Mais um “iceberg” de falsidade na História de Moçambique
Sobre Gungunhana, há testemunhos que duvidam da sua estatura e heroísmo.
“Vai-te embora, seu abutre, que dizimavas as nossas galinhas”, escreveu Raul Bernardo Manuel Honwana sobre o que dizia o Povo quando Gungunhana era aprisionado pelas tropas portuguesas.
Adelino Timóteo
A batalha de Coolela, ou seja, de Gwaza Muthine, cuja celebração do seu 117.0 aniversário se celebrará a 2 de Fevereiro de 2012, é tida como a mais emblemática e arrojada batalha em Moçambique contra a dominação colonial portuguesa, de acordo com o relevo que anualmente os sucessivos Governo da Frelimo lhe têm conferido.
Procurando entretecer as várias linhas e iluminando as zonas de penumbra, o Canal de Moçambique apurou que à escolha de Gwaza sobrepõem--se razões puramente tribais.
Este facto tem o seu fundamento numa ala regionalista sul, que domina o partido Frelimo, em cujas nuances se destacam o obcecação pelo poder.
“O nacionalismo (chamemos-lhe antes proto-nacionalismo) brotou no Centro e Norte, antes do Sul. Nunca vi esta tese defendida pelas oficinas de História oficiais”, segundo uma entrevista do falecido escritor moçambicano, Aníbal Aleluia, ao também escritor nacional Nelson Saúte, a qual consta no livro “Os Habitantes da Memória” (de Saúte).
Segundo Aleluia, esse escritor culto, “o berço da resistência anti-portuguesa não é Gaza, como se convencionou oficialmente por razões que me parecem tribais, mas Angoche onde desde do tempo de Mogossurima, no século XVII, até ao sultanado de Farley, já no limiar deste século, os sultões cotis, de origem quiloana, opuseram-se à Cruz”.
A personagem central é Muça bin-aufo-Suahib, Namuli de seu nome de guerra. Um Mcóti para as gentes da praia, ou Muça, conforme Aleluia.
“Muçá derrotado pelos Macololos e pelos Vaz-dos-Anjos aliados a muzungos Mpassue (João Bonifácio Alves da Silva), no regresso do noroeste saqueia aringas do Errive e Bajone do prazo do João Bonifácio, arrasando tudo.
O Prazeiro, seis anos depois invade Angoche e encontra a morte durante a travessia da vau de Quíloa, mas Muçá perde a batalha”, disse Aleluia.
O comandante do exército Magangeiro, Mateus o Grande, aprisiona a esposa, quatro filho e a irmã caçula do sultão e leva-os para a Ilha de Moçambique, cujo governador os vende aos esclavagistas das ilhas índícas.
Há ainda de acordo com o escriba de “M’belele e Outros Contos”, o facto de Muçá ter aprisionado a guarnição portuguesa de parapato para fazer reféns a fim de resgatar a família por ter confiado os prisioneiros aos filhos que, no entanto, os manda executar na ausência do pai o qual, ao regressar dando se conta da atitude do jovem submete-o ao julgamento que o condena à pena capital “por desobediência”.
Mas há mais incidentes.
Ele sustentou que “Muçá foi a principal barreira contra a ocupação da Macuana pelos portugueses, a única força que deteve e reteve no Ibo e na Ilha de Moçambique durante muitos anos”.
Sobre Gungunhana, há testemunhos que duvidam da sua estatura e heroísmo. Por exemplo, Raul Bernardo Manuel Honwana, escreve que o rei vatswa tinha três mil soldados quando o aprisionaram em 1895.
Honwana regista a indiferença dos populares à sua detenção: “vai-te embora, seu abutre, que dizimavas as nossas galinhas”.
Enquanto oficialmente Gungunhana é tomado por herói, populares há que o repudiam, como atestaram há alguns anos as cenas de vandalismo ao lugar onde foi erguido um monumento seu em Marracuene, esse várias vezes apeado.
“Do mesmo modo se questiona que o nomeiem herói quando se sabe que este celebrou um acordo com os portugueses, ao qual Portugal lhe pagava dinheiro como militar do seu exército. Assim, se Gungunhana é herói, então Matsangaíce que teve sua retaguarda na Rodésia de Ian Smith há-de sê-lo também. De contrário, é tribalice”, conforme análise de um cidadão identificado por José Félix, professor primário numa escola algures na Beira.
“Numa relação de causa e efeito, Matsangaíce seria herói mais por mérito próprio do que por conveniência ideológica ou tribal. Como se vê, a história acabou por atribuí-lo a devida razão, isto é, a Frelimo sujeitou-se a sentar com a Renamo à mesa das conversações que culminaram com o AGP em 1992”, palavras de Félix.
Conforme a mesma fonte, o Governo da Frelimo sonega a “Revolta do Báruè, que quanto a mim, é a mais relevante na fase derradeira de ocupação portuguesa a Moçambique”.
Objectivamente, a referência a sul (Império de Gaza e Gwaza Muthine) como berços da resistência anti-colonial circunscreve-se no “metodus Frelimo”, concretamente da demagogia tsonga, de invenção de heróis.
Será neste quadro que os elementos da Frelimo, os auto-designados da “linha correcta”, trataram de urdir a trama que terá feito do Reverendo Urias Simango um “reaccionário”.
Numa entrevista ao Jornal Savana, Fanuel Guidion Mahluza, um dos fundadores da Frente de Libertação de Moçambique, já falecido, esclareceu que Urias
Simango “apenas foi vítima da demagogia tsonga. Quer dizer, os estatutos da Frente de Libertação de Moçambique diziam que, em caso de morte do presidente, o vice-presidente, automaticamente, ascendia à presidência.
Mas, quando morreu Mondlane, três tsongas vão a casa de Simango pedir-lhe para não tomar o poder, alegando que era preciso mais tempo para se organizar uma tomada mais pomposa do poder. Simango comete o grande erro de aceitar a proposta dessas pessoas, não tomando o poder, o que deu campo para todas as manobras que culminaram com a sua expulsão da Frelimo, insultado e apelidado de “reaccionário”, “traidor”, “tribalista”, etc..
O reverendo Simango tem a sua origem na província de Sofala, no centro do país, tal como Afonso Dhlakama, o actual chefe da Renamo, o que propiciou o conflito com a elite sulista, designadamente da província de Gaza, que de 1962 até esta parte se assenhora da Frelimo.
Todavia, nesta altura a esperança de muitos moçambicanos que em democracia já não têm medo de o dizer, é que o novo presidente da Frelimo, a sair do 10º congresso do “batuque e maçaroca”, seja um indivíduo de origem do Centro e Norte do país, para quebrar a hegemonia da ala regionalista sul.
A ala regionalista sul atribui destaque a Eduardo Mondlane e Samora Machel, no que tange ao nacionalismo, mas a semente do nacionalismo foi plantada antes por Kamba Simango, de que Mondlane faz referência no seu livro “Lutar por Moçambique”, figura a que ele, aliás, diz que o inspirara no conceito de “nação” através do motim da Machanga, na província de Sofala, mas nunca evocada pelo regime do dia, supostamente para escamotear a verdade.
O 10º Congresso da Frelimo, se não garantir uma equidade regional na direcção do partido, e quiçá do país, poderá correr por conta da desagregação desta formação partidária, dado o latente clima de revanche no que tange à transmissão do testemunho, até por parte de cidadãos do sul do país, contrários ao tribalismo da ala regionalista sul e seus aliados.
Canal de Moçambique – 23.11.2011
Leia aqui
"AS DUAS CONQUISTAS DE ANGOCHE":
http://www.macua.org/livros/2angoche.html
Vejam também:
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/gungunhana_imperador_de_gaza/