JOANA GORJÃO HENRIQUES
A discrepância é um passo na transparência ou confirma as piores expectativas? Observadores e analistas comentam
Ainda não há resposta para a diferença de 32 mil milhões de dólares (25 mil milhões de euros) entre despesas e receitas nas contas orçamentais do Governo angolano entre 2007 e 2010.
A discrepância foi detectada no último relatório do Fundo Monetário Internacional sobre o país. Apesar de o FMI dizer que "os dados preliminares" indicam que "grande parte" se deve "a operações quase fiscais" feitas pela Sonangol em nome do Governo, mas não inscritas "nas contas orçamentais", este "saldo residual" ainda está a ser investigado, diz o último comunicado do FMI emitido esta semana. De acordo com o FMI, uma "análise profunda" será feita ainda este ano.
A Sonangol, petrolífera estatal, é a base da economia angolana e tem feito despesas em nome do Estado. Segundo o ministro das Finanças de Angola, Carlos Lopes, isso vai deixar de acontecer, medida que é um dos frutos da presença do FMI em Angola. As únicas despesas que a Sonangol poderá fazer em nome do Estado serão as relacionadas com subsídios aos combustíveis e algumas linhas de crédito externas.
O FMI está a ajudar Angola a reconstituir as reservas de divisas depois da baixa do petróleo, visitou Luanda a meio deste mês para fazer a sexta e última avaliação e chegou "a acordo técnico" sobre as políticas de apoio para entregar a última tranche de ajuda de 130 milhões de dólares - mas o acordo tem de ser aprovado pela administração do fundo. O relatório que publicou em Dezembro onde dava conta da discrepância de 32 mil milhões de dólares nas contas provocou polémica e levantou suspeitas.
No final da missão em Angola na semana passada, o FMI elogiou o Governo angolano pela abertura das contas. Mas analistas e observadores têm também uma posição crítica. "Num regime transparente essas discrepâncias não deveriam existir", diz ao PÚBLICO Marcolino Moco, ex-primeiro-ministro do MPLA, partido no Governo. "São volumes enormes. As contas do Estado não podem ser segredo. É lamentável estarmos ainda a assistir a esse tipo de problemas que já não deviam existir. Se tivéssemos um regime transparente, isso não acontecia."
Também Judith Poultney, analista da Global Witness, uma organização não governamental anticorrupção, sublinha que, apesar dos avanços na prestação de contas em Angola, o facto de terem sido detectadas mais discrepâncias - dez anos depois de esta organização ter mostrado que mil milhões de dólares de receitas do petróleo angolano não estavam documentadas - "mostra o quão mais longe Angola tem de ir até ter um sector petrolífero transparente e responsável". Patrick Heller, do Revenue Watch Institute, uma organização internacional que promove a transparência nos negócios de petróleo, gás e minério, diz mesmo que o FMI "devia reagir de forma firme".
Mas para o representante do FMI em Angola, Nicholas Staines, o simples facto de se ter acesso às diferenças nas contas é já um passo na transparência e permite saber mais do que em alguns países. "As discrepâncias mostram não apenas o que foi transferido entre a Sonangol e o Estado, mas também o que devia ter sido transferido e não foi."
Gestão do petróleo
Há anos que várias instituições internacionais tentam que o Governo angolano publique as contas detalhadas da Sonangol. A intervenção do FMI é vista como um passo importante para a transparência e pode contribuir para a mudança daquilo que Moco descreve como "atitude contemplativa" a nível interno e internacional "em relação às irregularidades". "Compreendo algumas das dificuldades de intervenção das instituições internacionais em relação a problemas internos por causa da soberania. Mas a soberania nacional tem que ceder em relação à transparência e direitos humanos. Não se pode esperar que as coisas se extremem como na Líbia."
Há quem preveja que o FMI vai "aumentar a pressão de reforma da Sonangol", porque se algumas das discrepâncias nas contas da empresa se devem a sistema contabilísticos deficientes, outras têm a ver com "extorsão, o que requer vontade política para erradicar", diz Alex Vines especialista de Angola nothink tankinglês Chattam House. Pressionado há mais de uma década a auditar as finanças da Sonangol, o Governo angolano tem publicado nos últimos anos mais dados sobre as suas contas, e "é por isso que agora é possível um debate sobre as discrepâncias" nas contas, lembra.
Em 2004, a Human Rights Watch revelou que tinham "desaparecido" quatro mil milhões dos cofres do Estado angolano entre 1997 e 2002. O valor agora avançado é incomparavelmente mais alto e, para Arvind Ganesan, director da HRW, "levanta sérias dúvidas sobre os esforços" das entidades angolanas. "Os 32 mil milhões em falta deviam exercer mais pressão no Governo para publicar de forma rigorosa o que fez a este dinheiro e a outros fundos públicos", diz.
Por outro lado, o relatório do FMI sublinha aquele que tem sido um dos grandes problemas de governação em Angola, considera Patrick Heller. "A Sonangol tem agido como veículo para o Governo gastar dinheiro fora do processo político normal. É impossível dizer exactamente o que se inclui nas discrepâncias e essa é justamente a questão: os cidadãos angolanos não têm forma de saber como é usada uma enorme quantidade de dinheiro que vem dos recursos públicos."
Patrick Heller nota que, apesar de o ministro das Finanças angolano publicar dados sobre as receitas do petróleo, o Governo nunca teve que aderir a normas internacionais que o obriguem a explicar como é que a informação sobre a gestão do petróleo é publicada e verificada. "Há muito pouca informação sobre a forma como a Sonangol é gerida."
Para Heller é verdade que o FMI e outras instituições internacionais podem "aumentar a pressão" pela transparência. No entanto, é necessário que exista "consistência na forma como obrigam o Governo a cumprir os seus compromissos". "Ao libertar a última tranche de ajuda sem uma análise profunda das discrepâncias, o FMI perderá uma oportunidade decisiva no movimento de promoção do escrutínio em Angola."
PÚBLICO(Lisboa) – 27.01.2012