Escrito por Ericino de Salema
À semelhança das cidades de Pemba e Cuamba, nas províncias de Cabo Delgado e Niassa, respectivamente, Quelimane, por estes dias muito mais que uma mera capital da província da Zambézia, cidade na qual me encontro por estes dias, prepara-se para, intercalarmente, ir a votos, na esteira do que o legislador eleitoralista moçambicano chamou, mesmo que não literalmente, de direito à renúncia, que Pio Matos, que fora reeleito, pela segunda vez, pela Frelimo, em 2008, operacionalizou há sensivelmente dois meses "para continuar a viver tranquilamente", como ele próprio, diz-se por cá, faz questão de confidenciar aos que o ouvem distante dos seus superiores.
Por Quelimane concorrem dois residentes da urbe, nomeadamente Lourenço Bico, pela Frelimo, e Manuel de Araújo, pelo MDM. Ambos têm aspectos que jogam a seu favor no processo ora em curso, cujo ponto máximo se observará a 7 de Dezembro próximo, dia reservado à votação. Mas, como não há bela sem senão, é nas diferenças que possuem que terão sortes diferentes no escrutínio em perspectiva.
Comecemos pelo que julgo ser-lhes comum:
· Ambos, enquanto cidadãos de um país que se destaca como um dos mais pobres - ou empobrecidos? - do mundo, podem se orgulhar de terem já resolvido problemas de 'pão e manteiga';
· Fora isso, tanto Bico como Araújo são empresários, coincidentemente operando no mesmo sector, o turístico;
· Possuem, os dois, uma instrução formal muito acima da média, mesmo nos dias de hoje, em que abundam quadros e 'quadras' com formação superior, não sendo relevante, neste artigo, se com ou sem o mínimo que eram supostos ter em termos de competências.
De diferente, há muito que se possa dizer, em minha modesta opinião, sobre a dupla ora em competição:
* Lourenço Bico pertence a um partido político que, historicamente, demonstra ter sempre, em campanhas eleitorais acima de tudo, excesso de liquidez, mesmo quando elas ocorrem no âmago de crises económicas que até abalam países que já se preocupam com coisas como a qualidade do ar que se respira; Manuel de Araújo é apoiado por um partido com uma história sumária em termos de embates eleitorais. Estratégias tipo 'contacto interpessoal', aplicadas, aparentemente com sucesso, na Beira, por Daviz Simango, podem talvez dar fruto, se replicadas acertadamente, depois que feitos os relevantes ajustes;
* Além do fenómeno liquidez, tem, o candidato Lourenço Bico, suporte de um partido experimentado em eleições, tanto nos aspectos formais como no 'under ground level'. O partido que apoia Manuel de Araújo ganha renda através de menos que meia dúzia de deputados que tem na Assembleia da República, ao que se acresce a 'propina' que, eventualmente, possa ganhar no minúsculo "Estado" chamado Município da Beira;
* Manuel de Araújo possui muita experiência de luta política, de resto iniciada quando ele 'militava' em movimentos estudantis, não só no país, como no Zimbabwe e no Reino Unido da Grã-Bretanha. Aliado a isso, possui o dom da palavra, o domínio dos actos de fala para convencer, o que o faz estar muito próximo, senão no âmago, do que Max Weber denominou de 'político profissional'. Lourenço Bico mais parece um 'político estagiário', tendo dificuldades soberbas de articular as suas ideias, embora tal não signifique que ele seja um mau gestor;
* Tendo que em conta que inúmeros eleitores de Quelimane, sobretudo os residentes nas zonas periféricas, vêem-se em presença de 'eleições normais', e não em presença de 'intercalares', por tal não constar do seu 'vocabulário político', Lourenço Bico poderá tirar vantagem do facto aparentemente marginal de ser, acima de tudo nas fotos estampadas nos cartazes, muito parecido com Pio Matos, indubitavelmente carismático pelas terras de Quelimane; pessoas que baseiam-se apenas na foto do candidato para votarem, facilmente verão na sua clareza, no seu quadro de óculos e no 'arrumo' da sua barba, Pio Matos em si; Manuel de Araújo tem uma aceitabilidade expressiva, sobretudo no seio das camadas jovens, mas talvez dificilmente as convencerá de que, no dia 7 de Dezembro, "vale a pena" sacrificar alguns minutos da "folga" pela votação.
Seja como for, eu acho que Manuel de Araújo é um justo vencedor "antecipado" das eleições intercalares de 7 de Dezembro próximo. Com a sua entrega à causa da terra que o viu nascer, não duvido que a liderança da Frelimo se terá arrependido por ter aceite a "renúncia voluntária" de Pio Matos, tal como sucedeu com os antigos edis de Cuamba e Quelimane. Se a minha leitura é equivocada, então não deixa de ser 'politicamente relevante' ver Filipe Chomoio Paúnde, o número dois do partido, Verónica Macamo, ultra sénior no partido e número dois do Estado moçambicano, e o 'chief propaganda', Edson Macuácua, no comando da campanha de Bico. Para não falar de tantos ministros e directores nacionais que, por estes dias, andam pelas ruas de Quelimane, aparentemente em "serviço normal". Um dos ministros até 'mobilizou' todos os seus directores distritais, secretários permanentes, directores de...e etc. etc., para um 'simpósio provincial'.
Quando Barack Obama foi confirmado como candidato democrata nas últimas eleições nos EUA, escrevi, nas páginas do SAVANA, que mesmo que o candidato republicano o derrotasse, ele afigurava-se-me como um vencedor antecipado, dado que, mesmo perdendo o escrutínio - o que não aconteceu - a sua eleição como candidato era tudo para evitar o que denominei de 'bushclintonização' dos EUA. Primeiro Bush pai, depois Clinton, segudamente Bush filho, e Hilary Clinton...a quem Obama adiou o sonho; uma nação como os EUA facilmente se veria sob dominação de duas famílias.
A aparição, nos meandros oposicionistas, de um candidato do nível político de Manuel de Araújo, sublinho, fará com que, da próxima, a Frelimo faça um sério 'risk assessment' antes de "aceitar" que os seus apresentem "renúncias voluntárias".
Viva a democracia!
@verdade – 25.11.2011