A POLÉMICA Resolução 7/86, de 25 de Junho, da Assembleia Popular, que transferiu a então localidade de Mazeze, do distrito de Mecúfi para Chiúre; a de Miéze, de Mecúfi para Pemba, com sede em Metuge e a de Murrébuè, de Pemba para Mecúfi, acaba de ser desvalorizada, porque a Assembleia Provincial de Cabo Delgado, aprovou uma proposta do Governo provincial, propondo quase exactamente aquilo que o governo colonial tinha como divisão administrativa.
A justificação que o Executivo encontrou para a sua proposta, assenta na necessidade de ajustamento da divisão administrativa no propósito de adequar a estrutura político-administrativa ao estágio de desenvolvimento socioeconómico e permitir que o Estado esteja próximo da população para garantir a sua assistência em termos de prestação de serviços.
No caso particular de Mazeze, diz que a guerra e a falta de ponte sobre o rio Megaruma terão contribuído para que em 1986 fosse “deslocada”, pois dificultava a assistência às populações que viviam além do rio. Mais ainda, que há afinidades em relação aos hábitos e costumes, bem assim o registo de nascimento de grande parte da população continua a ser feito em Mecúfi e não em Chiúre, do mesmo modo que as populações das aldeias ribeirinhas do rio Megaruma recebem a assistência sanitária em Natuco, distrito de Mecúfi.
Uf! Quando falta alguma “cientificidade” na definição, o conceito cai por terra. Há momentos que temos que reconhecer os erros cometidos, pois errar é humano, tal que os chineses dizem mesmo que quem não erra é quem não nasceu ou que morreu.
O Estado estar próximo da população não deve ser justificação rigorosa porque a ser verdade que ele existe fisicamente, neste caso está-se a obrigar que seja a população a ir ao seu encontro, não o contrário como se pretende fazer entender.
As afinidades de índole cultural também não devem determinar no caso em apreço, porque podia ser que não houvesse, como é no caso geral da própria província de Cabo Delgado. Portanto Cabo Delgado não é Cabo Delgado por os seus habitantes serem afins em termos de costumes e hábitos.
Do mesmo jeito podemos analisar o problema de Murrébuè ou Miéze, para chegarmos à conclusão de que, se a questão for estar perto ou longe de, os erros voltarão a ser cometidos e cada vez que nos sentarmos em nome dos outros decidiremos sem o mínimo de rigor, por isso, emocionalmente.
Na verdade, cabe ao Estado criar as condições que as populações necessitam, aonde quer que estejam. É verdade que o Estado moçambicano é pobre, mas não devemos faltar à verdade dizendo que uma divisão administrativa, algo simplesmente formal, faz o desenvolvimento, senão vejamos:
A ponte de Megaruma inaugurada recentemente é móvel, portanto precária. Se na época chuvosa que se avizinha desabar, teremos que voltar a dizer que Mazeze pertence a Chiúre? Outra forma de abordar o assunto: se houver um centro de saúde em Nimanro e Soma, as populações destas aldeias precisarão de atravessar o rio Megaruma para Natuco?
Tudo começou no dia 25 de Janeiro de 2006, quando a Assembleia Municipal de Pemba reuniu-se extraordinariamente sob requerimento do Conselho Municipal respectivo com um único ponto da agenda: aprovar (assim mesmo, aprovar) a pretensão de “engolir” na capital provincial os postos administrativos de Murrébuè, distrito de Mecúfi e de Miéze, então distrito de Pemba-Metuge.
Sustentava-se a Assembleia Municipal, com base na proposta do Executivo da cidade, que a população de Murrébuè era oriunda desde o passado, da cidade de Pemba e tinha uma cultura tipicamente citadina, para além da distância de cerca de 15 quilómetros que a separava da cidade.
Por outro lado, de acordo com aquele órgão máximo do poder em Pemba, os trabalhadores dos níveis de operariado, agentes de serviços auxiliares da Direcção dos Serviços Urbanos do Conselho Municipal e de outras, eram residentes do posto administrativo de Murrébuè ou de Miéze.
A terceira razão, de acordo com os mentores da ideia de expansão de Pemba para estes distritos, residia no facto de que os pescadores artesanais, assim como os camponeses daqueles locais encontravam mercado dos seus produtos pesqueiros e agrícolas na cidade de Pemba.
Depois de vistas estas razões tinha dado a vontade de perguntar e no dia 4 de Fevereiro daquele ano perguntei neste mesmo cantinho. E depois? E começando pelo primeiro argumento, cultura, blá blá, blá... na cidade de Pemba vivem ou devem viver pessoas da mesma cultura? Será ou podemos excluir este argumento?
Distância: é natural que haja sempre um lugar distante doutro. Murrébuè ficava longe da sua sede distrital, mas Sassalane não, por isso poderia ficar perto de Pemba, sem que isso significasse pertencer a Pemba. Da mesma forma que Cabo Delgado fica mais perto de Dar-es-Salam, mas a sua capital nacional está a 3 000 quilómetros de longe, Maputo.
A segunda razão apresentada era que maior parte dos trabalhadores vinha de Murrébuè e de Miéze. Sinceramente! Venham donde vierem, desde que entrem a horas, e nos tempos que correm até há trabalhadores que “curtem” o fim-de-semana em Montepuez, 200 quilómetros, e só na segunda-feira é que pegam no “mini-bus”, directamente aos postos de trabalho.
Maputo é servido por trabalhadores que vem da Manhiça, cerca de 80 quilómetros e quase todos outros vêm da Matola, outro município. Aqui também parece não haver mal nenhum. É um argumento, igualmente a ignorar.
Da mesma forma não procede saber que os pescadores e camponeses vendem os seus produtos na cidade de Pemba, pois esta cidade vive de produtos de muitas proveniências, pertencentes a quem necessariamente não vive em Pemba.
Indo para o que parece fundamental, mas na proposta escrita aparecia nas entrelinhas, há, sim, que acreditar que Pemba e cada ponto de Cabo Delgado está a crescer e não encontra lugar para acolher os novos hóspedes.
Ora, este facto não se resolve engolindo Murrébuès ou Miézes. Pemba e outros lugares têm os seus limites. Se mais lugar aqui não houvesse, quem tivesse interesses em Pemba e não encontrasse lugar, iria pedir em Murrébuè e à administração de Mecúfi. As receitas daí resultantes iriam ajudar a desenvolver aquelas regiões.
O facto de os trabalhadores estarem a vir daquelas áreas periféricas provocaria um desenvolvimento resultante da mobilidade dos mesmos. Os transportes, aquilo que em cada dia trazem de Pemba, um tubo de água, uma barra de ferro, uma chapa de zinco, resolveria alguns problemas. E teriam gente a desejar lugares na sua zona.
Dentro de pouco tempo, na verdade, Murrébuè poderia muito bem virar cidade, pois Pemba esgotou-se a uma velocidade gulosa. A cidade que nasceria não tinha que se chamar necessariamente Pemba. Por que não chamar Murrébuè ou Changa? Uma outra cidade, outra autarquia com iguais condições turísticas e com um potencial agro-pecuário de respeito!
O espírito de criação das autarquias, se bem que não nos esquecemos, tem a ver com a necessidade de provocar desenvolvimento, que não passa pela anexação de outros territórios, mas sim, o desenvolvimento de um determinado pólo que pode influenciar as regiões periféricas, dentro duma dinâmica que existe há muito tempo.
Assim nasceram as chamadas megalopólis, assim Matola cresceu, sem necessidade de ser engolida pelo Maputo, assim está o Limbe, numa situação que não sugere alguma fronteira com Blantyre, isso aqui no Malawi.
Tudo isso dizíamos em 4 de Fevereiro de 2006, mas como dizíamos por dizer, a caravana passou!
- PEDRO NACUO