Reflexão
1. Introdução
No próximo dia 8 de Janeiro, o Congresso Nacional da África do Sul celebra o seu centenário. Trazemos aqui alguns factos que demonstram como este partido contribuiu para o adensar da consciência nacionalista na África Austral. Em consequência de vários factores, muitos jovens da região foram expostos à realidade da África do Sul, onde o ANC liderava actividades políticas de grande visibilidade contra o regime racista sul-africano. Referência pode ser feita ao trabalho migratório, à actividade económica estruturalmente concebida para desenvolver a África do Sul à custa do subdesenvolvimento dos países fornecedores da mão-de-obra que precisava. Foi neste contexto que, por exemplo, a WENELA criou e geria um complexo sistema para recrutamento, selecção, transporte, emprego, pagamento (de salários e pensões) e repatriamento de jovens de países como Botswana, Lesotho, Moçambique, Namíbia, Malawi, Suazilândia, Zâmbia e Zimbabwe.
Uma outra referência deve ser feita às oportunidades de formação que eram abertas para jovens da região em colégios e universidades sul-africanas.
2. Origem do ANC
O Congresso Nacional Africano foi fundado a 8 de Janeiro de 1912, em Bloemfontein, integrando no seu seio líderes comunitários e religiosos, académicos e profissionais de diferentes tribos. Era uma resposta ao apelo lançado por Pixley ka Isaka Seme, jurista graduado de Columbia, nos Estados Unidos, que em 1911 exortara para que todos os negros deixassem para trás as suas diferenças e se unissem à volta de uma organização de cariz nacional (Sisulu, 2003). Inicialmente conhecido por South African Native National Congress, mudaria para African National Congress em 1923.
O seu primeiro Presidente foi o Dr. John Langalibalele Dube, do Kwazulu Natal, homem de “sangue real” da tribo Qadi. Educado nos Estados Unidos, ele era escritor, poeta, filósofo e proprietário do jornal “Ilanga lase Natal” (O Sol de Natal), publicado em zulu e inglês. O Rei Dinizulu ka Cetshwayo, cuja biografia Dube escrevera, foi eleito presidente honorário, em reconhecimento do seu papel na revolta de 1906 contra o imposto de palhota.
Anton Lambede, Nelson Mandela, Walter Sisulu, Ashby Mda e Oliver Tambo lideraram a formação, em 1944, da Liga da Juventude do ANC, que defendia um movimento de massas não-violento contra a segregação racial. Porém, a confrontação seria mais tarde inevitável, não só por causa da intransigência das autoridades racistas sul-africanas, mas também pela intensidade da opressão que infligiam à maioria negra, particularmente depois da vitória do Partido Nacional em Maio de 1948.
Vendo a opção de resolução pacífica da violação sistemática dos direitos da maioria sul-africana, o ANC começou a preparar-se para responder à violência pela violência. Foi então formado o Umkhonto we Sizwe, a Lança da Nação, o seu braço armado, em 1961. Foram seus membros fundadores, entre outros, Nelson Mandela, Walter Sisulu, Denis Goldberg, Govan Mbeki, Raymond Mhlala e Joe Slovo. Alguns destes líderes do ANC seriam presos e condenados à prisão perpétua na Ilha de Robben. Porém, o regime não pôde encarcerar a vontade popular de liberdade e o ANC, do exílio e através da sua rede clandestina e com o apoio dos partidos, cuja formação influenciara, continuou a sua luta até à derrocada do regime do apartheid.
3. O ANC na África Austral
Na Rodésia do Sul, Enoch Dumbutshena e Stanlake Samakange fundaram o Southern Rhodesian African National Congress, em 1934, que permaneceria inactivo durante muitos anos. Porém, seria Joshua Nkomo quem viria a revitalizar esta organização, quando foi eleito seu presidente em 1948 e reeleito em 1957. Ele consolidou a unidade das bases nos centros urbanos de Salisbúria e Bulawayo e procurou traduzir a raiva e frustrações populares em acções concretas contra o regime. Como ele próprio admite, “na África do Sul comecei a interessar-me pelo Congresso Nacional Africano [...] que desenvolvia programas concretos de mudança social” (Nkomo, 2001:46).
Ainda no Zimbabwe, os bispos Abel Muzorewa e Canaan Banana formaram, em 1971, o United African National Council, cuja sigla, UANC, se aproximava da do respeitado partido da África do Sul. Mais tarde, a 7 de Dezembro de 1974, em Lusaka, Muzorewa seria aceite como presidente de um ressurgido UANC que integraria o Zimbabwe African National Union, de Ndabaningi Sithole, o Zimbabwe African People’s Union, de Joshua Nkomo, e a FROLIZI, Front for the Liberation of Zimbabwe, de James Chikerema (Nkomo, 2001). Esta aliança não chegou a funcionar, tendo-se desintegrado, subsequen-temente, como também se desintegrou a ZIPA, Zimbabwe People’s Army, que resultava, em finais de 1975, da fusão dos braços armados do Zimbabwe African People’s Union (ZAPU) e do Zimbabwe African National Union (ZANU).
Depois da II Guerra Mundial, a sociedade zambiana politizava-se de forma crescente. Assim, 14 organizações cívicas, welfare societies, formaram, em 1946, a Federation of Welfare Societies. Em 1948 esta federação transformou-se em Northern Rhodesia Congress, tendo Godwin Lewanika como seu presidente. Em 1951 esta organização política iria adoptar o nome de Northen Rhodesian African National Congress, sob a presidência de Harry Nkumbula.
Em 1953 Kenneth Kaunda foi nomeado secretário-geral do Partido e em 1958, não houve consenso se o Northern Rhodesian African National Congress devia ou não participar nas eleições legislativas, nas quais apenas uma minoria de negros poderia concorrer. Kaunda não concordou e, no mesmo ano de 1958, fundou o Zambian African National Congress que seria banido no ano seguinte, em 1959, e Kaunda preso. Depois da sua libertação, fundou o United National Independence Party, o partido que em 1962 liderou a campanha para o fim da Federação das Rodésias e Nyasalândia e ganharia as eleições, formando o Governo da agora República da Zâmbia, tornando-se no seu primeiro Presidente na data da Independência, a 24 de Outubro de 1964.
*Texto editado do original África Austral: das migrações Bantu à integração regional, do Prof. Dr. Renato Matusse
DIÁRIO DE MOÇAMBIQUE – 15.12.2011