A culpa não pode morrer solteira
O desfecho do caso dos 565 contentores de madeiras apreendidos em Nacala, em 2011, trouxe à superfície alguns contornos das fraudes aduaneiras e as cumplicidades ao mais alto nível da nomenclatura com certos escalões das alfândegas, e veio comprovar mais uma vez o desinteresse do Governo da Frelimo em combater de forma efectiva e exemplar a corrupção em Moçambique.
Tivemos acesso ao relatório final do caso – disso damos notícia nesta edição – e a partir dele não resta outra hipótese que não seja a de se concluir que estamos a ser governados por uma “gang” que se montou sobre as instituições do Estado e mantém refém um governo clientelista e sem moral para cumprir o seu dever de mandatário de todo um povo como guardião do Estado moçambicano.
Os negócios de um punhado, mais uma vez se sobrepuseram aos mais altos interesses do Estado.
Como é que se explica que o Estado tenha apreendido 565 contentores de madeira em bruto que estavam prestes a ser exportados para a China e meia volta o ilícito vira lícito e sem responsabilização civil e criminal?
Custa-nos sinceramente acreditar que os chineses estão sozinhos nesta mega-burla.
Custa-nos sinceramente acreditar que nenhum membro da nomenclatura estivesse em parceria com os chineses na delapidação dos nossos recursos.
Houve prestação de falsas declarações quanto ao verdadeiro valor das madeiras. Os agentes da PRM, das Alfândegas e funcionários do Ministério da Agricultura que estiveram de serviço no dia da operação não serão responsabilizados?
Pensamos nós que as multas e “procedimentos disciplinares” de que foram alvo não são suficientes para disciplinar tamanha falta de responsabilidade e comportamento corrupto.
O presidente da Autoridade Tributária que aliás convocou a Imprensa para afirmar que os responsáveis arcariam com as consequências, o que tem a dizer hoje?
Aonde estão os responsáveis?
Ter-se-á Rosário Fernandes curvado perante a grande corrupção e decidido perder os seus princípios de verticalidade com que tem sabido diferenciar-se da maioria dos seus pares em instituições do Estado?
Terá sido Rosário Fernandes obrigado a ceder para não ser humilhado?
A Lei 2/2006, de 22 de Março (Lei que estabelece os princípios e normas gerais do ordenamento jurídico tributário moçambicano) será que pode continuar a permitir que os contrabandistas possam recuperar a sua mercadoria, bastando apenas requerer a sua reaquisição junto do Tribunal Aduaneiro que julga o caso?
A dignidade do Estado foi ofendida em todo este processo.
O Estado, pelo desfecho que este caso teve, em vez de deixar na praça uma mensagem inequívoca de que brincadeiras como as que foram protagonizadas pelos arguidos nesta trapaça da madeira não são admissíveis, acabou por aparecer dando a ideia de que em Moçambique é proibido contrabandear mas se pagarem e legalizarem o contrabando fica logo tudo bem.
Sabendo nós que as punições são para corrigir comportamentos inadmissíveis, que conclusão se poderá tirar realmente da forma como o caso dos contentores de Nacala foi orientado e concluído?
Não será que a conclusão mais óbvia é de que continuará a valer a pena tentar burlas da mesma dimensão ou maiores, porque no fim do dia tudo se resolve e nem sequer se perdem as mercadorias?
Não será ainda que a nossa madeira está de tal maneira a ser exportada ao preço da chuva que até dá para quem exporta continuar a ganhar rios de dinheiro mesmo tendo que pagar penalizações aduaneiras e judiciais e a comprar segunda vez a sua própria mercadoria apreendida?
Um governo sério pode continuar a permitir estas coisas?
O presidente da República que já tem consigo o relatório desde Novembro, na sua qualidade de chefe do Governo considera-se satisfeito com a forma como o caso foi resolvido?
Será que vai continuar a dizer que o País está no bom caminho rumo ao desenvolvimento com estas trapaças a serem tratadas com esta meiguice?
As nossas crianças continuam a sentar-se no chão por falta de carteiras nas escolas e a desculpa tem sido sempre a mesma: falta de dinheiro para apetrechar as escolas. Com isto além da falta de dinheiro não iremos um dia acordar sem dinheiro e sem madeira?
Qual é afinal a nossa grande prioridade, não é a Educação e a instrução?
A nossa melhor madeira está a ser vulgarizada por chineses e moçambicanos corruptos. Quem está a ganhar com este negócio?
Certamente que não é o Estado.
Será que um chefe de Estado não tem de se preocupar em mandar parar a farra que está a ser feita com as nossas madeiras?
Os cidadãos já especulam que o chefe de Estado também anda metido em negócios e por isso já não tem espaço nem argumentos para condenar actos corruptos dos seus camaradas.
Quem acaba com esta pouca-vergonha toda?
Que governo pode querer que ainda se continue a reconhecer-se-lhe legitimidade com estas coisas a acontecerem, umas atrás das outras?
Será que só em Pemba, Cuamba e Quelimane havia razões para os edis se demitirem?
Canal de Moçambique – 18.01.2012