Muhamud Matsinhe, da AIM
Um amigo que trabalha no sector da Agricultura na Zambézia, Centro de Moçambique, disse me que aquela província possui cerca de 20 mil professores, cinco mil enfermeiros e apenas 68 extensionistas agrícolas.
Estes números representam, em miniatura, o quadro de investimento público em todo o país, onde a agricultura aparece como sendo um dos sectores com orçamentos mas baixos, apesar desta tendência estar a inverter-se nos últimos anos.
Igualmente, estas disparidades na distribuição de recursos por sectores explicam os maus resultados da Agricultura, actividade considerada base de desenvolvimento e que constitui base de sobrevivência de cerca de 70 por cento da população nacional.
Ao todo, Moçambique conta com cerca de 800 extensionistas, o que está muito abaixo das necessidades do país.
Há uma corrente capitalista que defende a concessão de extensas áreas de terras a grandes investidores, sobretudo os provenientes de países “sérios” na Agricultura, em detrimento dos pequenos camponeses nacionais.
Nas suas teorias, esses pró-capitalismo afirmam que os pequenos camponeses que, na sua opinião, desperdiçam a terra, poderão ganhar empregos proporcionados por grandes projectos agrícolas e com isso garantirem a sua sobrevivência.
Por mim, essa é uma proposta de solução preguiçosa, menos sonhadora e que pode concorrer para o agravamento da marginalização dos pequenos camponeses que, apesar de falta de devida assistência do Estado, conseguem, bem ou mal, produzir alimentos para este país.
Aliás, eles produzem comida até para a exportação, só que o Governo não sabe as quantidades, porque essas culturas, que incluem cereais e hortícolas, saem do país através do circuito informal, sem o devido controlo das autoridades.
Afirma-se que Moçambique é auto-suficiente em diversos produtos agrícolas, incluindo mandioca e amendoim e isso é graças a esses pequenos camponeses. As razoes da escassez destes produtos no mercado nacional não devem ser imputadas aos produtores.
Como dizia Momed Valá, director nacional da Agricultura, os agricultores já fizeram a sua parte.
“A agricultura já fez o seu papel. O resto que acontecer tem que ser de forma mais integrada e não isoladamente. A melhor estrada tem de estar lá no campo para o escoamento da produção, haver menos perdas pós-colheta, o agro-processamento, a comercialização…”, disse, respondendo a uma pergunta sobre porque escasseiam, em alguns mercados, mesmo os produtos em que o país se afirma auto-suficiente.
Essencialmente, são esses aspectos que precisam de ser melhorados e Moçambique não está em altura de exigir maiores resultados, quando o orçamento agora alocado à Agricultura constitui apenas oito por cento de toda a despesa pública nacional.
E mesmo essa percentagem constitui uma das mais recentes melhorias, porque, há quatro anos, o orçamento canalizado a este sector estava abaixo de cinco por cento de toda a despesa pública nacional.
Mas o problema não se resume apenas na falta do investimento público na Agricultura, uma vez que nem os privados estão motivados a investir nessa área. Basta dizer que, neste momento, o crédito à Agricultura constitui apenas cerca de quatro por cento do total dos financiamentos bancários.
Agora dizer que a solução disso é conceder as terras a investidores “sérios” não é correcção do problema, mas sim adiamento da solução e agravamento da marginalização daqueles cuja sobrevivência depende exclusivamente da agricultura.
O Estado tem de fazer investimentos sérios na Agricultura, a semelhança do que faz, pelo menos em termos de orçamento e incentivos a investimentos privados, na Educação e na Saúde. Aliás, antes de ser uma actividade económica, a agricultura tem também uma componente social, uma vez ser responsável pela sobrevivência das pessoas.
É preciso encontrar formas de transformar o camponês em “homem de negócios”, através da criação de formas que tornem a actividade mais atractiva, como diz o presidente da Aliança para uma Revolução Verde em África (AGRA), Namanga Ngongi.
Momed Valá defende a melhoria de toda a lógica da cadeia de valores. “Hoje, vai ao mercado, compra um pacote de top score (farinha de milho) custa 30 a75 meticais (um a dois dólares), vai comprar o grão, o milho, a matéria-prima dessa farinha de milho, custa três a quatro meticais. Então, há um fosso muito grande e esse fosso só pode ser resolvido, com melhor agro-processamento, melhor comercialização...”, considera ele.
Entretanto, a solução disso não passa apenas por transformar o camponês num mero empregado de um farmeiro brasileiro, indiano ou sul-africano. É, sim, através do empoderamento do camponês moçambicano com meios, assistência técnica e criação de políticas que tornem a sua actividade mais atractiva.
Do mesmo modo que o Governo incentiva o empreendedorismo na área das tecnologias de informação e comunicação, comércio e indústria, também deve impulsionar o desenvolvimento de iniciativas de negócios na agricultura.
Geralmente, a primazia aos grandes investidores leva à marginalização dos pequenos agricultores. Tal pode acontecer em termos de investimentos, políticas, gestão da terra, entre outras questões.
Além disso, o conceituado economista Jeffrey Sachs defende que investindo em pequenos agricultores, há maiores rendimentos para a população, uma vez que há melhorias na saúde infantil, segurança alimentar, educação, entre outros sectores.
Em Moçambique, até agora, as experiências de postos de trabalho na agricultura para pequenos camponeses são amargas. Primeiro porque, quando se trabalha no patrão, dificilmente sobra tempo para gerir uma outra machamba própria.
Mas, mesmo tendo uma machamba pessoal, geralmente, esta é uma porção do que acontece em todo o resto do país: não tem financiamento, irrigação, fertilizantes e é vulnerável a seca.
Por outro lado, os salários pagos neste sector são dos mais miseráveis do país, que são de dois mil meticais (o equivalente a 74 dólares).
E o pior de tudo, é que, em alguns subsectores da agricultura, o emprego só abunda na época da colheita e a maior parte do ano, os camponeses ficam em stand by.
MM/dt
AIM – 22.10.2011