Economicando
Por João Mosca
As instituições em sentido amplo, significam um conjunto de factores/elementos normativos (cultura, religião ideologia, psicologia, etc.), que interferem nos comportamentos das pessoas, nas organizações (burocracias), na forma de estruturação da economia e da política. A economia institucional tem como objectivo estudar a relação destes factores com a economia (desenvolvimento, crescimento, estrutura e reacções dos mercados, comportamentos dos gestores e consumidores, desempenho e orientação das burocracias públicas, privadas e da sociedade civil, influência da culturas, religiões etc.).
Neste texto o autor limita o objecto de análise das políticas e das burocracias públicas da agricultura em Moçambique durante os últimos anos.
O que se tem verificado? Em resumo destaca-se:
Existiram políticas agrárias muito diferentes e com variações pendulares de grande amplitude (socialização, liberalização caótica, biocombustíveis e jatropha, PEDSAs (Plano Estratégico de Desenvolvimento do Sector Agrário), PAPA e revolução verde, irrigação, extensão rural, etc.
Em grande parte dos documentos, breves análises são suficientes para revelar elementos de incoerência (ou mesmo contradição), descontinuidade e pouca consistência conceptual, metodológica e teórica.
A orgânica das burocracias é permanentemente alterada. Juntam-se e separam-se mandatos incluindo ministeriais e entre ministérios, mudam-se competências, alteram-se níveis hierárquicos de direcções nacionais, institutos e departamentos, etc.
Centraliza-se e descentraliza-se em ambos os casos de forma pontual, descoordenada e desconexa, separam-se competências territoriais criando rupturas entre centros de decisão que funcionalmente deveriam estar intimamente relacionados.
Mudam-se frequentemente pessoas dos seus cargos e são muitas vezes nomeados dirigentes aos diversos níveis sem critérios de mérito, conhecimento, percurso profissional e formação adequadas. São os critérios de confiança política e pessoal, eventualmente compensações de compromissos diversos. Nestas condições a incompetência é uma consequência natural.
Não menos grave, apagam-se as experiências, positivas e negativas. Tudo o que é passado parece ser propositadamente esquecido. Os arquivos mal arrumados ou mesmo atirados ao acaso, são deixados à deterioração do tempo e dos ratos. Muitos deles e alguns importantes, arderam nos incêndios do Ministério da Agricultura ou estragaram-se com o alagamento das caves do edifício. A experiência e conhecimento das pessoas que vão saindo das burocracias da agricultura, são simplesmente ignoradas. Cada “chefe” que chega quer fazer tudo de novo, novas coisas, como se fossem os bandeirantes de moda. Quando alguém que já esteve no aparelho de Estado se revela disponível em colaborar recebe em resposta um simpático mas cínico sorriso e a frase de que vamos ver como colaborar para, alguns meses ou anos depois de nada acontecer, até se virar a cara para não se cumprimentar.
O que revela tudo isto?
Primeiro, manifesta ausência de uma política estável e de longo prazo, assumido por um governo independentemente dos actores políticos e técnicos. Cada um quer fazer o que pensa ser mais ajustado e melhor, muitas vezes de forma impetuosa e quase sempre sem estudos e análises aprofundadas, mas cheias de emoções e convicções que escondem a maior das inseguranças e desconhecimento.
Segundo, por parte dos dirigentes aos diferentes níveis, demonstra falta de à vontade no debate, na discussão e no contraditório, incapacidade de mudar de decisão e de aceitar alterações às convicções não fundamentadas. Receia-se a competência, o conhecimento, o mérito e o prestígio de quem voluntariosamente prestou serviços à agricultura sem retorno materiais.
Terceiro, em relação aos subordinados aos diferentes níveis (incluindo os dirigentes de níveis inferiores quando se relacionam com o escalão superior), é evidente o “medo social” a subserviência, a baixa iniciativa e criatividade esperando das “ordens superiores” ou de “ser chamado” pelo chefe, numa evidência carreirista, de “escovismo” primário e falta de carácter.
Quarto e em resultado dos dois pontos anteriores, implanta-se ou persistem formas de direcção centralizadas, fortemente hierarquizadas e de relações de tipo para militar.
A ausência e/ou as mudanças de políticas, a instabilidade orgânica e do pessoal, os métodos de direcção e o relacionamento profissional, não são contraditórios com o desempenho da agricultura durante as últimas décadas. A redução da produção agrícola per capita; a continuidade de baixos rendimentos e da produtividade; o aumento do número de pobres, principalmente devido à alimentação (nutrição), a perda de fertilidade dos solos, a perda de capital fixo produtivo (regadios, plantações de chá, copra, citrinos, etc.), a rede comercial rural em ruínas, o crescente défice a balança comercial alimentar, etc.
No entanto, certos dirigentes quando saem das suas funções obtiveram patrimónios directamente relacionados com as actividades/funções que desempenharam no aparelho de Estado. Por exemplo, alguns tornam-se grandes criadores de gado. Significa que o funcionário, através do Estado, é uma mistura de servidor da coisa pública e um homem de negócios privados e de obtenção de património e riquezas. O problema não está em conhecer o saldo entre o “servidor” e o corrupto. A questão é que o funcionário é um servidor da causa pública, tem de possuir conflito de interesses entre as suas funções enquanto trabalhador do Estado pago pelo cidadãos e a actividade privada e pessoal. Tem de ter conduta ética de acordo com a profissão e deve preocupar-se com a sua competência.
Analisar em que medida as mudanças político/administrativas influenciaram o desempenho da agricultura, mereceria análises mais aprofundadas e tratamentos estatístico/matemáticos que suportariam conclusões mais consistentes. Mas o certo é que a instabilidade não é contraditória com o mau desempenho da agricultura, sobretudo na produção alimentar realizada na quase totalidade pelos pequenos produtores. Seria necessário ver os níveis de influência e provar se o contrário da formulação é falso, isto é, se a instabilidade pode estar relacionada com melhor desempenho.
A lição destes factos é simples: é urgente haver uma política agrária do governo e não do Ministério da Agricultura (ou de cada ministro), que perdure no tempo independentemente dos actores políticos, é preciso aceitar tomar decisões fundamentadas e não somente politizadas, há necessidade de democratizar e profissionalizar o aparelho de Estado, é importante que a prestação de contas seja efectiva e com consequências, impõe-se responsabilidade aos que se enriquecem no exercício de funções públicas e sem respeito por princípios básicos de ética (independentemente de uma lei de conflitos de interesses). É sobretudo necessário que o aparelho de Estado da agricultura veja os camponeses, os pobres do meio rural, a natureza, os recursos naturais e a transformação estrutural do sector agrário como seus objectivos principais.
E de agricultura nem todos percebem. É preciso conhecimento, experiência e ter sujado as botas com “matope” das machambas. Ser “chefe” não está directamente relacionado com conhecimento.
Um chefe autista e sem conhecimento torna-se incompetente. Sendo “chefe” quer que as ordens, acertadas ou não, sejam cumpridas, tornando-se num autoritário.
As instituições são sem qualquer dúvida um factor fundamental do desenvolvimento. Não é o que alguns economistas tecnocratas afirmam que “quando não se sabe explicar a economia através da análise puramente económica, então diz-se que é um problema cultural”.
SAVANA – 25.11.2011