A opinião de: Hillary Clinton *
Celebraremos o Dia dos Direitos Humanos, aniversário da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos. E nos 63 anos passados desde essa conquista, o mundo vem pondo em prática um compromisso global em torno dos direitos e das liberdades das pessoas em todas as partes, não importa onde vivam ou quem sejam. E hoje, à medida que as pessoas se voltam cada vez mais para a internet para realizar aspectos importantes da sua vida, devemos garantir o respeito aos direitos humanos tanto na internet quanto fora dela. Afinal de contas, o direito de expressar os próprios pontos de vista, praticar sua religião e reunir-se pacificamente com outras pessoas para buscar mudanças políticas ou sociais constitui um direito de todos os seres humanos, seja ele exercido em uma praça ou em uma sala de bate-papo na internet. E assim como trabalhamos em conjunto desde o século passado para assegurar esses direitos no mundo físico, devemos também trabalhar em colaboração neste século para assegurá-los no espaço cibernético.
Essa é uma tarefa urgente. É mais urgente, naturalmente, para aquelas pessoas no mundo todo cujas palavras estão agora censuradas, que estão presas pelo que elas ou outras pessoas escreveram na internet, que estão impedidas de acessar categorias inteiras de conteúdo na internet ou que estão sendo rastreadas por governos que tentam impedi-las de se conectar entre si.
Na Síria, um blogueiro chamado Anas Maarawi foi preso em 1o de julho após exigir a renúncia do presidente Assad. Ele não está sendo acusado de nada, mas permanece detido. Tanto na Síria quanto no Irã, muitos outros ativistas on-line - na verdade, demasiados para serem citados - foram detidos, presos, espancados e até mesmo mortos por expressar suas opiniões e organizar seus concidadãos. E talvez o mais conhecido blogueiro da Rússia, Alexei Navalny, foi condenado na terça-feira a 15 dias de prisão após participar de protestos contra as eleições russas.
Na China, dezenas de empresas assinaram um compromisso em outubro, prometendo reforçar - abre aspas - "sua autogestão, seu autocontrole e estrita autodisciplina".
Se estivessem falando de responsabilidade fiscal, devíamos todos concordar. Mas estavam falando de oferecer serviços de internet para os chineses, código para alinhar-se com o rígido controle do governo sobre a internet.
Esses e outros incidentes no mundo todo nos lembram do que está em jogo nessa luta. E a luta não pertence somente àqueles nas linhas da frente e aos que sofrem. Pertence a todos nós: primeiro, porque todos nós temos a responsabilidade de apoiar os direitos humanos e as liberdades fundamentais em todos os lugares. Segundo, porque os benefícios da rede crescem à medida que cresce o número de usuários.
A internet não se esgota e não é competitiva. O uso que eu faço da internet não prejudica o seu. Pelo contrário, quanto mais pessoas estiverem on-line e contribuindo com ideias, mais valiosa se torna toda a rede para todos os outros usuários. Desse modo, todos os usuários, por meio dos bilhões de escolhas individuais que fazemos sobre quais informações buscar ou compartilhar, fomentam a inovação, avivam os debates públicos, matam a sede de conhecimento e conectam pessoas de formas que a distância e o custo tornavam impossíveis há uma geração.
Mas quando as ideias são bloqueadas, informações são apagadas, conversas são reprimidas e as pessoas têm suas escolhas restringidas, a internet também se torna limitada para todos nós. Aquilo que fazemos hoje para preservar as liberdades fundamentais online terá um efeito profundo na próxima geração de usuários. Mais de 2 bilhões de pessoas estão hoje conectadas à internet, mas nos próximos 20 anos, esse número será mais que o dobro disso. E estamos nos aproximando rapidamente do dia em que mais de 1 bilhão de pessoas estarão usando a internet em países repressores. As promessas que fazemos e as medidas que tomamos hoje podem nos ajudar a determinar se esse número cresce ou diminui ou se o significado de estar na internet está totalmente distorcido.
Cumprir o compromisso de liberdade na internet exige ações cooperativas, e temos de promover uma conversa global com base em princípios compartilhados e com os parceiros certos para lidar com os desafios práticos de manter a internet aberta e livre e ao mesmo tempo interoperável, segura e confiável.
Esse empreendimento não é uma questão de negociar um único documento e considerar pronta a tarefa. Exige um esforço contínuo para levar em conta a nova realidade vivida por nós, em um mundo digital, e de uma forma que maximize seu potencial.
Como o advento do espaço cibernético cria novos desafios e oportunidades em questões de segurança, economia digital e direitos humanos, temos de estar constantemente melhorando nossas respostas. E embora essas questões sejam distintas, são praticamente inseparáveis, porque não existe uma internet económica, uma internet social e uma internet política.
Existe apenas a internet, e estamos aqui para proteger aquilo que a torna grande.
As sessões de amanhã dão oportunidade de fazermos progressos concretos. Neste evento inicial, gostaria de discutir brevemente três desafios específicos que devem ser enfrentados pelos defensores da internet.
O primeiro desafio é o setor privado abraçar seu papel na proteção da liberdade na internet, porque, querendo ou não, as escolhas feitas pelas empresas privadas têm impacto sobre o modo como as informações fluem ou não fluem na internet e nas redes móveis. Elas também têm impacto sobre o que os governos podem ou não fazer e têm impacto sobre as pessoas localmente.
Nos últimos meses, vimos casos de empresas, produtos e serviços serem usados como ferramentas de opressão. Em alguns casos, isso não podia ser previsto, mas em outros podia. Há alguns anos, as manchetes referiam-se a empresas passando informações confidenciais sobre dissidentes políticos. Neste ano, elas foram sobre uma empresa que fechou as contas de rede social de ativistas em meio a um debate político. As notícias atuais são sobre empresas que vendem hardware e software de repressão a governos autoritários. Quando empresas vendem equipamento de vigilância para a agência de segurança da Síria ou do Irã, ou em outros tempos para Kadafi, não pode haver dúvida que será usado para violar direitos.
Alguns diriam que, para obrigar as empresas a se comportarem de maneira correta, os governos responsáveis deveriam simplesmente impor amplas sanções, e isso resolveria o problema. É verdade que sanções e controles de exportação são ferramentas úteis, e que os Estados Unidos os usam com vigor quando apropriado; e se forem violados, investigamos e perseguimos quem os violou. E estamos sempre tentando trabalhar com nossos parceiros, como a União Europeia, para torná-los os mais preparados e eficientes quanto possível. Na semana passada, por exemplo, vimos com satisfação que nossos parceiros da
União Europeia impuseram novas sanções sobre a tecnologia destinada à Síria.
Portanto, sanções são parte da solução, mas não são a solução completa. Tecnologias de uso duplo e vendas de terceiros tornam impossível ter um regime de sanções que previna com perfeição maus atores de usar as tecnologias de modo impróprio. Às vezes, algumas empresas dizem para nós do Departamento do Estado: "Digam o que devemos fazer e o faremos."
Mas o fato é que não se pode esperar instruções. No século 21, empresas inteligentes devem agir antes de se transformar no centro de controvérsias.
Gostaria que houvesse uma fórmula fácil para isso, mas não há. Tomar boas decisões sobre o modo e a possibilidade de fazer negócios em várias partes do mundo, especialmente onde as leis são aplicadas de forma negligente ou não são transparentes, exige deliberação e pensamento crítico e fazer perguntas difíceis.
Portanto, que tipo de negócios vocês devem fazer em um país onde há um histórico de violações à liberdade na internet? Há algo que se possa fazer para evitar que governos usem seus produtos para espionar seus próprios cidadãos? Vocês deveriam incluir alertas aos consumidores? Como lidarão com pedidos de informações de autoridades de segurança quando esses pedidos vêm sem justificativa? Vocês estão trabalhando para evitar modificações pós-compra de seus produtos ou revenda por intermediários para governos autoritários?
Essas e outras são perguntas difíceis, mas as empresas precisam fazê-las. E nós estamos prontos para trabalhar com vocês no sentido de encontrar respostas e responsabilizar aqueles que ignoram ou rejeitam ou negam a importância desta questão. Uma variedade de recursos surgiu nos últimos anos para ajudar as empresas a lidar com essas questões. Os Princípios Norteadores para Empresas e Direitos Humanos, adotados em junho pela ONU, e as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais aconselham as empresas sobre como cumprir responsabilidades e tomar as devidas providências. E a Iniciativa de Rede Global, aqui representada esta noite, é um fórum em crescimento onde as empresas podem tratar dos desafios com outros parceiros do setor privado, além de acadêmicos, investidores e ativistas.
* Secretária de Estado norte-americana
VERTICAL – 15.12.2011