CRÓNICA Por: Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas
“O espinho de hoje é a flor de amanhã”. Anónimo
Quando a caminhada na estrada da escrita é longa, mesmo depois de aturar as difíceis praxes que a arte do ofício impõe e recomenda, as implacáveis regras do jornalismo deixam de fazer qualquer sentido, a imaginação é elevada ao primor, promovendo-se a diferença. Quando a dita imaginação não atropele a deontologia do ofício, porque a vida não é só uma questão de antecipação e de oportunidade também é de imaginação, não há que temer a habitual “circuncisão” dos clínicos de arte nem dos diplomados em linguística, muito menos da “tesoura” dos leitores pois, nada que vise rebaixar o esforço alheio, terá efeito demolidor.
A crónica que hoje vos ofereço, que me fazem o favor de ler, não tem nada de imaginação no sentido que alguns sabichões atribuem ao esforço alheio, apenas comete uma “aventura” nas regras do jornalismo ao falar, primeiro, da visita do primeiro-ministro, Dr. Aires Ali, à província de Tete, remetendo o título para o fim. Uma vez servida a sopa, vamos então aos factos tal como eles aconteceram, antes que “isto” vire uma homilia enfadonha.
Aconteceu na cidade da Beira há sensivelmente um ano, quando, o Dr. Aires Ali, no gozo do estatuto de primeiro-ministro de Moçambique paralisou a cidade da Beira, impedindo o normal funcionamento das instituições públicas e privadas. Na altura, funcionários das ditas instituições, nomeadamente velhos, adultos e crianças foram coagidos a afinar a garganta – principal requisito para uma boa entoação da makwaela – para recepcionarem o primeiro-ministro do governo do famosíssimo empresário (dos patos) Armando Emílio Guebuza.
O mesmo voltou a acontecer desta feita em Tete. Não tinha sequer passado a ressaca das festas do Natal e do Fim de Ano, nem sequer a polícia tinha acabado de contabilizar o rescaldo da efeméride, o Concelho Municipal de Tete através da Rádio Moçambique – Emissão Provincial, apelava a presença de toda a população da urbe para comparecer (em massa) no aeroporto de Chingodzi para receber o primeiro-ministro Dr. Aires Aly. Na convocatória, lida nas três línguas de trabalho (portuguesa, Cinyungwe e Cinyanja), apelava-se igualmente a todos os funcionários do Estado e privados a afinarem as gargantas e as pernas – requisitos básicos para uma boa dança de nhau – para receberem o visitante.
Ninguém podia faltar.
Estava dado o aviso. Quem ousasse faltar, sobretudo os funcionários públicos, corria sérios riscos de perder a refeição ou até mesmo, para casos de reincidência, seria apelidado de ‘chingondo’ ou de reaccionário como acontecia tradicionalmente no passado.
De 3 a 6 de Janeiro do ano em curso, como quem dissesse “não há um sem dois, nem dois sem três…”, a cidade de Tete “parou”, à letra! O executivo provincial mobilizou toda a máquina de mobilização e propaganda e não só, até curandeiros de todas as especialidades, segundo se diz anonimamente, foram convidados a fazer uma vigília a favor do primeiro-ministro e da sua comitiva. O que é que o poder não faz?
Tenho provas recolhidas ao longo de quase trinta anos: O poder é como beber água salgada, não mata a sede do sedento. Quanto mais tempo se governa, maior é o desejo de estar no poleiro. E para se estar por muito tempo no poleiro, salvo esporádicas excepções, é preciso aplicar as regras da doutrina de Judas Iscariotes (cito algumas): matar, roubar, enganar, ludibriar, mentir, falsificar, etc. Por isso, caros leitores, nada do que vi e vivi durante a minha estada em Tete, relacionado com a visita do primeiro-ministro Dr. Aires Aly, me surpreende. Em política não há coincidência, quem disser o contrário mente.
Louvado seja o Senhor que na sua incomensurável grandeza fez da morte o limite dos homens. O que seria deste “talhão” que se chama mundo se o seu criador não pusesse travão na ganância dos homens, sobretudo dos políticos que fazem deste mundo uma propriedade ilimitada de familiares, de amigos, de compadres e de comadres? Caso contrário, verdade seja dita, Hitler, Salazar, Saddam, Kadafhi e tantos outros sanguinários com cadastro e diplomados / patenteados pelo reino de Caim (pelos serviços a ele prestado), reinariam para sempre em detrimento da alegria da Humanidade.
Seis anos depois encontrei Tete nos trilhos do progresso. Engana-se quem pense que Tete desenvolveu à custa da Frelimo. Durante muitos anos, desde a proclamação da Independência Nacional, a província de Tete foi mandada às “urtigas” pelos sucessivos governos da Frelimo.
Nunca Tete esteve nos planos do executivo para incrementar o desenvolvimento económico e social da sua população e, se esteve, foi apenas uma quimera para reluzir os relatórios aos doadores. Não é preciso mnemónica para avivar e trazer à tona o caso do projecto falido do Gabinete do Plano do Zambeze (GPZ) dirigido curiosamente pelo ‘mwana wa kumüi’, literalmente, filho da terra, Dr. Sérgio Vieira.
Vamos dar o exemplo de um pobre doente em estado terminal que caiu no regaço do médico incompetente. Este prescreve ao paciente dois “quase” mortais medicamentos: O primeiro levaria à morte instantânea do paciente (havia tempo que a direcção do hospital e doadores ameaçavam rescindir o contrato de serviço com o “louco” médico caso este não conseguisse curar a tempo o paciente que era portador de uma indescritível fortuna); o segundo apenas dava ao paciente ânimo de caminhar para junto da sua povoação e morreria ali entre os seus (nas sociedades altamente supersticiosas quando um paciente perde a vida em casa, quando podia padecer no hospital, beneficiando de tratamento médico adequado, facilmente se atribui a morte desse paciente à causas de feitiçaria, ilibando, às vezes, como aconteceu com este pobre paciente, casos de negligência médica.
É então que o paciente decide buscar forças nos mistérios da vida (às vezes o ser humano deposita no “banco de socorros divino” uma parte da energia que produz durante o dia, enquanto portador de boa saúde, para que na doença, possa solicitar ao Senhor Todo-Poderoso à restituição de salutar saúde, no leito onde ele se encontre a padecer) e cura-se da enfermidade.
Para o espanto do médico e da “floresta de incautos” que abunda em todas às sociedades, o “louco” médico de burro torna-se, aos olhos dessa “floresta de incautos”, o emissário de Deus.
E é por isso que ainda hoje se ouve dizer, entre os mortais, que “o médico x ou y é bom ou é mau”. Esta história é verídica e presenciei-a há pouco menos de 20 anos no hospital provincial de Tete. Por motivos óbvios, optei em preservar a identidade do paciente e médico.
A realidade de Tete não difere do doente que foi entregue à sua sorte, cuja salvação dependia única e exclusivamente de si próprio. Cansada de tanto sofrer, a população de Tete teve que cavar, cavar, cavar até achar o seu “petróleo”. Tete deixou de ser um fardo político e passou a ser, legitimamente, o principal trampolim da economia moçambicana. As palavras, aliás, as duras palavras não são minhas, são do poeta ‘Nkulu’ (‘mais velho’, grande homem’) que certa vez disse “AMIGO CHALECA, SE VIRES COCÓ, POR BAIXO HÁ RIQUEZA, QUE SERÁ, DEPOIS, FONTE DE CONFLITOS”. É caso para dizer:
TETE, quem te viu e quem te vê.
‘Kochikuro’ (Obrigado).
PS: Esta crónica vai dedicada ao amigo Sérgio Vicente que a doença o levou tão cedo (para a Dra. Maria Andrade, minha querida amiga cabo-verdiana, “nenhuma pessoa morre tão cedo ou tão tarde, as pessoas simplesmente morrem quando o decreto divino se impõe, seja ela recémnascido ou feto, criança ou velho, falece-se apenas”…) para o mundo dos mortos. Não revejo a cidade de Tete sem a alegria angélica do sportinguista e amigo Sérgio Vicente. Que Deus o tenha na eterna saudade!
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Viriato Caetano Dias
WAMPHULA FAX – 24.01.2012