Piloto/instrutor Rui Novais Leite Monteiro (1921-2011)
(Brevet FAI n.º 115 de 30 de Março de 1940)
Por Manuel Bernardo
Faleceu ontem (30-12-2011) em Carnaxide, o Rui Monteiro, grande amigo de muitos militares e civis que passaram por Moçambique (e não só…).
Também tive a honra de ser seu amigo, mas apenas desde que regressou a Portugal depois da independência de Moçambique. A seguir farei um breve curriculum, transcrevendo textos do seu auto-retrato de há cinco anos atrás (com as suas correcções á mão, como era seu hábito…, até em livros…), em Linda-a-Velha, onde foi homenageado por 50 pilotos, em que falou o Comandante Durão e onde lhe ofereceram uma peça “LLandro” de um avião e piloto, em loiça (Espanha, Dais, 1989).
Oriundo de famílias minhotas, nasceu em Lourenço Marques (Maputo), onde casou com uma senhora, igualmente laurentina e pertencente, tal como o seu avô, a uma das famílias mais antigas de Moçambique (século XIX); tiveram cinco filhos e vários netos.
Voou pela primeira vez, em 09-09-1939, desde logo a solo…, num “pairador” Schulflieger, lançado por cabos elásticos (estilo fisga) do Monte Maria Dias/Algueirão (Sintra), na Escola de Aviação sem motor Bartolomeu de Gusmão. Era um curso da Mocidade Portuguesa, de quinze dias (com o custo de 400 escudos), com dezoito alunos, dirigido pelo Dr. João Pinto Coelho e sendo instrutor o alemão Schureke (campeão do Mundo). Os alunos tinham que carregar a máquina monte acima (10/15 metros de altura) e a “atracação” era feita na encosta virada para a Granja do Marquês. Isto para, de 18 em 18 vezes, cada um voar uma vez apenas; morreu um aluno na “atracação”. O voo de Rui Monteiro teve a duração de 17 segundos. Recorde-se que o voo de um dos irmãos Wright, em Kitty Hawk (EUA), em 1903, foi de 12 segundos…
No Aero Clube de Braga, fez o seu “larganço” em 03-12-1939, num CUB J-2, de 40 HP.
Foram seus instrutores Roberto Sameiro e Esteves de Aguiar, num curso igualmente promovido pela Mocidade Portuguesa, a título gracioso, mas com o compromisso de entrar nos milicianos da então Aviação Militar. Recordou que, nessa altura, quebrou o gelo do tanque para onde o lançaram, na companhia do Comandante (TAP) Francisco Amado da Cunha…
Regresso a Moçambique
Voltando à sua terra natal, lembra-se que aprendeu com os Comandantes Luís Branco e Jorge Veloso o voo nocturno, com o Coronel Armando Vieira os multimotores, com Artur Lacueva a acrobacia, e com Júlio Lázaro a radiotelefonia.
Foi instrutor de mais de 40 pilotos brevetados (alguns ilustres pilotos-aviadores) e instrutor e director das Escolas de Pilotagem do Xai-Xai, Inhambane e Guijá.
Além das actividades aéreas civis, como “ralies”, competições e corridas aéreas, com muitos primeiros prémios em Moçambique e nos países vizinhos, ao serviço das Formações Voluntárias da Força Aérea Portuguesa, durante os anos que durou a Guerra em Moçambique (1964-74), tomou parte em inúmeros voos de busca e salvamento, transporte de feridos e mantimentos, e principalmente em numerosos voos de Correio Aéreo.
Na então Lourenço Marques colaborou activa e decisivamente na construção de 4.000 casas populares no bairro da Machava e também na Coop, durante 17 anos, tendo oferecido uma escola primária, considerada como das mais lindas da cidade e que foi construída nesse bairro. Esteve ligado a cerca de quarenta empresas, de que o “glorioso 25 de Abril”/”descolonização exemplar” não deixou sequer uma pena para voar…
“Retornado” em Lisboa, mas com o coração no Maputo
Em Lisboa, foi Presidente do Conselho Fiscal, Vice-Presidente da Direcção e Presidente da Assembleia Geral do Aeroclube de Portugal, que lhe atribuiu vários diplomas de honra.
A Federação Aeronáutica Internacional (FAI) concedeu-lhe o diploma Paul Tissandier, a Ordem dos Cavaleiros de Colombo e distinguiu-o com uma cruz por salvamento num desastre aéreo, com risco da própria vida.
Nunca foi profissional da aviação, mas tinha cerca de 3.500 horas de voo e 14.000 aterragens, tendo sempre mantido regularmente os seus voos; o último foi num domingo, dia 18-06-2006, com 85 anos de idade.
Era sócio honorário dos Aero Clubes do Xai-Xai, Inhanbane e Guijá, bem como do Aero Clube de Moçambique.
Rui Monteiro era um homem de raras qualidades de humildade, coragem e abnegação ao serviço dos outros, em todas as circunstâncias. E apesar dos vários convites que lhe foram feitos, nunca mais regressou a Moçambique.
Depois das muitas conversas havidas ao longo dos anos, nomeadamente nos almoços semanais, na Fateixa/Restelo, gostava de referir o sucedido com um texto legal mandado publicar pelo Presidente (do Conselho) António Salazar. Dadas as minhas dúvidas sobre eu ter assinado declaração semelhante, quando entrei no Exército, em 1960, em certo dia até me ofereceu uma cópia do “Diário do Governo” (DL 27.003 de 14-09-1936), onde tal vinha publicado. Transcrevo parcialmente, para conhecimento dos mais jovens (na altura ainda se escrevia “idéas”):
“(…) Artigo 1.º Para a admissão a concurso, nomeação efectiva ou interina, assalariamento, recondução, promoção ou acesso, comissão de serviço, concessão de diuturnidades e transferência voluntária, em relação aos lugares do Estado e serviços autónomos, bem como dos corpos e corporações administrativos, é exigido o seguinte documento, com a assinatura reconhecida:
Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida na Constituição Política de 1933, com repúdio do comunismo e de todas as idéas subversivas. (…)
Rui Monteiro tinha sido instrutor do Aeroclube, em Lourenço Marques, do meu compadre, Capitão miliciano Paul Muller (já falecido e grande combatente em Moçambique - condecorado com a Cruz de Guerra) e que se juntava semanalmente ao nosso grupo de almoços semanais. Então, em certa altura (1988), o ex-instrutor convenceu este piloto a fazer um artigo para a Revista do Ar (Aeroclube de Portugal), em relação ao naufrágio sucedido em 1972, ao largo da capital moçambicana, que tinha como curiosidade uma nadadora de fundo ter sido salva dos tubarões por dois golfinhos. Feito com base nas reportagens dos jornais laurentinos “Notícias” e “A Tribuna”, tinha os seguintes títulos, e do qual faço algumas interessantes transcrições:
Recordando o naufrágio do “Scorpio”
O sentido humano dos golfinhos
Foi em 2 de Novembro de 1972, numa viagem entre a ilha da Inhaca e Lourenço Marques, que o barco naufragou com oito sul-africanos a bordo.
(…) Do Aeroclube de Lourenço Marques descolou o Tri-Pacer CS-AFM, pilotado por Rui Monteiro, actualmente Vice-Presidente da direcção do Aeroclube de Portugal, levando a bordo o Comodoro João Silva.
O vento de 25 nós dificultava a busca, principalmente por mar, pelo que, ao fim de muitas tentativas infrutíferas, os náufragos foram avistados pelo piloto do avião, o qual imediatamente procurou apoio naval.
(….) Assim procedendo, o cargueiro “West Coast” acabou por recolher quatro sobreviventes e um cadáver.
(…) Continuando a busca, o piloto conseguiu ainda localizar outra passageira do “Scorpio”, a vinte milhas, agarrada a uma bóia, completamente exausta e que foi igualmente recolhida pelo “West Coast”. Os corpos dos outros dois não foram encontrados (…)
A experiência vivida pela última a ser socorrida é extraordinária, diria mesmo inacreditável, pelo menos para quem não tenha lido algo sobre o comportamento inteligente, quase humano dos golfinhos.
Ivonne Vladislavich, que era nadadora de fundo, não se resignou a aguardar socorro, que poderia até nem vir. (…)
Enfrentou as vagas (…) Entretanto, apavorada, apercebeu-se da presença de quatro tubarões, atraídos pelo sangue de uma ferida nos pés, provocada na precipitação do abandono do “Scorpio”. Pensou que era o fim. Mas então, como que por milagre, apareceram dois golfinhos, um de cada lado, que afastavam os tubarões sempre que estes investiam. Esta situação manteve-se durante horas, sem que os golfinhos a abandonassem. Por vezes, Ivonne, desfalecida submergia e logo um deles a trazia à superfície, até que a conduziram até à bóia, onde encontrou a segurança necessária até ser recolhida pelo “West Coast”.
(…) As Imprensas de Moçambique e da África do Sul relataram largamente este acontecimento, tecendo os maiores elogios aos intervenientes no salvamento, particularmente ao Aeroclube de Lourenço Marques, pela acção desenvolvida pelo seu piloto.
In n.º 553 da Revista do Ar (JUL/AGO/SET de 1988)
A terminar e complementando as suas afirmações sobre ter ficado sem a propriedade de qualquer imóvel em Moçambique, apenas transcrevo as legendas de duas fotografias da sua moradia na cidade de Maputo e que foram publicadas no meu livro “Combater em Moçambique; Guerra e Descolonização; 1964-1975”/2003.
Em cima: Vivenda de Rui Monteiro (português de 3.ª geração em Moçambique), na Avenida Nossa Senhora de Fátima, antes do 25 de Abril. Moradia para um casal com cinco filhos, que demorou vinte anos a liquidar o terreno, dez anos a construir e, em três dias, o dono perdeu o seu direito de propriedade.
Em baixo: A mesma vivenda “nacionalizada” depois da independência e que ficou em poder de um governante (Primeiro-ministro), agora na denominada Av. Sekou Touré. Notam-se os gradeamentos e os muros para maior segurança.
Depois dos sentidos pêsames à Família, apenas me resta dizer: Rui Monteiro, Bom Amigo, descanse em Paz.
Manuel Bernardo (Cor. Ref.)
31-12-2011
NOTA:
À família a solidariedade do MOÇAMBIQUE PARA TODOS nesta hora de pesar.
O funeral sai amanhã da Igreja do Campo Grande (Lisboa) para os Olivais a partir das 16H00.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE
Veja http://voandoemmozambique.blogspot.com/2006/10/60-relato-da-fuga-de-moambique-do-cmte.html