresia de dizer que Machel foi o Homem mais famoso do último século. Mas pela sua singularidade posso afirmar, sem medo de errar, que ele foi um dos 100 homens mais famosos do último milénio. Sem o imperialismo e o militarismo conquistador de um Napoleão Bonaparte, Machel teve a visão de enfrentar, com invulgar coragem, o imperialismo e o militarismo do século passado.
Mas os bons Homens duram pouco tempo. Assim o diz um dos livros de História mais antigos do mundo, a Bíblia. Por causa desta verdade axiomática, Jesus Cristo, um Homem Bom, que viveu no primeiro milénio da nossa era, foi assassinado aos 33 anos de vida.
O país global – real, formal e o fictício – preparou-se para celebrar com pompa, circunstância merecida e bastante apoteose, os 25 anos sem o nosso Marechal Samora Moisés Machel, primeiro Presidente da República Popular de Moçambique, assassinado aos 19/10/86. Há compatriotas que não gostam que eu use a expressão “assassinado” sugerindo-me que, em seu lugar, eu diga, falsa, hipócrita e eufemisticamente, “falecido”. Os nossos companheiros do Brasil é que são mais felizes na utilização de expressões neologistas no seu sentido. Se fossem eles diriam que “morreu de morte matada” (diferente da “morte morrida” = morte natural), evitando assim utilizar a expressão mais pesada de “assassinado”.
O nosso Estado e Governo, mandatados pelo Povo, ofereceram ao País uma expressiva e gigantesca estátua do nosso herói, que dizem os entendidos ser maior que a existente no Mandela Square no economicamente efervescente e luxuoso Bairro de Sandton, na cidade de Johannesburgo, na RSA, até o dia 19/10/11 considerada a maior estátua no nosso continente ao sul do Equador.
E a prevista festa rija aconteceu no país. Um Homem, com “H” grande de Herói, estava sendo homenageado.
Imortalizou-se o já imortal Samora.
Samora já está merecidamente bem estatuado. O grande povo moçambicano revê-se naquela estátua. A família vê a sua ferida não mitigável pela perda do Homem e do seu pai quase (?) consolada naquele monumento artisticamente bem concebido e concluído com génio, amor e carinho. Nossos amigos Presidentes, Chefes de Governos dos Estados vizinhos e até atlanticamente longínquos (a Dilma do Brasil veio num dia e regressou no seguinte) fizeram questão de vir dizer “Bayêtê, Hossi Machel – Viva, Majestade, Rei Machel”.
Aquela estátua de bronze sobre betão ornado de mármore de Cabo Delgado (lá onde a guerra de libertação nacional também começou e esmagou, com este mesmo Samora, a operação Nó Górdio do General Kaúlza de Arriaga) tem História real deste nosso Povo. A cada moçambicano que por ali passa, aquela estátua dirige uma palavra de ordem, um conselho, uma orientação, para serem cumpridos.
Eu, como pessoa, gosto pouco de estátuas. As que existiam no tempo colonial, hiperbolizando os efeitos dos nossos colonizadores, deixavam-me triste porque elas simbolizavam os nossos avoengos ancestrais oprimidos, roubados, chibatados, chibalados, escravizados e exportados para o além-mar, sem retorno, como mercadorias. Uma estátua de um herói colonial deprimia a qualquer compatriota nosso.
E aquela nossa estátua deixa-me muitíssimo triste porque no lugar dela eu preferia ver o nosso irrequieto, irreverente, corajoso Samora ali naquela praça, com sangue quente fervendo-lhe nas veias, gritando linhas de acção e palavras de ordem para o povo cumprir.
Foi naquela praça que ele desafiou o bóer a vir morrer com uma picaretada na cabeça. Como faz saudades quando cantando “kanimambo Frelimo”, agradecia ao povo por se ter engajado na ofensiva política e organizacional e assumido aquela iniciativa como tarefa de todos nós.
Quando a estátua inanimada de vida pretende substituir o nosso Herói bárbara e prematuramente subtraído do nosso convívio, deixa-me triste. Eu – falando fundo com o meu coração – preferia ter o Homem, o nosso Herói vivo. É utopia. São saudades do nosso Grande Mestre.
Regresso à estátua e também me revejo nela. Revejo-me naquela enorme peça de bronze que faz com que os meus netos aprendam a amar Samora.
Boa noite.
Eu quero chorar.
Mas não posso nem devo chorar.
Porque o meu neto precisa de saber que chorando não vamos conseguir cumprir com as sábias orientações de Samora. E é preciso, também, ensinar ao meu neto que, como seres humanos civilizados nunca deveremos embarcar para o vil sentimento da vingança, porque a melhor forma de agradarmos a alma de Samora é em Unidade, com muito Trabalho e Vigilância prudencial libertarmo-nos da pobreza que ainda nos oprime no nosso País.
Maputo, aos 21 de Outubro de 2011 (neste dia, em 1974, na então Cidade de Lourenço Marques houve tumultos, que resultaram em centenas de mortes, provocados por soldados comandos portugueses, que, inconsoláveis com a derrota já crismada com a assinatura dos Acordos de Lusaka – 07/09/1974 - e com a tomada de posse do Governo de Transição – 20/09/1974 - espancaram uma criança trajada de uma camisete da FRELIMO, no Café Scala).
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(1)- Os primeiros impulsos libidinosos instintivos, ingénuos, puros, bonitos e inocentes de uma criança do sexo masculino manifestam-se para a mãe, professora, empregada, colega de escola e para toda aquela pessoa do sexo oposto que lide com ela, com carinho, quotidianamente de forma continuada ou permanente – uma das muitas manifestações do complexo de Édipo.
(2)- Kolkhozes - Fazendas colectivas na ex-URSS existentes em aldeias e organizadas sob a forma de cooperativas de camponeses, reunidos com base no voluntariado para administrar uma grande propriedade agrícola com base na socialização dos meios de produção e no trabalho colectivo.
(3)- Kibuzim - É uma forma de colectividade comunitária do Estado de Israel e que tiveram função essencial na criação do Estado judeu. Combinando o socialismo, o sionismo no sionismo trabalhista, os kibutzim são uma experiência única israelita e parte de um dos maiores movimentos comunais seculares na história. Os kibutzim foram fundados numa altura, tal como ocorre hoje em Moçambique, em que a lavoura individual não era prática. Forçados pela necessidade de vida comunal e inspirados por ideologia socialista, os membros dos kibutzim desenvolveram um modo de vida em comunidade que atraiu o interesse de todo o mundo.
Bibliografia:
· ARPAC – Samora Machel, História de uma vida dedicada ao povo moçambicano.
· Google, Internet – 21 de Outubro de 2011. Machel, Samora Moisés – Fazer da escola uma base para o povo tomar o poder.
WAMPHULAFAX – 26.10.2011