Parece que o Sr. Ministro das Finanças se ia zangando com o Sr. Ministro da Economia, num dos últimos Conselhos de Ministros.
De facto o Sr. Ministro da Economia, começando a dar-se conta que a realidade do pântano político português, não é propriamente a da Universidade Canadense onde leccionava (isto de ter “estrangeirados” no governo em Portugal, nunca deu bons resultados e a História do país tem exemplos q.b.), mas sobretudo, percebendo que sem dinheiro o seu imenso ministério não passa de um elefante branco, veio solicitar ao melífluo colega Gaspar uns euritos para poder mostrar algum serviço.
Naturalmente o dono da torneira dos euros disse que apesar de se chamar Gaspar, não era Rei Mago e que “não havia dinheiro”.
O ex-expatriado teimou, e teimou tanto que o possível próximo primeiro - ministro (isto é, controleiro de Bruxelas/Berlim), lhe atirou - certamente inspirado numa recente fita de Hollywood sobre o inventor do “Facebook”: “das palavras não há dinheiro, qual é aquela que não entendeu?”.
É claro que no país toda a gente entende o que quer dizer, não há dinheiro.
O problema não é esse, o problema é que ninguém o quer aceitar.
E há muitas razões para isto e parte delas deixo-as para os psicólogos. Mas outras há que são mais pueris e terra-a-terra pelo que mais fáceis de passar ao papel. São basicamente três razões: de exemplo, de esperança e de justiça social.
E nestas três ordens de razões o explicador Gaspar não se pode ficar pelo “não há dinheiro”.
Comecemos pelo “exemplo” que tem sido curto, demasiado curto. Por ex. no orçamento para 2012, os grandes órgãos de soberania, Presidência da República, Assembleia da República, Governo e Tribunais, tinham que ser sujeitos a cortes substanciais para… dar o exemplo: deixar o Dr. Passos Coelho de viajar em 1ª classe nos voos de médio curso, parece curtinho. E, afinal, os principais responsáveis da crise em que estamos, não exerceram funções naqueles órgãos?
Convenhamos que fazer um “corte” na Presidência da República – que tem no seu seio o equivalente a um quase ministério - para quem se queixa de ter poderes muito limitados - não parece nada inapropriado.
Ainda agora surgem dúvidas se se há-de cortar nos subsídios aos partidos. Mas qual é a dúvida? Então querem mais dinheiro para campanhas eleitorais, quando andam em campanha eleitoral permanente? Dá-se dinheiro aos partidos porquê? Porque são os “pilares” da Democracia, diz-se! Pilares? Ou são antes agências de emprego e condomínios de negócio?
Se há funcionários públicos a mais (sem nunca se objectivar) não haverá políticos a mais?
Porque é que os partidos não vivem das quotizações dos seus membros e de doações (bem clarinhas), de particulares?
Se os partidos recebem dinheiro dos impostos devem em troca submeter-se a regras. Por ex. os seus membros devem ter um mínimo de idade; ter experiência profissional; fazerem cursos; submeterem-se a exames. O “exame” dos votos é uma falácia… Não cabe na cabeça de ninguém que um vereador de uma câmara, muito menos um presidente de Câmara, não tenha feito um qualquer curso de Administração Pública…
De todas as profissões, a de político é a única onde ninguém tem que prestar provas…
É certo que nenhum governo pode fazer muito em pouco tempo mas deve exigir-se que um governo, de base partidária, tenha os assuntos estudados quando está na oposição…
Muitas outras coisas se podem apontar mas fiquemo-nos por esta: em tempos de austeridade esta tem que vir de cima para baixo e não de baixo para cima. Por isso atrevo-me a um conselho: viajem menos, gastem menos em representação, acabem com cartões dourados, seguros e diferentes mordomias. Baixem a cilindrada dos carros para os 1200 (chega e sobra) e emendem muitas outras de semelhante jaez, que são vexatórias para uma população que maioritariamente passa mal e vai passar pior.
Poderiam, até, nem poupar muitos milhões de euros com estas medidas, mas ganhavam no exemplo, na autoridade moral que adquiriam e na compreensão e colaboração das pessoas, nos sacrifícios. E tal não é contabilizável em metal sonante mas é incomensurável para um esforço colectivo.
E, claro, há que acertar forte e feio naqueles que incorrem no longo braço da lei. Também faz parte do exemplo e da liderança.
Temos depois a Esperança.
Ora o Sr. Ministro Gaspar ao soletrar (como tanto gosta), a trilogia não....há….dinheiro (e já vimos que ainda há para muita coisa), não a pode transformar em síntese do programa do governo, senão o país vai parar e amanhã nem os juros da dívida consegue pagar, quanto mais a dívida.
É preciso um plano que se transforme em coisas práticas: onde e como posso exportar? Quais os sectores onde vou tentar produzir mais? Onde vou poupar? Onde vou cortar nas importações? O que posso fazer para estabilizar os preços e evitar especulação? Qual a investigação cientifica onde devo apostar para retirar mais - valias futuras?
Não é possível estar-se à espera de acertar em tudo, mas o caminho faz-se caminhando.
Por outro lado, há imensas coisas que se podem (devem) fazer e para as quais não existe a desculpa do “não….há….dinheiro”.
Por exemplo, mudar leis (a começar na Constituição), pôr os órgãos competentes dos ministérios e das autarquias a trabalhar em vez de encomendar estudos e pareceres em “outsourcing”; reformar o sistema judicial de alto a baixo (sem o que não haverá investimento estrangeiro, segurança e a mais elementar Justiça) e dar operacionalidade e autoridade às forças de segurança para acabar com esta vaga de corrupção e criminalidade de colarinho branco e violenta que nos avassala como uma autêntica nódoa de óleo.
Pôr exigência no ensino também não custa dinheiro e garanto que melhora tudo!
Valorizar tanto quanto possível os pilares (estes sim, não os partidos políticos) tradicionais da Nação como são as Forças Armadas, a Magistratura, a Diplomacia e a Cátedra, garantindo tanto quanto possível a despartidarização (e a não infiltração por sociedades “encobertas”), sobretudo das três primeiras.
E que tal reorganizar e legislar para se acabar com o conflito constante, como se de uma maldição perpétua se tratasse, entre o trabalho e o capital? É assim tão difícil perceber que um não pode viver sem o outro e que ambos são fundamentais aos fins de todos? O que as nossas leis garantem são a existência dos profissionais dos conflitos, não a harmonização das partes.
Enfim, em vez de “etc.”, direi que estaria aqui até logo à noite a apontar medidas necessárias sem que fosse preciso gastar dinheiro: só é preciso neurónios e encontrar um decisor.
Da conjugação destas duas razões se resolvia a terceira, a da justiça social. A justiça social gera harmonia, esbate conflitos, provoca bem-estar, conforta os corações. Leva a uma melhor e mais consciente intervenção cívica.
Para a justiça social (dar a cada um segundo o seu merecimento) é, todavia, fundamental actuar noutro campo: o da responsabilização.
Tem-se inventado um role extenso de desculpas para justificar (ou desculpar) a desresponsabilização, a última das quais é o “relativismo moral” - um verdadeiro cancro dos nossos tempos.
Ora a desresponsabilização leva à injustiça, corrói o tecido social, dispara a má - língua e o mal dizer; escarnece dos bons e dos competentes. Não se resolve com nenhuma varinha mágica e é de todos os tempos: resolve-se com uma adequada hierarquia, disciplina e organização das coisas e dos homens. A ordem dos termos não é arbitrária.
Esperamos com inolvidável esperança que o Sr. Ministro Carlos Gaspar ponha as finanças em ordem e não nos mate da cura (olhe, a tropa está quase).
Mas gostaríamos também que arranjasse tempo para ler um romance. Medite bem na falta que fez ao seu colega mais velho, Cavaco Silva, saber aquela coisa dos 10 cantos dos Lusíadas.
Mesmo que, à troika, isso não interesse rigorosamente nada.
19.12.2011
João José Brandão Ferreira
TCor/Pilav (Ref)