As minhas actividades como dirigente político perante o meu povo começaram em 1957 e foi neste ano que eu tive a responsabilidade de apresentar algumas petições da população da minha região às autoridades locais portuguesas depois de ter visto a miséria e o sofrimento dos camponeses forçados a trabalhar nas farmes, plantações de asiáticos e europeus assim como na construção de estradas sem mesmo benefício de condições de vida alimentares ou de um salário honesto.
Eles eram obrigados a trabalhar durante longas horas sem comida e deviam pagar multa se eles não fornecessem durante a época de recolha de algodão a quantidade que lhes era atribuída. Eu também pedi ao governo que me autorizasse a organizar um programa de aprendizagem de melhores métodos de cultura e precauções a tomar para as colheitas a fim de lhes permitir obter os melhores resultados. Agindo assim eu esperava reduzir o sofrimento dos camponeses.
Nós estabelecemos urna cooperativa que nós chamamos Sociedade Agrícola Algodoeira Voluntária dos Africanos de Moçambique. De principio nos éramos 500. Nós pedimos ao governo para nos permitir que estabelecêssemos um fundo especial para compra de bicicletas, papel, lápis, etc. a fim de nos facilitar o trabalho da cooperativa enquanto que discutíamos o problema comum da produção e da utilização do produto.
Em 1958 a nossa cooperativa consistia de mais de 1,000 membros . . . em Julho de 1959 a cooperativa tinha 1,500 membros. Foi nesta altura que o governo português, sob a instigação da companhia Sagal começou a proibir a nossa cooperativa de aceitar novos membros, declarando que a partir dessa data todos os moçambicanos eram obrigados a trabalhar na companhia algodoeira do Sagal. Mesmo depois desta decisão, a companhia não estava satisfeita porque a nossa cooperativa tinha mais de 1,500 membros que podiam trabalhar como entendessem sem serem forçados ou explorados. A companhia do Sagal recorreu então a uma forma de opressão mais directa. Sob a capa de uma inspecção das nossas machambas como o governo autorizara, ela enviou os seus homens a visitar os nossos campos e ordenou a destruição de todas as árvores de fruto como laranjeiras e cajueiros dizendo que as mesmas prejudicavam a cultura de bom algodão. Eles então ameaçaram prender qualquer pessoa que plantasse qualquer outra coisa que não fosse algodão nos seus campos. Depois começamos a ver que muitos dos nossos membros eram presos e levados para plantações de sisal e algodão, acusados de não terem produzido a quantia que lhes havia sido atribuída (4 hectares/camponês).
Entretanto, eu convencera os membros da nossa cooperativa a construir as nossa próprias estradas a fim de facilitar o transporte da nossa produção até aos principais mercados em vez de os levar carregamentos pesados. Nós abrimos 4 estradas que nos levavam aos principais centros. Os portugueses em vez de apreciaram a iniciativa, ordenaram a minha prisão por não ter autorização para construir tais estradas. Fui preso em Setembro de 1959. Durante dois anos eu estive preso sem julgamento.
Durante este tempo a nossa cooperativa foi desmantelada por ordem do governo e muitos outros dirigentes da cooperativa foram presos.
Em 1961 o governo português deu-me a liberdade sob vigia. Uma semana depois chamaram-me à administração e perguntaram-me quais eram os meus projectos para o futuro. Eu disse que não tinha projectos. Depois propuseram-me que construísse uma nova cooperativa nas condições seguintes: ela estaria sob o controlo directo do governo português e não podia ter mais que 25 membros. eu não tive outra solução mas aceitar a oferta.
Durante dois anos a nossa cooperativa trabalhou sem descanso para tentar recuperar o que havia sido perdido. Compramos tractor. Quase todas as pessoas da região de Mueda vieram no dia da compra do tractor.
NOTA:
E fico pensando: Depois de tudo isto, de ter estado em posição cimeira na FRELIMO, o que o teria levado a fugir e a apresentar-se às autoridades portuguesas?
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE