Má gestão na companhia aérea moçambicana?
Por Francisco Carmona
As Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), a companhia de bandeira, registaram um prejuízo de 133.165 mil meticais no exercício económico de 2010 (USD5 milhões ao câmbio de 27 meticais), contra um ganho de 6.226 mil meticais (USD230 mil) alcançado em igual período anterior, indica o relatório de demonstrações financeiras de 2010 a que o SAVANA teve acesso.
Com um capital social de pouco mais de 708 milhões de meticais, a LAM é detida em 95% pelo Estado, contra 5.0% subscritos pela Vintelam S.A, firma controlada pelos gestores, técnicos e trabalhadores da companhia.
A LAM, agora liderada por Teodoro Waty, membro da Comissão Política da Frelimo, continua a ser protegida pelo Estado que usa de todos as artimanhas para manter a exploração de rotas em regime de monopólio.
A tecnicamente falida Air Corridor sempre acusou o Estado de lhe fazer vida negra e de ter concorrido para a sua falência.
A LAM, tal como outras companhias públicas e privadas, conseguiu durante largos períodos esconder as suas mazelas de gestão atraves de uma política agressiva de comunicação e imagem junto da opinião pública. Aliás, em entrevista que o ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula, concedeu semana passada ao SAVANA, confirmou que há sérios problemas de gestão na LAM.
A título ilustrativo, foi desastroso o negócio do voo para Lisboa. A LAM teve que cancelar o acordo com a Air Seychelles por que já sabia que Moçambique ia ser penalizado e o charter com a actual companhia também não se revelou vantajoso.
O SAVANA apurou que em breve o acordo vai ser suspenso por completo. Esta segunda-feira, a Comissão Europeia anunciou a sua intenção de manter o espaço aéreo europeu encerrado para a LAM e outras companhias do país. Isto acontece depois de em Abril de 2011, os europeus terem decretado a proibição de voos da LAM, baseando-se num relatório pouco simpático para Moçambique da Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO).
Rendimentos financeiros
Os rendimentos financeiros da empresa também registaram uma queda de 1.700 mil meticais, ao fixarem-se em 2010 nos 69.7 milhões de meticais. Nos rendimentos financeiros, a maior queda assistiu-se nas diferenças cambiais, onde a LAM obteve em 2010 um ganho de 50.9 milhões de meticais, contra 59 milhões alcançados em 2009. Porém, os dividendos obtidos registaram um crescimento ao saírem dos 11.7 milhões de meticais em 2009 para 16.3 milhões de meticais em 2010.
Segundo o documento, o total de activos atingiram os cerca de 4.8 mil milhões de meticais em 2010, um crescimento de cerca de um bilião de meticais em relação ao anterior.
No entanto, os passivos fixaram-se nos cerca de 4.7 mil milhões de meticais, contra 3.9 mil milhões de 2009. É preciso notar que estas contas referem-se ao exercício de 2010, altura em que o boss da companhia era José Viegas. Viegas cessou funções a 22 de Abril deste ano. Teodoro Waty foi indicado PCA da companhia e Marlene Manave, administradora delegada.
Dívidas aos fornecedores
A rubrica dos saldos com os fornecedores da LAM duplicou no exercício de 2010, em comparação com 2009.
Até 31 de Dezembro de 2010, a LAM registou saldos com fornecedores de 681.3 milhões de meticais, contra 362.5 milhões de meticais de 2009.
Várias empresas que têm relações comerciais com a LAM têm sistematicamente se queixado da falta de pagamentos dos seus serviços por parte desta companhia, o que tem trazido dissabores à tesouraria.
A título de exemplo, com a Petromoc, empresa estatal de fornecimento de combustíveis e lubrificantes, está registada no relatório uma dívida de cerca de 124 milhões de meticais, contra 22.3 milhões de meticais de 2009.
O SAVANA sabe que os gestores da Petromoc chegaram a ponderar, em Maio deste ano, o corte do fornecimento de combustíveis e lubrificantes às aeronaves da LAM, mas tal ameaça não chegou a se concretizar porque iria provocar o colapso da companhia.
As dívidas da LAM com os fornecedores não param por aqui. Aos Aeroportos de Moçambique, a LAM deve 110.3 milhões de meticais, praticamente o dobro do igual período anterior.
À BP Moçambique o relatório da LAM tem um registo de uma dívida avaliada em 52.8 milhões de meticais, contra 25.6 milhões de meticais do exercício anterior.
Ganhos dos administradores
Os gastos com os 706 empregados da LAM também registaram crescimentos no exercício de 2010 em comparação com 2009 ao fixarem-se nos 408.5 milhões de meticais, contra 386.8 milhões de meticais de 2009, altura em que a companhia tinha 697 trabalhadores.
A remuneração com a administração foi de 14.6 milhões de meticais (USD540.7mil) em 2010 , contra 14.2 milhões de meticais de 2009. Com os colaboradores a LAM gastou cerca de 293.3 milhões de meticais, face aos 286 milhões de meticais despendidos no exercício de 2009. Os gastos com as ajudas de custos registaram uma queda ao fixarem-se nos 9.3 milhões de meticais, depois de terem estado nos 11.7 milhões de meticais em 2009.
Mas em contrapartida, os subsídios registaram um incremento ao atingirem os 36.5 milhões de meticais, uma subida em cerca de seis milhões de meticais em relação ao igual período anterior.
Por outro lado, a LAM gastou cerca de 22.3 milhões de meticais em responsabilidade social, onde a parte do leão (15.7 milhões de meticais) foi canalizada ao clube de desportos da Maxaquene a título de patrocínio.
Caixas e bancos
O relatório sobre as demonstrações financeiras da LAM em 31 de Dezembro de 2010 indica igualmente que a companhia possui em caixa e bancos um saldo em dólares equivalente a 21.3 milhões, uma queda de pouco menos de dois milhões de dólares em relação ao igual período anterior. O saldo em caixa e bancos em euros também registou uma redução em relação ao idêntico período anterior ao fixar-se em 6.9 milhões, contra 7.2 milhões. Em meticais também se registou descidas. O saldo de 31 de Dezembro de 2010 era de pouco mais de 15.2 milhões de meticais, contra 17.6 milhões de igual período de 2009. A única moeda onde se registou ganhos foi em randes. O saldo de 31 de Dezembro de 2010 foi de 18.9 milhões, face a 16.8 milhões de 2009, uma subida em cerca de dois milhões.
Empréstimos desvantajosos?
Segundo o documento que temos estado a fazer referência, a 19 de Fevereiro de 2009, a LAM foi ao BCI buscar um financiamento que não especifica para a aquisição de duas aeronaves, formação de pilotos, aquisição de peças sobressalentes e formação de técnicos de manutenção. Até 31 de Dezembro de 2010 a dívida que se encontra registada no BCI é USD 95 milhões.
Contudo, fontes bem colocadas da empresa fazem notar que a compra dos aviões não se revelou completamente vantajosa. Ao que apurámos, os Q400 que estavam parados quando foram comprados têm sido sujeitos a longas e custosas manutenções e os Embraer têm que fazer manutenção no Brasil, o que também é muito custoso. A LAM possui dois Embraer e três Q400.
No entanto, o documento em nossa posse nota que no exercício de 2010, a LAM introduziu tarifas promocionais, tendo originado um maior fluxo de movimentação a nível nacional, bem como o aumento de frequências de voos domésticos (Lichinga e Tete voos diários e para Vilanculos e Inhambane a partir de Joanesburgo) , regionais (para Nairobi e Luanda) Assistiu-se igualmente ao aumento dos preços dos bilhetes em 10% para as rotas domésticas e 12% para regional e contribuição em code-share com a Kenya-Airways, num esforço para rentabilizar o investimento realizado na compra das aeronaves Q400 e Embraer . Estes esforços, segundo o documento, resultaram no acréscimo do número de passageiros face a 2009, de 468.626, para 539.046.
Outros empréstimos
A 21 de Maio de 2004, a LAM foi ao millennium bim contraír um empréstimo no valor de USD 4.0 milhões para a reparação do Boeing 767, incluindo o respectivo motor de que a companhia é proprietária. Este financiamento foi concedido pelo prazo de 10 anos. O reembolso será efectuado numa única prestação, cujo vencimento ocorrerá no último dia do prazo de duração do financiamento, o que coincidirá com a data de pagamento da última prestação de juros. A 31 de Dezembro de 2010 encontra-se em dívida 130 milhões de meticais (USD4.8 milhões ao câmbio de 27 meticais).
A 18 de Dezembro de 2005, os gestores da LAM foram novamente ao millennium bim contrair um empréstimo
de um milhão de dólares com a finalidade de financiar o projecto de reestruturação da força de trabalho e recursos humanos. A 31 de Dezembro de 2010 encontra-se em dívida 36.455.137 meticais (USD1.350 mil ao câmbio de 27 meticais).
Entretanto, o relatório aponta que a 31 de Dezembro de 2010, a empresa é arguida em diversos processos judiciais, com potenciais indemnizações de 2.744.727 meticais, as quais se encontram integralmente provisionadas.
A 7 de Maio de 2007, a LAM foi ao maior banco comercial do país buscar um crédito de 53.710 mil meticais (cerca de USD 2.0 milhões), com o objectivo de apoiar a reestruturação financeira da companhia. Este empréstimo será liquidado de uma única vez, apresentando uma maturidade de cinco anos.
A 13 de Novembro de 2007, a LAM foi endividar-se em 13.755.850 meticais (USD 500 mil) no mesmo banco para a aquisição de um imóvel, que o relatório não especifica. A 31 de Dezembro de 2010 encontra-se em dívida 12.960.185 meticais (USD 480 mil) resultante desta operação.
A 26 de Novembro de 2009, a LAM foi ao banco ABC contrair um empréstimo no valor de um milhão de dólares, com o objectivo de aquisição de equipamentos. A 31 de Dezembro de 2010 encontra-se em dívida USD926 mil.
SAVANA – 25.11.2011