(…) Acho que os meus Primos herdaram da Mãe o sentido de serviço a Portugal e aos mais necessitados, e do Pai as qualidades intelectuais. De ambos o sentido de humor… (…)
D. Duarte de Bragança, in prefácio (2011)
(…) E como foi valente, toda a sua vida. Combateu o nazismo, encontrou-se e deu-se bem com comunistas, admirou Salazar e opôs-se às práticas policiais do regime. Esteve de acordo com o que percebeu ser o sentido patriótico da guerra de África.
(…) Teve sempre um despojamento imenso, longe de qualquer vida de luxo e não manifestando nostalgia de a ter. (…)
Padre Quintela, na apresentação desta biografia, em 2011
Os textos acima destacados são alguns dos rasgados elogios feitos a esta “mulher de armas”; percebe-se ao longo deste livro que ela nunca virou a cara às situações difíceis enfrentadas, no período tumultuoso que foi praticamente todo o século XX na Europa.
Apenas irei destacar o conteúdo deste livro de Raquel Ochoa no referente às passagens mais significativas e que terão sido as ocorridas na Áustria, nos anos 40. Aliás a autora destaca igualmente esse período ao fazer um resumo do sucedido numa das badanas deste livro lançado neste ano, em Lisboa, e que já vai na 3.ª edição:
(…) Desde muito cedo foi testemunha de um mundo em transformação. (…) participou activamente na resistência contra os nazis. Por duas vezes esteve presa e em ambas foi condenada à morte. A intervenção directa de Salazar numa delas e um desenlace surpreendente noutra, permitiu que continuasse a sua luta. (…)
Respiga-se deste livro que após ser libertada das prisões nazis, passou a integrar a resistência anti-nazi. Depois foi presa em degradante situação por ter dado informações, que provocaram a destruição de um arquivo importante. E os novos ocupantes (soviéticos) mantêm-na presa “apenas” por ser católica e não comunista.
Na véspera de ser deportada para a Sibéria é libertada por mero acaso – um oficial russo encontrou a sua ficha, onde constava que a certa altura a Infanta se tinha empenhado na defesa de uma comunista…
Depois do 25 de Abril…
Percebe-se o respeito e a grande consideração que Francisco Van Úden tem por sua Mãe, nas declarações feitas quando o entrevistei, em 15-12-1994, para o meu livro “Memórias da Revolução; Portugal 1974-1975”, pp 148 (2004)
(…) Cheguei (a Lisboa) em 6 de Agosto de 1974 e dirigi-me para casa na Caparica, ainda fardado de GEP, pois tinha vindo num avião da Força Aérea.
A minha mãe apareceu à porta. Ela era uma combatente de sempre. Fora condenada à morte pela Gestapo, por ser chefe de um grupo de resistência à ocupação nazi na Áustria. Também tinha vivido a 1.ª Guerra Mundial, em pequena, quando o meu avô era general de Cavalaria. Portanto uma mulher dura e consciente do que se estava a passar.
Então fiquei muito chocado por ela me ter dito: “Acho bem que te vás mudar e vistas roupa civil.”
Quando lhe perguntei o motivo, disse-me: “Estar a ver estas obras aqui ao lado? Há ali pessoal da construção civil e é conveniente que não te dês a conhecer com essa boina na cabeça…”
Para mim isto foi um grande choque e perguntei-me: “O que se passa nesta terra?” (…)
A apresentação do livro pelo Padre Quintela
Muito interessantes foram as palavras proferidas por este sacerdote acerca da Infanta Rebelde. Delas se destacam:
(…) Impressionam, ainda, os seus 99 anos. Capricho da natureza, capricho do destino, poder-se-á pensar. Desígnio de Deus, acredito eu. De Deus que nos continua a dar um sinal grande nesta grande vida. Como apelo a viver na Sua presença, como vive a Srª Infanta, rezando, procurando a comunhão com Ele, oferecendo o sinal dessa comunhão de vida a quem a visita. Congregando, portanto, desejando sempre congregar, no amor a Jesus todos os seus, e todos os que a procuram.
Por conseguinte o que me impressiona, sempre mais, é a constância da sua fé ou, melhor ainda, o enraizamento sempre mais essencial da sua vida na sua fé. Sim, grande a nobreza do seu sentido de serviço. Grande o testemunho do acolhimento e do perdão manifestado na sua carne. Grande a renúncia e a entrega por amor. Grande o sentido de que a sua vida é uma vida para a vida dos outros. (…)
Mais à frente refere:
(…) Agradeço pelo modo como foi militante. Militante vem de militar. Quer dizer, então, que a Sr.ª Infanta se apresentou para combater. Para combater o bom combate, como diria S. Paulo.
E como foi valente, toda a sua vida. Combateu o nazismo, encontrou-se e deu-se bem com comunistas, admirou Salazar e opôs-se às práticas policiais do regime. Esteve de acordo com o que percebeu ser o sentido patriótico da guerra de África. Não tinha paciência para a vida de sociedade em Lisboa, e sempre preferiu preocupar-se com a Lurdes, a Laura do Zé da Carvalha e a Eneida de Murfacem. Teve sempre um despojamento imenso, longe de qualquer vida de luxo e não manifestando nostalgia de a ter. E, no entanto, foi sempre a Sr.ª Infanta. Assim se percebia a si mesma, assim a tratavam, porque esse era o facto: o Senhor assim a fizera nascer. Capaz de raridades de comportamento, muito seus, onde encontrar a unidade desta personagem tão paradoxal senão na sua fé católica? (…)
E a terminar destaca-se:
(…) Quero com isto dizer que aqueles que cresceram formados e alinhados como discípulos da Doutrina Social da Igreja que, entretanto, se ia afirmando, como era o caso do Imperador Carlos e da Sr.ª Infanta, sempre tiveram muito vivo o sentido do compromisso social. E permito-me afirmar, sumariamente, que o maior volume de responsabilidade perante os pobres que a Sr.ª Infanta viveu tem que ver, fundamentalmente, com uma maior riqueza do seu encontro com Cristo, com esse Cristo Rei com o qual as gerações católicas formadas nos tempos de Pio XI aprenderam a tirar consequências não só pessoais e intimas mas também politicas e sociais para a sua militância de fé. (…)
Face ao realçado da alocução deste padre e as afirmações de seu filho Francisco, atrás transcritas, julgo ter ficado bem demonstrada a categoria e grande dignidade desta Infanta de Portugal, ao longo dos seus quase cem de vida atribulada, numa Europa dilacerada por duas guerras mundiais, no século XX.
Manuel A. Bernardo
Coronel reformado
Dezembro de 2011