Por Tanga wa Wena
Antes de começar gostaria de agradecer ao Excelentíssimo Director do jornal pela publicação deste artigo na página do leitor. Tenho a agradecer o leitor e amante desta página que me motiva a escrever sempre que um assunto mereça uma discussão em conjunto, sendo que desta vez convido-o a reflectir sobre os efeitos das propinas no ensino superior público e privado.
Aquando da emergência do ensino privado muitos moçambicanos viram uma janela aberta para continuar a estudarem, mesmo sabendo que havia um preço por se pagar. O ensino privado seja de que nível sempre foi na base de pagamento de propinas para o auto sustento das instituições talvez porque não tem apoio do governo no seu trabalho, mas importa salientar que aliviam até certa medida os que tem o poder financeiro para pagarem para estudarem. Aposto que ninguém antes pensou que um dia o modelo do ensino privado fosse aliciar o ensino público a embarcar no mesmo barco – cobrança de propinas elevadas aos estudantes. Vamos antes passar por um exemplo recente.
O ISCAM – Instituto Superior de Contabilidade e Auditoria é uma instituição pública que tem a responsabilidade de formar quadros superiores em contabilidade e auditoria (mesmo leccionando outros cursos) em Moçambique que permite a continuação de estudos sobretudo dos estudantes do Institutos Comerciais. Já no começo era possível ouvir dizer que esta escola (ISCAM) “é escola para alguns, é escola para a classe média” devido ao custo a pagar para nela se estudar. Quando foi criado o ISCAM muitos estudantes do Instituto Comercial ficaram eufóricos ao verem criada uma instituição que lhes permitiria continuar a estudar o ensino superior no ramo comercial em que já estavam integrados, só mais tarde a maioria veio a saber que não seria tudo assim tão linear, havia uma propina de 19 200 Mt anuais mais outras obrigações (matricula, testes, exames etc..). Este era ainda o começo, o pior ainda estava por vir.
A propina de 19 200 Mt anuais era para os estudantes de ambos períodos laboral e pós-laboral. De repente o espírito de negócio lucrativo que norteia quase tudo o que se faz neste país, a propina anual do pós-laboral subiu de um semestre para o outro de 19 200mt a 30 000 mt. A renovação de 750 mt para 1500, inscrição por disciplina em atraso subiu de 650 para 1300. Vejam só, parece que a imagem de que o ISCAM “é escola para alguns, é escola para a classe média” ficou caduca e transformada em “é escola para alguns, é escola para a classe rica”. Para verificarmos se isto é ou não verdade temos que olhar para o tipo de candidatos, estudantes e outras partes interessadas em redor do ISCAM.
Há os potenciais candidatos, os que anseiam estudar no ISCAM, dos quais a maioria vem do Instituto Médio Comercial. Este grupo é misturado socialmente porque é composto por filhos da classe média e rica do centro da cidade e da classe média e pobre dos bairros suburbanos como Chamanculo, Inhagóia, Matendene. O aumento das propinas divide este grupo socialmente, os pobres que com uma maior decisão esperavam desafiar a propina de 1920 mt desistem logo, e os que podem pagar qualquer preço olham para isto com bons olhos porque o aumento de preço diminui a concorrência. Aposto que haverá muitos candidatos que passarão nos exames e não vão matricular-se este ano (esperemos para ver na prática)
Há os que estão a estudar no ISCAM nos 2º , 3º ou 4º ano que o custo marginal de continuarem a estudar ainda é menor porque já gastaram muitos recursos, tempo e dinheiro, para estudarem que só podem desistir por dificuldades extremas. Uns vão anular as matrículas para tomarem o balanço de modo a regressarem nos próximos anos e outros vão apertarem os cintos e aguentarem a carga.
Há os que ingressaram no ISCAM no ano passado, estes são os mais injustiçados de todos. Estudaram um ano com a propina anual de 19 200 mt e o ano seguinte são obrigados a pagar 30 000 mt e sem tolerância. Para estes a distância entre ir a frente ou atrás é igual. Por exemplo, se o estudante tem uma cadeira em atraso deve até a data da renovação da matricula pagar 1500 (renovação)+3000 (1ª prestação)+1300 (cadeira em atraso)+250 (cartão de estudante)+250 (testes) o que equivale a um total de 6 300mt neste mês de Janeiro.
Quem pergunta porque é o último grupo é o mais injustiçado tem a sua razão, mas vou tentar explicar. Quando um estudante entra numa universidade o plano é concluir a formação com sucesso, e tem um plano geral que incide sobre a duração de todo o curso e planos anuais, semestrais etc. Creio que são poucos deste grupo que esperavam uma subida acentuada do custo da propina, porque mesmo esperando um aumento de preços em tudo o que compramos na vida a nossa expectativa é sempre de subidas graduais e não de um semestre para o outro pagar um diferença de 1080 mt. Este grupo vai sofrer a exclusão social também porque aquele que pagava 1920 mt com dificuldades no ano passado e que esperava limar neste ano pode desistir, aliás, já ouvi estudantes a colocarem a hipótese de desistirem. Este grupo é o mais injustiçado por muitas razões, comparando com os novos ingressos veremos que a diferença é que o novo ingresso candidata-se a saber que deve comprar o conhecimento por 30 000 anuais e cabe a si decidir se segue em frente ou não, enquanto que o estudante que pagava menos e é exigido mais foi apanhado na ratoeira.
O estudante que está nos últimos anos já não faz sentido desistir, este já pagou muito caro pelos anos passados. Acho que agora já podemos ver bem claro os efeitos do aumento acentuado do custo de estudar no ISCAM para diferentes grupos, claro que não falamos de todos porque existe o encarregado de educação que a esta hora está a morder os dentes sem saber o que fazer para manter o seu filho na escola porque o seu salário não subiu.
Mas tem que ficar bem claro também que isto não é um caso exclusivo do ISCAM, outras universidades fazem o mesmo, isto significa que ao se multiplicar este fenómeno por todas as instituições de ensino muitos moçambicanos ficarão a margem da sociedade, sem possibilidade de estudarem e nem garantir o seu futuro neste país. A pergunta certa seria qual é o futuro da educação em Moçambique?
Esta pergunta é de difícil resposta olhando para a situação económico do mundo no geral, do país e das famílias moçambicanas num momento que fala-se da crise financeira mundial (hoje fala-se da crise soberana em que os Estados sofrem os efeitos da crise de forma individual) onde há cada vez menos capacidade de pagar-se as despesas. Ao aumentar o custo da educação no ensino superior está a promover-se a exclusão social onde o pobre não tem possibilidades de estudar e o rico pode estudar e consequentemente o fosso entre o rico e o pobre aumenta. Para responder a esta pergunta devemos olhar para o futuro olhando para a realidade hoje e no passado. Muitos que são ministros e directores hoje estudaram nas universidades como a UEM com o apoio da sociedade no geral e do governo em particular (outros forma a Cuba, Correia e outros países dentro da política de um governo que se preocupava com o futuro do país) e nessa altura o que contava era o conhecimento, a garra e a atitude do estudante e não a sua condição financeira o que permitiu que saissem da classe dos pobres para a classe média ou rica que são hoje usando como caminho a educação. A não ser que se esqueceram que estudaram porque a sociedade abriu-lhes as portas e permitiu esse avanço. E hoje, será que os senhores acham justo fecharem as portas para o pobre estudar? Talvez ao responder esta última pergunta teremos a chave sobre qual é futuro esperamos da educação em Moçambique. Talvez o futuro é cada vez uma maior exclusão social da maioria contra uma minoria rica e educada. Digo talvez porque sei que há especialistas em educação e sociedade que podem dar opiniões e previsões com maior certeza, por isso que antes de me despedir, retiro tudo o que disse antes. Nada disse.