Infelizmente, e particularmente nos últimos tempos, tem-se olhado para a educação não como um investimento cujo retorno não deve ser avaliado de forma imediatista, mas como uma verdadeira fábrica, onde de um lado entra a matéria-prima e do outro lado sai um produto acabado, pronto para ser colocado a venda no mercado. Esta forma de ver a educação acaba introduzindo em algumas mentes o pensamento dos economistas, de minimização dos custos e maximização dos lucros.
Tudo isto acaba encontrando mais adeptos pelo facto de sermos um país pobre, que não se pode dar ao luxo de usar de forma impensada os parcos recursos de que dispõe, pois estes recursos escassos são necessários para resolver os inúmeros problemas que afectam a vida dos moçambicanos. Nestas condições, a austeridade no uso dos recursos deve ser uma palavra de ordem a todos os níveis.
Olhando para o problema sob este prisma, devo dizer que concordo em parte com o meu irmão, o Padre Filipe Couto. Por outro lado, não concordo com ele quando ele amputa o processo produtivo, minimizando os custos mas não permitindo que no final do mesmo saia aquele produto com as especificações definidas conjuntamente com o nosso cliente, pelo qual o cliente aguarda ansiosamente para realizar os planos e todos os sonhos que ele desenhou. Se o produto não satisfaz as necessidades do cliente, ele não será comprado ou, se for comprado, será deitado fora amanhã, quando o cliente se aperceber que foi ludibriado e comprou gato por lebre. Com isto advirá o descrédito para toda a organização.
Quando no lugar de comprar um carro em condições, que não tem de ser necessariamente um Mercedes, eu compro uma sucata que nem sequer anda, eu não estou resolvendo o meu problema de transporte, pois terei em casa um meio circulante não operacional, que não me vai levar para onde eu quero. Foi isto que aconteceu, estava acontecendo ou estava para acontecer com o Bolonhismo na nossa maior universidade: Amputações ao processo produtivo, sem diálogo, sem olhar par as condições em que os referidos currículos seriam implementados, com intimidações a mistura inclusive dos Directores de Faculdades e outros, que mais não puderam fazer do que obedecer as ordens do Chefe.
O desenho de programas de formação, geralmente, começa com a definição do tipo de técnico que se pretende formar, o tipo de intervenção que este técnico estará habilitado a fazer depois da sua formação, os conhecimentos, capacidades, habilidades e outras competências que este técnico deverá ter após concluir a sua formação, para que ele tenha uma intervenção a altura das necessidades do seu empregador ou da área em que ele estiver envolvido. Define-se depois a forma como irá ser organizado o processo formativo, incluindo as metodologias e estratégias de aprendizagem, o tipo e a sequência das actividades curriculares que levarão a formação do técnico pretendido, e até a duração do processo de formação.
Nas transformações curriculares realiza-se sempre uma avaliação visando obter o sentimento dos empregadores, graduados e outros actores sobre a qualidade dos graduados dos currículos anteriores, para se poder diagnosticar os pontos fortes e fracos do currículo vigente, de modo a se poder corrigir as fraquezas existentes e melhorar a prestação do graduado que sairá do novo currículo em preparação.
Não foi isto que sucedeu no reinado do meu irmão, o Padre Filipe Couto. Se as faculdades conduziram estas avaliações, elas não foram tidas em conta e não contribuíram para a melhoria dos novos currículos, como se esperava, pois a Palavra de Ordem era ”introduzir o Bolonhismo a todo custo, doa a quem doer”.
Foi por causa destas barbaridades que o Professor Manuel Araújo, Professor Catedrático da UEM, colocou o seu lugar a disposição, como escreveu o Jornal A Verdade, no seu editorial de 21 de Outubro de 2011.
Para quem conhece o Professor Manuel Araújo, ele é uma pessoa frontal, que exerce essa frontalidade em fórum apropriado, sempre dentro do respeito e da boa educação. Presumo que depois de defender as suas ideias em fórum apropriado, e quando percebeu que não havia espaço para um diálogo construtivista, ele preferiu colocar o seu lugar a disposição; exemplo seguido por outros colegas ponderados que faziam parte da sua equipa.
Infelizmente para a sociedade, ele nunca apareceu em público a falar sobre este processo, razão porque a sociedade nunca chegou a conhecer o outro lado da história. A sociedade apenas ouviu a versão do meu irmão, o Padre Filipe Couto, e seus seguidores, que nos bombardeavam com o seu discurso, tentando mostrar que a solução do problema da formação de técnicos superiores no país era a introdução do Bolonhismo. A repetição exagerada deste discurso e o silêncio dos académicos que pensavam de forma diferente, podem ter levado a sociedade a acreditar que o caminho escolhido pelo meu irmão era o melhor caminho.
Foi por causa destes problemas que Manuel Araújo foi substituido por Firmino Mucavele, pois a ponderação de Manuel Araújo e de outros sensatos como os exemplos citados pelo Magazine na sua edição de 9 de Novembro de 2011, nomeadamente Orlando Quilambo e Ângelo Macuácua, não serviam para a atitude obstinada do meu irmão, de introduzir o Bolonhismo a todo o custo.
Para esta obsessão, a prudência é um empecilho porque não nos permite realizar o nosso sonho; nestas fases precisa-se daqueles que falam muito, precisa-se dos “yesman”. Diz o meu irmão, no Magazine de 9 de Novembro de 2011, que quem fala muito sempre sofre, mas não explica porquê. Talvez porque quem fala muito torna-se menos prudente e acaba excedendo-se no seu discurso, acaba dizendo inverdades, especialmente quando acredita que tem o poder do seu lado.
Foi este uso do poder que intimidou os académicos, particularmente o recurso ao uso do nome do Partido no poder, para fazer crer que estava cumprindo ordens superiores (algo que ainda hoje me custa aceitar). Quem não concordava com o meu irmão era catalogado de traidor ou sabotador.
O que deveriam ter feito os Vice-Reitores do Padre Couto na altura e perante a situação que se verificava? Rebelar-se contra o seu Chefe directo e também, mesmo que de forma indirecta, rebelar-se contra o Presidente da República que os nomeou para aquelas funções e nomeou também o Padre Couto para Reitor da UEM? O que deveriam ter feito os académicos perante esta prepotência do seu Chefe?
Pegar em distícos e marchar pelas ruas, batendo panelas e outros objectos, soprando apitos? Não vou responder a esta questão, mas gostaria que qualquer análise que for feita tenha em conta que grande parte dos profissionais mais seniores da UEM, fazem parte da geração catalogada como a “Geração 8 de Março”, educada no tempo do PPD (Preparação Político Disciplinar ou “shoto kuliya” como se designava), educados na cultura da disciplina, da boa educação e da obediência. Estes profissionais não são os ambiciosos a que o Padre Couto faz referência em alguns dos seus discursos. Os ambiciosos da “Geração 8 de Março” não representam os milhares de jovens anónimos, já com cabelo branco, que fazem parte deste grupo da “Geração 8 de Março”; os ambiciosos a que se refere o meu irmão são apenas uma ínfima fracção deste grupo. Os seus comportamentos são tipificados precisamente por aqueles que foram usados pelo Padre Couto para fazer valer as suas pretensões, para criar divisões e discórdia. A história ensina-nos que estas pessoas são usadas mas que são depois descartadas, como nos ensina a Bíblia com a traição de Judas, pois quem usa os serviços deste tipo de pessoas conhece as suas virtudes e defeitos; usa-os apenas para atingir o seu fim e depois deita-os fora, pois sabe que não pode confiar neles.
Os académicos ponderados, não ambiciosos, tentaram alertar para as imprudências que estavam sendo cometidas, mas não conseguiram fazer-se ouvir por causa da obsessão em introduzir o Bolonhismo e porque eles falavam no interior das paredes da instituição e não nos Jornais e Televisões. Porque as suas vozes não eram ouvidas, optaram por calar-se.
Para implementar o Bolonhismo feriram-se as mais elementares regras da academia: Não foram produzidos os instrumentos normadores habituais nestes processos nem o Quadro Curricular, mesmo quando tal foi solicitado, porque não se podia trazer a público documentos que não colhiam o consenso de grupos significativos da instituição; porque mesmo alguns colegas que pareciam defender tais processos tinham consciência dos atropelos que estavam sendo praticados e de que poderiam ser julgados pela sociedade, se tentassem substituir a Lei do Ensino Superior por um documento interno da instituição, apenas para agradar ao meu irmão.
Na verdade, no tempo do meu irmão Padre Couto, nunca houve um documento que prescrevesse a introdução de currículos de três anos, mas, estranhamente, todos os currículos produzidos nessa altura, acabaram tendo a duração de três anos, mesmo naqueles cursos com especificidades onde a experiência, sensatez e as avaliações levadas a cabo por equipas de consultores externos recomendavam algum cuidado. Se a UEM não prescreveu a introdução de currículos de três anos, como se explica que todos os caminhos tenham ido, de forma independente, dar a Roma (tenham produzido currículos de três anos)?
Terá sido simples coincidência? Permitam-me que duvide. Ou houve algum tipo de coação?
Na minha opinião, a mão externa não é a que está por detrás da reversão que se verifica presentemente com Quilambo, mas sim a sua mão que nunca assinou um despacho mas fez com que todos os currículos tivessem os três anos de duração. Uma mão estranha que fez com que a obsessão do meu irmão tivesse sido realizada, mesmo com a liberdade que a Lei do Ensino Superior conferia para a opção por cursos de quatro anos. Uma mão que agora aparece usando a palavra no lugar de ditar ordens, como estava habituada.
Meu irmão, a reversão que está tendo lugar presentemente é para realizar aquilo que as unidades não puderam fazer no passado, porque a Palavra de Ordem eram os três anos; é para realizar aquilo que as Faculdades e Departamentos acreditam que é o melhor. Parece que o meu irmão não se entristece quando os nossos graduados são comparados com os graduados do Ensino Médio Técnico-Profissional. Saiba, meu irmão, que nós ficamos tristes quando aos nossos graduados se nega o acesso directo aos cursos de Mestrado nas universidades da região e de outras partes do mundo onde compatriotas nossos saídos da UEM deixaram bons créditos, apenas porque estas instituições já não confiam naquilo que nós produzimos presentemente. Foi por isso que pedimos para ser ouvidos, porque nós queríamos manter as conquistas e o bom nome dos graduados da universidade mãe deste país, queríamos que Eduardo Chivambo Mondlane não se envergonhasse do que estávamos fazendo com o seu nome.
Hoje, e seguindo as normas da academia, temos um instrumento normador aprovado pelo Conselho Universitário que vai fixar balizas e guiar todo o trabalho de Reforma Curricular que está a ser feito (Deliberação N° 16/CUN/2011 de 11 de Outubro de 2011). Tudo isto está acontecendo não por acção de mão estranha, mas pela percepção e direcção correcta dos órgãos colegiais da instituição, cuja existência e sentido tinham sido propositadamente mutilados durante o seu mandato.
Algumas das pessoas que estão liderando os processos de reversão para os quatro anos, são exactamente as mesmas que estiveram a frente dos processos de construção dos currículos de três anos.
Perceberam que estavam errando.
Em suma, meu irmão Padre Couto, deixe de ver “mão estranha” em tudo isto: Ponha os pés na terra e aceite finalmente que o que está acontecendo é o que resulta da nossa consciência. No teu reinado tu cumpriste o que sempre nos dizias serem ordens superiores. Assim, deixa também Orlando Quilambo cumprir as ordens superiores que recebeu, que estão sendo chanceladas pelos Órgãos Colegiais que ele muito respeita, para o bem da nossa Universidade.
Não se esqueça que tentamos exprimir, no passado, os nossos sentimentos mas isto não nos foi permitido. Para não sermos vítimas de perseguições ou para acomodar as nossas ambições ou sonhos, optamos por praticar a falsidade e a hipocrisia. O que pretendia que fizéssemos se não nos quis ouvir?
Deixe-nos trabalhar para a formação do homem do futuro.
Nós que no passado te veneramos com falsidade e hipocrisia, estamos agora venerando o nosso irmão Orlando Quilambo e iremos venerar todos os outros que ainda ocuparão aquele posto poderoso da instituição. Não fique triste com isso, pois este é o caminho da vida.
Apesar de recomendar que não fiques triste, eu confesso que me sinto triste porque, durante o teu reinado, conseguiste criar discórdia e desentendimento entre nós. Com isso fizeste com que eu, presentemente, já não tenha uma boa relação com alguns daqueles que são meus colegas há mais de 20 anos; desde os tempos em que éramos jovens estudantes. Tornamo-nos “inimigos” porque tu nos dividiste, mais de 20 anos depois do início da nossa camaradagem.
Não é apenas por causa da perda das minhas velhas amizades que me sinto triste, pois esse é também o caminho da vida, mas é particularmente pelo teu e meu irmão, portanto nosso irmão, Orlando Quilambo.
Ele é o actual Reitor, ele é o Líder da instituição, mas não é apenas o seu esforço individual que vai reerguer a UEM. Para realizar este sonho, ele precisa de todos os docentes e técnicos, das mais variadas categorias e áreas científicas, motivados, unidos e conscientes da importância do seu envolvimento para a edificação daquela UEM que deve continuar a liderar o Ensino Superior no País, e não daquela comunidade dividida que deixaste atrás. O quadro que vejo hoje deixa-me um pouco triste, mas eu sou um sonhador e quero acreditar no amanhã.
Meu irmão Padre Couto, desculpa-me pelo meu desabafo público. Gostaria de tê-lo feito num encontro privado, mas não sei se teria sido fácil.
*Carta de docentes devidamente identificados pelo jornal
SAVANA – 25.11.2011