Reflexão de Adelino Buque
A notícia da morte de Gabriel Simbine colheu-me de surpresa. Sabia que ele não estava bem de saúde, mas nunca pensei ou imaginei que esse estado o tiraria, rapidamente, do convívio dos seus, o que empobrece a nossa cultura e, sobretudo, a voz crítica sobre a sociedade moçambicana. Em sua homenagem, pretendo recordar dois artigos escritos nos longínquos anos de 2000 e 2001, que foram publicados no Jornal Notícias. Devo recordar ao estimado leitor que Gabriel Simbine, Hermínio Chissico e eu publicámos uma colectânea de artigos em forma de livro lançado a 3 de Outubro de 2002 no espaço do Sindicato Nacional de Jornalistas, intitulado “Memórias”. Antes de me debruçar sobre os artigos, deixe-me dizer, estimado leitor, que fiquei satisfeito ao saber que o acervo de artigos escritos por Gabriel Simbine já está em forma de livro e que a sua publicação só não aconteceu devido a este acontecimento, disse-o Moisés Mabunda, a quem confiou o trabalho de organização.
Espero que a família do finado autorize o mais rapidamente possível o lançamento desse acervo em livro para o enriquecimento da nossa cultura como sociedade. Vamos aos artigos.
Unidade na diversidade
Este é o título de um artigo publicado a 21 de Janeiro de 2000 no Jornal Notícias que termina questionando: “Temos unidade na diversidade nas línguas ou só unidade quando todos falamos a mesma Língua – o Português?”. Neste artigo, Gabriel Simbine debruça-se sobre a questão de nós sermos tratados como da lusofonia sem que tenha sido feita alguma consulta, simplesmente porque a potência colonizadora continua a definir a nossa identidade político-cultural. Na verdade, trata-se de um assunto actual e, muitas vezes, evitamos abordá-lo, porque queremos evitar conotações. Agindo assim, continuamos sem nos definir do ponto de vista cultural.
Para clarificar este assunto, Gabriel Simbine diz, e passo a citar, “somos membros da Lusofonia porque a antiga potência habita o território que outrora chamou-se Lusitânia, nome que os romanos deram à sua antiga província. Como os Portugueses são Lusos ou Lusitanos, os Moçambicanos também o são, como o são também os cidadãos das antigas colónias portuguesas.” Fica aqui o desafio de continuarmos a debater sobre a nossa identidade: se queremos continuar à reboque da antiga potência colonial ou se estamos independentes e, por via disso, definimos a nossa própria identidade.
Gabriel Simbine, como todos sabemos, é um homem de Cultura e, para ele, estes detalhes não passavam despercebidos, sobretudo quando reportado em jornais de referência como o é o semanário Domingo. Leia a seguir mais uma citação ao aludido artigo: “O semanário Domingo, na sua edição de 16.01.2000, elaborou uma lista dos países africanos que a partir de 22 do corrente vão no CAN/2000. Para assinalar a ausência de Moçambique e Angola no campeonato, o jornalista desportivo achou por bem salientar que Angola e Moçambique, países de Língua Portuguesa, estão ausentes. Os restantes 16 participantes não lhes foram indicadas as suas respectivas línguas de comunicação social. É desnecessário. Mas para o caso específico de Angola e Moçambique, foi necessário dar-lhes o carimbo da sua Portugalidade”.
Caro irmão Gabriel, continuaremos a fazer este debate a bem da nossa cultura, a cultura moçambicana.
Evocação dos nossos heróis
Este é o título do artigo de Gabriel Simbine que foi publicado no Jornal Notícias de 26 de Novembro de 2001. Se no primeiro artigo permanecem desafios, neste penso que o meu irmão descansa com a sensação de ter sido ouvido. Basicamente, Gabriel Simbine faz aqui uma reflexão sobre a forma como são tratados os nossos heróis, com especial enfoque para Samora Moisés Machel. Não compreendia muito bem as razões por que a estátua de Samora Machel tinha sido posta à entrada do Jardim Tunduru e ao lado da Avenida que leva o seu nome, a Avenida Samora Machel. Gabriel Simbine e muitos outros compatriotas questionavam se Samora Machel proclamou a Independência Nacional porquê não está na Praça da independência, no lugar outrora ocupado por Mouzinho de Albuquerque. Mais, a avenida que leva o seu nome começa exactamente na Praça da Independência, pelo que seria duplamente vantajoso.
Cito, em seguida, Gabriel Simbine no aludido artigo: “A estátua de Samora está ao lado da Avenida Samora Machel, em frente ao jardim Tunduru. Que figura da nossa história ocupará o lugar outrora ocupado por Mouzinho de Albuquerque com o último imperador de Gaza preso, derrotado e cabisbaixo? Parece-nos que Samora havia perdido o seu lugar na história de Moçambique. Mas, felizmente, os acontecimentos dos últimos 15 anos depois de Samora provaram que nós estávamos enganados”. Aqui, meu irmão, Samora foi reposto no lugar que lhe é devido com o seu dedo em riste. Acredito que também celebraste, mas, obviamente, não tiveste tempo para escrever sobre esta nova atitude dos nossos governantes. Para não cansar o estimado leitor, não me vou debruçar sobre quem trouxe Samora Machel ao nosso convívio na óptica de Gabriel Simbine e, claro, de qualquer observador atento!
Antes de terminar esta homenagem, deixe-me dizer que a Senhora Drª. Graça Machel na sua comunicação em nome da família Simbine teceu um elogio fúnebre que terminou na língua chope. Sinceramente, deixou-me bastante emocionado. Caso para dizer que, afinal, não é somente o Gabriel que é homem da cultura.
Arrisco-me a dizer que é toda a família e porque tu és o embondeiro da cultura permita-me que use as palavras com que terminaste o artigo com o título “Evocação dos nossos Heróis”. Passo a citar, “a nyenya a hifi, kufa a toya, whena u nyenya mbava Gabriel Simbine a hufanga” (o herói não morre, morre o cobarde, tu és herói, Gabriel Simbine. Não morreste).
CORREIO DA MANHÃ – 28.11.2011